Por Divaldo de Aguiar Lopes

José Clemente Pereira nasceu em Portugal no dia 17 de fevereiro de 1787, na localidade denominada Adem, vila de Castelo-Mendo, comarca de Francoso, bispado de Pinhel, onde residiam seus pais, José Gonçalves e Maria Pereira.

Graças a um tio sacerdote que o auxiliou em seu desejo de estudar, pois seus genitores eram pobres lavradores, cursou, em Coimbra, a Universidade e diplomou-se em direito e cânones.

Por ocasião da invasão dos franceses na península, alistou-se num batalhão acadêmico e combateu com fibra e denotado patriotismo chegando a alcançar o posto de capitão; mas, a carreira das armas não o seduzia e, em 1815, resolveu vir para o Brasil, que, a partir de 1808, passara a ser a sede da Corte de Lisboa.

No Rio de Janeiro, inicia, então, sua carreira de advogado; pobre e honrado, austero e prestimoso, era um causídico prudente e discreto, por isso logo granjeou muitas amizades. Devido a sua pouca estatura tornou-se conhecido pela alcunha de "José Pequeno".

Criação da Vila Real da Praia Grande

Em 1818, por decreto de 12 de outubro, José Clemente Pereira foi nomeado Juiz de Fora da Vila de Maricá, mas não tomou posse nesse cargo porque o decreto de criação da referida Vila concedera, a esta, apenas, os cargos de Juízes Ordinários; assim sendo, ele recorreu a decisão superior para a solução do caso.

A esse tempo, o processo de criação da Vila Real da Praia Grande seguia lentamente pelos canais burocráticos desde janeiro de 1817; valendo-se desse fato, o "Desembargador Procurador da Coroa e Fazenda", em seu parecer dado à consulta feita por Clemente Pereira, sugeriu fosse o citado bacharel nomeado Juiz de Fora da Vila Real da Praia Grande, a ser criada, anexando-se, outrossim à Vila de Santa Maria de Maricá a jurisdição do dito Juiz de Fora, isto porque, rezava o parecer, ficando a Vila distante da outra "seis léguas e meia somente, segundo as estradas que all existem, de maneira que pode bem o Juiz de Fora exercitar em ambas a sua jurisdição a bem do Real Serviço e dos Povos".

Aceito e aprovado por D. João VI, o parecer do mencionado desembargador, solucionou-se a questão da posse de José Clemente Pereira, que ficou aguardando, apenas, a criação da nova Vila, para empossar-se no cargo que lhe coubera por nomeação.

Pelo Alvará Régio de 10 de maio de 1819 elevou-se, à categoria de Vila, o antigo Arraial da Praia Grande, com a seguinte organização administrativa: Um Juiz de Fora do Cível, Crime e órfãos, anexando à sua jurisdição a Vila de Santa Maria de Maricá; Três Vereadores; Um Procurador do Conselho; Dois Almotacés; Dois Tabeliões do Público, Judicial e Notas; Um Almotaçarias e Sizas, anexo ao ofício do primeiro tabelião.

No Livro de Atas dos Vereadores da Vila Real da Praia Grande consta o seguinte Termo de Vereança:

"Aos onze dias do mês de agosto de mil oitocentos e dezenove, nesta Vila Real da Praia Grande, Casa de residência do Desembargador Ouvidor Geral Corregedor da Câmara, o Dr. Joaquim José Queiroz, aí, em ato de Vereação que fazia, ele, ministro com os Vereadores e Procurador da Câmara abaixo assinado, se apresentou o Bacharel José Clemente Pereira com sua carta, assinada por sua Majestade, datada de cinco deste ano, em que o mesmo havia por bem nomeá-lo Juiz de Fora desta Vila e anexa de Santa Maria de Maricá. E, sendo lida a mesma carta neste Ato, perante as pessoas da Nobreza e Povo que se achavam presentes, mandou, ele, Ministro, com os ditos camaristas, que se registrasse, no Livro competente, e, se desse posse, ao dito Doutor Juiz de Fora, no Livro da Criação, havendo por apresentado com a mesma carta. E, para constar, mandou ele, Ministro, fazer este termo em que assinou com os ditos Camaristas e dito Juiz de Fora. E, eu, Manoel Fernandes Coelho, Escrivão da Ouvidoria, o escrevi. Queiroz Cunha Moura Faria José Clemente Pereira".

Ao primeiro Juiz de Fora da Praia Grande coube as mais ingentes tarefas, pois a Vila, então criada, necessitava de substanciosas reformas, principalmente na parte central, onde quase tudo estava por fazer e, assim, por inspiração do Juiz de Fora José Clemente Pereira, que também era o presidente da Câmara, começou o surto de progresso, pois, auxiliado pelos vereadores, conhecedores "in loco" dos problemas da Vila, alvitrava, segundo texto do plano apresentado ao Rei, a construção de ruas, praças, chafarizes, mercado, edifícios para a Câmara, cadeia, estabelecimentos comerciais, em suma, tudo de que necessitava a Vila Real da Praia Grande.

Referindo-se à administração de Clemente Pereira, na Vila, disse Araújo Porto Alegre: "Sobre as áreas daquelas praias lançou os fundamentos dessa bela cidade: as suas mãos alinharam e mediram ruas e praças", "edificou quase inteiramente a capela que outrora foi matriz... Com o produto de subscrições, em que dava o melhor exemplo com seu nome e generosidade, abasteceu de água aquele lugar; e, nos vinte meses que ali serviu, ligou o seu nome a tudo o que Niterói possui hoje de belo e bem planejado".

Por ocasião da Revolução Portuguesa de 1821, que exigiu do Rei uma "Carta Magna" e, também, quando as tropas brasileiras e portuguesas, em 26 de fevereiro do dito ano, "exigiram que o Rei jurasse a Constituição a ser feita nas Cortes Gerais de Lisboa, José Clemente recebendo a notícia, sem perda de tempo reuniu a Câmara de Maricá, onde se achava; fê-la prestar e tomar juramento e ordenou luminárias, Te-Deum e outras públicas manifestações de regozijo popular, de que ele mesmo estava, sinceramente, possuído".

Servindo ao Império

Foi eleito em 1821 presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro e, em 30 de maio desse mesmo ano, empossou-se no cargo de Juiz de Fora da Corte. Com Joaquim Gonçalves Ledo e Frei Francisco Sampaio fundou o "Reverbero"; nesse jornal exerceu o jornalismo, defendendo, ativamente, a preservação dos direitos políticos do Brasil no agitado período da nossa pré-independência.

Em 9 de janeiro de 1822, foi quem entregou, ao Príncipe D. Pedro, a representação do povo, que resultou no histórico "Fico", de que foi um dos fomentadores. De sua pena brilhante saiu a circular exigindo o juramento prévio de que seria mantida, e honradamente, defendida, a Constituição elaborada.

Como político desempenhou notórios papéis em prol da fundação do Império Brasileiro. E, no partido político a que pertencia, muito trabalhou pela consolidação do novo Império.

Todos os homens públicos têm a sua "via crucis" e essa figura, incorporada pelos seus bons serviços à nossa nacionalidade, viu-se envolvida nas malhas da intriga e, juntamente com Ledo, Nobrega e Januário da Cunha Barbosa, fol exilado pelo ministério de José Bonifácio.

Quando retornou às lides políticas foi convidado, em 1828, por D. Pedro I, para desempenhar o cargo de Intendente de Polícia e, em 15 de junho, com a demissão do chefe de gabinete, Araújo Lima, passou a desempenhar, cumulativamente, as funções de Intendente com as de Ministro do Império. Em 1826, apresentou o projeto do Código Criminal, que, posteriormente, foi refundido por Bernardo Pereira de Vasconcelos e aprovado por D. Pedro I.

Foi ativo presidente da comissão encarregada, em 1834, da elaboração do Código Comercial.

"Em 1835, diz-nos A. E. Taunay, entrou para a Assembleia Provincial do Rio de Janeiro, onde prestou relevantes serviços".

"Havendo em 1836, Bernardo de Vasconcelos organizado o partido conservador, teve em José Clemente um dos mais hábeis e fiéis coadjuvadores".

Em 8 de julho de 1838, eleito Procurador da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, com o seu dinamismo e capacidade administrativos combateu o regime deficitário da instituição e a elevou ao apogeu que desfruta ainda hoje, de uma bem organizada e benemérita entidade que abriga, e ampara, os órfãos, os enfermos e todos os desvalidos que batem em suas seculares e caridosas portas, que há mais de século, estão sempre prontas a se abrirem para espalhar o bem.

Em 10 de julho de 1840, o Vereador Antonio Rodrigues Gurgel de Castro, enviou a José Clemente Pereira o oficio que segue: "Ilmo. Exmo. Sr. - O incluso edital vai ser registrado no livro do tombo com as seguintes explicações para se conhecer o fundamento do nome das ruas.

"O decreto da criação da Vila da Praia Grande declara que o Sr. Dom João VI havia, por bem, elevá-la à categoria de Real, por Ele ter recebido o seu exército, dado beija-mão e feito Graças neste lugar, motivo porque, no plano da mesma vila, os nomes das ruas foram derivados das dignidades e nomes da Família Real; e, pelo novo plano de arruamento depois de elevada a cidade e capital da Provincial pelas leis de 26 e 28 de março de 1835, foi a derivação tirada da Imperial Família, denominação das épocas memoráveis do Império, e depois dos nomes das pessoas a quem Niterói deve o seu nome e benefícios, ou daqueles a quem é devedora toda a Província, como se demonstra em frente dos respectivos nomes".

A observação em frente ao n. 25, da rua S. José, é a seguinte:

"Dedicada ao Ilmo. e Exmo. Sr. Conselheiro José Clemente Pereira, como primeiro Juiz de Fora, criador e edificador da Vila, e pelos multos benefícios de que lhe é devedora esta cidade".

Como haverá demora no competente registo, para à vista dele a Câmara fazer comunicação, provando o seu reconhecimento: O Vereador abaixo assinado, encarregado do plano geral e indicador dos nomes das ruas e suas edificações, tem a honra de levar à presença de V. Excia. tais disposições. Deus guarde a pessoa de V. Excia. por multos anos.

Niterói, 10 de julho de 1840.
(a) O Vereador Antônio Roiz Gurgel de Castro".

No ministério de 23 de março de 1841, José Clemente Pereira foi o ministro da Guerra; em fins do ano seguinte é nomeado Senador, porque eleito na indicação respectiva pelas províncias do Pará, Rio de Janeiro e Alagoas.

Em 1850, D. Pedro II o nomeou Conselheiro de Estado e primeiro presidente do Tribunal de Comércio!

Falecimento

Faleceu José Clemente no dia 11 de março de 1854, vitimado por uma congestão cerebral.

A notícia do seu passamento foi recebida com sincera consternação e o Jornal do Comércio, de 13 de março, ao referir-se ao funeral, declarou:

"O Sr. Conselheiro de Estado José Clemente Pereira foi sepultado ontem no cemitério de São Francisco Xavier, com todas as honras devidas ao seu elevado cargo. O préstito foi o maior de que há lembrança nesta Corte. Era um préstito de gratidão".

E, assim, desapareceu essa figura de homem culto e de jurista primoroso, de hábitos simples, modesto ao extremo e possuidor de boníssimo coração que a todos cativava.

D. Engrácia Maria da Costa Ribeiro Pereira, esposa, e fiel companheira da sua vida devotada à causa pública e ao bem geral, foi agraciada, pelo Imperador D. Pedro II, com o título de Condessa da Piedade, em testemunho "do particular apreço e imperial reconhecimento aos mui relevantes serviços prestados ao Estado" pelo Senador José Clemente Pereira.

Em 1919, exatamente, um século depois da criação da Vila Real da Praia Grande, inaugurou-se, como preito de gratidão ao 1º Juiz de Fora, na Praça Floriano, no jardim que circunda o edifício sede da Prefeitura Municipal de Niterói, uma herma José Clemente Pereira da autoria do escultor A. Pitanga. A antiga Rua S. José tem, hoje, seu nome.

Feijó Bittencourt, referindo-se à notável e marcante personalidade desse jurista, disse (in "Os Fundadores" - I. Hist. e Geográfico Brasileiro - Rio 1938):

"José Clemente é uma figura destacada na história política do Brasil pelo fato de ter seguidamente prestado ao país hospitaleiro os mais notáveis serviços sem, entretanto, ter alcançado, em ocasião nenhuma, ascendência política incontestável ou prestígio que lhe conferisse bastão de chefe, o que de fato não procurou ser. Jamais lançou uma ideia; deu porém molde a todas. Por ocasião da Independência serviu a D. Pedro; durante o primeiro reinado, serviu ao Imperador quase até a última hora. A D. Pedro II prestou serviços durante a proclamação da maioridade e também logo depois na maioridade proclamada, para que os partidos não aniquilassem de vez a ascendência do Paço sobre a política. Se para isso concorreu Aureliano, José Clemente então o acompanhou.

Concorreu sempre com a ciência em que era perito; trabalhou na feitura das leis; serviu com a moderação de que era dotado por temperamento e isso então quando teve de orientar grandes movimentos políticos. Nunca a sua figura esteve apagada. Era uma consciência nobre, ilustrada, sempre acima da mediocridade. Não houve ocasião em que não se conservasse modesto e comedido como quem se considerava um adivinho no meio em que se distinguiu tanto.

A gratidão é que o prendia à Pátria adotiva; Esse sentimento é que o fazia talvez ser muito devotado a ela, não deixando então um só instante de viver dos grandes sentimentos nobres, fortes para prenderem-no ao meio que tão bem o acolheu. Também o título de brasileiro ninguém mais do que ele o mereceu, razão por que a primeira Constituição que tivemos considerou como pertencentes à nação todos aqueles que, nascidos em Portugal, estavam no Brasil por ocasião da Independência".

Publicado na Revista Guanabara Fluminense em Fevereiro de 1956

Pesquisa e Edição Alexandre Porto


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Publicado em 19/12/2021

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