Por Alexandre Gedds, em 10 de maio de 1904

A verdadeira origem desta palavra é de "hí", água, e "nitheró", escondido, sendo portanto erro escrever doutra forma que não seja Nitherôhi, se é que devemos respeitar a origem de qualquer palavra. Outros, porém, aventam a ideia de ser "hí", água, e "nitheró", mansa, que diz claramente ser "água mansa" a tradução da palavra Nitherôhi.

Entendem, porém, os atuais gramáticos e reformadores, que tantas novidades nos apresentam, que devemos escrevê-la de qualquer forma como por exemplo "Niterói" que denota ou ignorância do indivíduo ou pretensão a caricato reformador.

Sabem todos que esta capital é a antiga Villa da Praia-Grande que é a perto de 70 anos a capital do Estado do Rio de Janeiro, não obstante tê-la perdido em diversos, mas pequenos períodos.

Habitou-a primeiramente a tribo dos "Carihis" depois de tomarem a ilha fortificada de Villegaignon. Nitherohi era formada de praias arenosas e possuía apenas algumas casas e uma pequenina capela de N. S. da Conceição, fundada em 1671 só começando o seu progresso depois de 1816, época em que o príncipe Regente veio passar revista a divisão portuguesa que partia para Montevidéu.

Era a povoação da Praia Grande já considerável quando em 10 de Maio de 1819, um alvará conferiu-lhe o título de vila, assinando-lhe por patrimônio alguns centos de braças dos areais já desaparecidos com mais algumas terras que nesse tempo estavam devolutas e sem dono, e dando-lhes por distritos os termos das freguesias de Icaraí, São Lourenço, São Gonçalo e Itaipu. Foi o plano da vila desenhado por José Clemente Pereira, seu primeiro Juiz de Fora. As largas ruas que se traçaram naquelas estéreis planícies povoaram-se rapidamente de casas, cercas, e até hortas e pomares.

José Clemente, seu meritíssimo administrador, fez construir várias fontes, sendo uma na raiz do monte de São Lourenço, reedificada depois em 1836; Casa para a Câmara; e começou perto desta uma igreja terminada depois pelos moradores, que lhe deram o nome de Matriz de Icaraí. Ao oriente desta, vemos num alto, a igreja da Conceição, no fim da rua deste nome.

Em virtude da lei da reforma de constituição de 9 de agosto de 1834, foi a vila da Praia Grande escolhida para assento da Assembleia Legislativa em sua primeira sessão, e por lei de 6 de Março de 1835, veio ela ser a capital da então província do Rio de Janeiro, recebendo depois, em 2 de Abril do ano seguinte o título de cidade de Nitherôhi nome dado pelos índios à nossa elegante baía de Guanabara.

Uma lei de 13 de Dezembro de 1836 criou uma escola de arquitetura e de agrimensão, e outra de artes e ofícios, concedida por lei de 20 do mesmo mês e ano.

Um recenseamento feito em 1833 acusava que a população compunha-se de 7.500 habitantes livres e 22.000 escravos, espalhados por São Lourenço, São Gonçalo, Itaipu e povoações de Jurujuba, Tocains, Penitiba (Pendotiba hoje) e São Domingos, que pertencem à cidade como também Armação, Sant'Anna, Maruhy, Santa Rosa, etc., todas com formosas igrejinhas. A população atual (1904) regula uns 30 mil habitantes. O terreno nitherôhiense é fertilíssimo, sendo, porém, pouco cultivado.

Graças ao ilustre e benemérito Francisco Portella, quando administrador do Estado, logo depois de proclamada a República, possui Nitherôhi excelentes edifícios públicos e particulares, um excelente abastecimento d'água, gás e muitos outros melhoramentos introduzidos pelo distinto e venerando ex-presidente, deposto por baixos politiqueiros, quando o querido patriota iniciava a construção de uma grande, higiênica e proveitosa rede de esgotos.

Em 1894, sendo governador do Estado o dr. Thomaz da Porciúncula, perdeu Nitherôhi os foros de capital que ficou sendo Petrópolis. No fim de 8 anos, porém, ficou sendo novamente Nitherôhi a sede do governo estadual, e portanto, capital do Estado do Rio de Janeiro.

Tem Nitherôhi adiantada indústria e superior comércio e companhia de bondes, cujos nomes o ex. sr. Prefeito mencionará na grande obra que pretende levar a efeito que é a historia completa de Nitherôhi, entregue à boa hora à sua criteriosa administração e a de um conselho, para cujo ilustre presidente dirijo a apelação, de render homenagem, embora tardia,ao dr. Francisco Portella, dando o seu honrado nome a uma das ruas desta capital, pois os serviços prestados por ele a este Nitherôhi fazem lhe jus a uma estátua, pois outros por menos querem estátuas por considerarem "Salvadores da Pátria".

(1) Optei por manter as grafias originais quando o autor se referia aos possíveis nomes de Niterói.




Por Manuel Benício, em 17 de maio de 1904

Há dias li em O Fluminense um artigo assinado por Alexandre Gedds e oferecido ao dr. prefeito Paulo Alves, a afirmativa de que o vocábulo brasílico Nictheroy devia ser escrito Nitherohi e não como escreve Alfredo Azamor Niteroi e tantos outros escreveram-no e, nós, ainda escrevemos cada um a seu modo.

Não sei com que autoridade linguística o sr. Gedds pode falar de palanque, quando os mestres da língua brasílica destoam de sua ortografia (com exceção de Martius no Glosario linguarum braziliensium) e muitos da própria etimologia que Gedds dá ao mesmo vocábulo.

Não é com artigos de filologia fantasiada e sem crédito entre os grandes conhecedores da matéria que se faz escola, nem tão pouco se desmorona o que séculos de estudos e investigações doutrinam.

Se o sr. Gedds não desconhecesse os inúmeros trabalhos que já se tem escrito sobre o vocábulo Nictheroy, não se daria à pretensão de assegurar que o mesmo vocábulo só não é escrito erradamente quando lê-se - Nitherohi. Quem o escreveu assim, primeiramente foi Martius e seus imitadores não fizeram escola.

(Vejamos) Baptista Caetano, o mais versado brasileiro no ramo de estudo em prol da linguística e literatura americanas, no seu tratado sobre "Ortografia e significação da palavra brasílica". Nictheroy (escreve ele), deu a última demão sobre a ortografia que conviria dar-se-lhe e a sua verdadeira etimologia.

Vejamos:

- NITHEROHY. Os nossos escritores concordam que o nome primitivo desta baía (do Rio de Janeiro) era Nitherohy; Lery que esteve aqui algum tempo em companhia de Villegaignon diz que os aborígenes lhe chamavam Guanabara. O certo é que o primeiro quadra-lhe bem, significando água escondida - hy, água, nitheró, oculta. (Vid. AYRES DE CASAL Chorographia brasilica, tomo II (1817), pp. 12. )

- NHYTERÓY. Martim Affonso de Souza descobriu a enseada a que os tamoyos chamaram Nhyteróy (cuja expressão no idioma português significa 'Mar Morto') toda circulada de horríveis penhascos, mas conhecida em diante com o nome de 'Rio de Janeiro'. (Vid. PIZARRO, FRANSISCO. - Memorias Hist. do Rio de Janeiros, tomo I (1820), pp. 7.)

- NICTEROY. Esta palavra é brasílica, e composta de duas, a saber: Nictero (que significa escondida), hy (que significa água). Mas a pronúncia da segunda (hy) era muito dificultosa por muito gutural. (Vid cônego Januário da Cunha Barbosa - "Nicteroy: (Metamorphose do Rio de Janeiro, (1822) pp. 27.)

- Nicteroy. Que na língua dos indígenas tamoyos, que habitaram no país, significa Mar Morto. (Vid. J. da Silva Lisboa, visconde de Cayrú) citando Francisco Pizarro - "Historia dos Principais Sucessos Políticos do Brazil (part. I (1826) pp. 78.)

- NICTHEROY OU RIO DE JANEIRO. Grande e magnífica baía da América Meridional. Os índios da nação, tamoyos chamavam a esta baía de Nitherôhi - de 'hi', água, e 'nitheró', escondida. (Vid. Willilt de Saint Adolphe Dicc. geog. hist. e descritivo do Brasil - Tomo II (1845) pp. 154).

- NICTHEROY. Em nossa opinião não quer dizer (água escondida) mas sim água fria: Niteró (frio) y (água). Vid. Vernhagem. Hist. Geral do Brasil tomo IT (1857) pp. 846 em nota (2).

NITHEROHI, NITHEROHY. (Bahia do Rio de Janeiro, Villa, olim, Praia Grande). Explicatur vulgo: nithero escondido, hy água. Rectius nítio-exombyg-hy, não acaba a água. (Água escondida é o Rio Inhomerim, a verbo inhomine: V. onhemine, escondido.)

Até agora, dos autores citados, somente este é da opinião de Gedds. O sábio em questão é Martius de que já falamos e ainda assim não assevera se a sílaba final de Nitherohi seja escrita com 'hi' ou 'hy'.

Gedds diz que é com 'hi': algures viu ele isto? Onde?

Não em Simão de Vasconcellos "Chronica da Companhia de Jesus" - que escreveu Nhiteró, tão pouco em Durão e Brito Freire que escreveram Nitheroy; menos em Frei Gaspar da Madre de Deus, Macedo, Abreu Lins e José Norberto que dizem Nitheroy; pior em Frei Francisco de S. Carlos, que escreveu Nutheroy; Magalhães e Frei Diniz fazem Nitheroy; Duarte Nunes, Niteroy; e finalmente Hans Staden - Iterone, que talvez seja o mais exato, segundo Augusto Fausto de Souza.

Hans Staden foi prisioneiro dos tamoyos nos primeiros tempos da conquista e escreveu 'Iterrone' e 'Iterocne', que pronunciado à alemã concorda com a explicação de Ayres do Casal que já vimos.

Atenda agora o sr. Gedds a opinião do erudito Baptista Caetano sobre as diversas interpretações citadas. A interpretação dada por Martius (a que o sr. Gedds tende a adotar) é inteiramente inadmissível, e no mesmo caso está a do visconde do Porto Seguro, em ambos os casos inventaram dicções que não tem os significados indicados.

A de Pizarro repetida pelo Visconde de Cayrú poderia passar, mas seria preciso supor grande alteração na dicção, por que morto ou morta é teo, e demais este adjetivo aglutinado com um substantivo devia perder o 'i' inicial.

Há também o adjetivo 'rui' que significa manso, pacífico, quieto e poderia também significar morto; porém 'rui' tem assento no 'i' e a intercalação de 'te' não é muito explicável. Resta a significação dada por Ayres, reproduzida pelo cônego Januário, Milliet que é a mais aceitável.

Com efeito 'teró' significa torcer-se, furtar-se, esconder se: 'i teró', "aquilo que se esconde" e 'y-iteró', "água que se esconde" dando-se naturalmente o metaplasmo do 'y-i' em 'ny', donde Nytero.

Como vê o sr. Gedds, a única ortografia que o sr. não aceita e chama-a de pedantesca e pretenciosa é a mais aceitável pelos mestres da língua. Ela é a que adota o jornalista Alfredo Azamor entre nós: 'Nytero ou-i'.

Parece concluir-se da explicação de Baptista Caetano que o 'y-i' transformado no princípio da palavra em 'ny' é que significa água. O 'hi' que o sr. Gedds e outros adotam, no fim de Nictheroy é uma acrescência ou corruptela de dicção nasalada.

Portanto, 'ny' por metaplasmo de 'y-i', água; 'teró', escondida. Nytero seria o modo mais certo de escrever o vocábulo. Pelo exposto vê se que a divisão silábica feita pelo sr. Gedds não é a mais correta.

Nem todos os indianistas adotam 'hi' significando água. Citaremos Alexandre Rodrigues Ferreira 'Glosario Brasileiro' que escreve y ou i.

Torres, escreve 'E'.
'Y ou ig' e também 'eg'; Seixas.
'Yg'. Dicionário brasileiro.
'Yg'. Gonçalves Dias.
Y' com som gutural soando 'ig': F. F. França.
'Hy': Água - Martius. (As vezes 'hi').
'Y': Moutinho.
'Ig': Maregrave.
'i': Montoyu.

Os publicitas acima citados escreveram dicionários e obras sobre a língua tupy e guarany. Deixando de citar outros como Barbosa Rodrigues, o purista da língua brasílica, dou cabo ao artigo, facultando ao sr. Gedds escrever Nictheroy a seu jeito, eu a meu molde que é o oficial e adoptado pelo governo da antiga Província do Rio e o Alfredo Azamor e Lepage, mais aproximados à verdadeira ortografia etimológica.




Por Alfredo Azamor - lcarahy, 24 de maio de 1904.

Meu caro Manuel Benício.

No Fluminense' editado a 17 do corrente, publicaste um artigo de investigação das origens da palavra Niteroy e tão bondoso foste nas citações que adicionaste o meu humilde nome aos que discordam da ortografia que um paladino das boas normas exige para a melhor das representações do nome desta linda princesa da Guanabara.

Sem ser dos mais ignorantes nem pertencer, com justiça, ao número dos caricatos reformadores como em dois grupos dividiu o indivíduo a que respondeste os que discordam da sua ortografia, vou contudo fazer um reparo necessário porque, por vários amigos tenho sido questionado sobre as tuas declarações.

Disseste em teu artigo (ou a revisão por ti) que eu escrevo Niteroy assim: Niteroi.

Não é exato.

Quando os compositores do Fluminense respeitarem o que escrevo ou já o tiverem respeitado, há de ler-se: Niteroy.

A minha ignorância é sabida, nem nunca procurei esconde-la. Tudo o que faço é esforço para diminuí-la. Por isso tenho o dever de dizer por que me decidi por essa forma gráfica. Eu não a inventei, e vou escondê-la com alguns nomes simpáticos. A ortografia da palavra Niteroy como bem sabes, pelos pecúlios literários que tens acumulado, foi bem diversa entre os primeiros exploradores e entre os sábios da presente geração.

No Almanaque publicado pelo Fluminense em 1895, citei em um artigo essa controvérsia. Valle Cabral refere que a baía de Nictheroy foi descoberta a 1º de Janeiro de 1502 pelo navegador Andrada Goncalves, encarregado por El-Rey d. Manoel, de explorar a terra de Santa Cruz, em uma frota em que vinha Américo Vespúcio. André Gonçalves a tomou por um rio, dando-lhe, por isso, o nome de Rio de Janeiro que ainda conserva. Os naturais a chamavam Guanabara. Outros a chamavam Nyterôi.

A etimologia mais aceitável da palavra Niteroy é água escondida: de 'i', água; e 'niterõ', oculta. Esta é a significação dada por Ayres do Casal.

Com efeito, diz o sábio dr. Baptista Caetano, 'terõ' significa torcer-se, furtar-se, esconder-se; 'iteroí', aquilo que se esconde; e 'y-i terõi', água que se esconde dando-se naturalmente o metaplasma de 'y-i' em 'ny', donde Niterõi.

Além disso, Hans Staden, que foi prisioneiro dos tamoyos nos primeiros tempos após o descobrimento, escreveu 'Iterroenne' e 'Iterrone' que, pronunciado à alemã concorda com a explicação dada por Ayres do Casal.

Um ilustre filólogo (Gá-mú), no mesmo Almanaque, estudando Magalhães, Joaquim Noberto, Cunha Barbosa, Santa Rita Durão, Pizarro, S. Carlos, Duarte Nunes, Simão de Vasconcellos, Hans Staden, o dr. Von Martins e os guaranys do Paraná, assinala a diversificação de tal ortografia e, sem os chamar de ignorantes, se decide pela expressão 'Niteroy'.

Vamos às citações.

Tu bem sabes o que nas redações dos jornais se chama a ortografia da casa, fato que me absolve das diversas formas, porque, em trabalhos meus, tem aparecido Niteroy. Vejamos algumas dessas tiranias literárias.

O Fluminense adoptou Nictheroy (logo, o seu redator, na opinião do indivíduo que responde, ou é muito ignorante ou tem pretensão a caricato reformador).

A Gazeta de Notícias, o Correio da Manhã, A Capital e o Jornal do Brasil têm igual ortografia; o venerando Jornal do Commercio adotou Nitheroy. Logo todos esses redatores são ignorantes ou caricatos reformadores.

Ora, eu, que sou deveras ignorante, tenho o dever de estudar a controvérsia e, sem me revoltar contra os estudiosos, adotar uma forma justificada em bom uso de doutos.

A lei nº 6 de 28 de Março de 1835, que foi a que crismou a Villa Real da Praia Grande, proclamando-a capital da província do Rio de Janeiro e elevando-a com justiça à categoria de cidade, denominou a Nictheroy.

Essa lei está na coleção impressa sob a direção de Vieira Souto (Luiz Honório), a admirável intelectualidade que era respeitada como oficial maior da Assembleia Provincial do Rio de Janeiro e como assombroso redator dos debates do Senado.

Agora, aos contemporâneos:

LUIZ PISTARINI, o adorável poeta fluminense, escreve Nictheroy.
O CORONEL EDUARDO PINHEIRO, comandante do corpo militar, escreve Nitheroy.
O Acadêmico CESIDIO GAMA escreve Nictheroy.
FIGUEIREDO PIMENTEL, o operoso escritor, escreve Nitheroy.
ANTONIO NEMESIO,o malogrado poeta, escrevia Nytheroy.
DR. HAMVULTANDO, eminente homem de letras e mimoso poeta, escreve Nictheroy.
PESSANHA POVOAS, o abundante orador e publicista, escreve Nytherohy.

Falo com autógrafos em mãos!

Quanto ao meu modo de ortografia, tenho ao meu favor estas lições: do dr. G. T. March, o pai dos pobres, distinto poliglota e minucioso investigador; do dr. Carlos Halfeld, exímio analisador, um dos cérebros iluminados desta geração; do ilustre literato Rocha Pombo, laureado professor e publicista; do professor Joaquim Leitão, ilustrado professor, luminar de pedagogia na Escola Normal de Niteroy; do dr. Antonio Joaquim de Macedo Soares, ministro do Supremo Tribunal Federal, emérito e erudito filólogo; do ilustre e saudoso Guilmar (Guilherme Martins), talentoso e ilustrado poeta; da senhorita Amélia Alves, estimada e estudiosa poetisa fluminense; do talentoso estudante A. Geddes, de quem recebi muitas obras primas de que tenho em meu poder ainda uns dois exemplares, datados de 1902.

Agora, finalmente, a minha opinião.

Muito inclinado andei eu a seguir a ortografia de 'Nitheroi' (água escondida) por ser a que foi adotada pelo ilustre viajante Milliet de Saint Adolphe em seu dicionário publicado em Paris em 1845, em português, versão do saudoso publicista dr. Caetano Lopes de Moura.

A lição de Silva Pontes (Antonio) que escrevia 'Nitheroy' chamou-me a atenção para a controvérsia. Um dia, encontrei o vocabulário do Padre Montoya, catequista, e pus-me a estudá-lo com amor. A mais curiosa de suas observações, a que mais faz meditar aos estudiosos, é a seguinte.

a) "Toda esta lengua está llena de figuras y metaforas que los muy versados en ella se ven muchas vezes atajados, por no caer facilmente en la translacion, o metafora, y assi se ha procurado todo lo possible poner el uso d'ellas. De onde saldrá no juzgar facilmente por no lengua o por no usado el vocablo que no se entiende".

A palavra 'Niteroy' não se encontra em Montoya. Nas suas advertências, ele chama a atenção para as partículas e vozes componentes. Seguindo esse processo analítico, achei no vocabulário:

1) 'Ni' - Estar de plural - Partícula afirmativa.

2) Terõ - Cosa tuerta. 'Ibirá-tero', palo tuerto. Neê-terô, voz rouca, desentonada.

3) 'I' - água, rio.

Admitindo como certa, da observação de um missionário, a beleza das metáforas da língua guarany e meditando sobre a forma da baía de Guanabara, pareceu-me justo concluir a tradução assim:

'Ni' - plural grandeza.
'Terõ' - coisa torta, curva.
'I' - água, rio, mar, baía.

O que é Niteroy? A maior baía do mundo; o mar que entra, encurva-se largamente e vai, a perder de vista, esconder-se aos pés da serra dos Órgãos. Água grande curva que se perde de vista que se esconde, eis a natural tradução da palavra 'Niteroy', sem que por isso pretendo que os votos discordantes pertençam a ignorantes ou a reformadores caricatos.

Resta um ponto da questão. Porque, admitindo que Niteroy seja a composição de 'ni-terõ-i escrevo 'y' e não com 'i'?

Os catequistas e escritores dos tempos coloniais, não sabiam como apresentar esse 'i' gutural e ora escreviam o 'y' grego, ora com o temor do ditongo opinavam por 'i' ou 'hy' como há vestígios em Itahy, Itaguahy, Itaborahy. Esse 'i' era de tão difícil representação por ser tão gutural que ora tinha o som de 'i' ora o de 'u', significando sempre um valor conhecido de plural, na palavra tuba.

Mangará-tiba; sepé-tiba; Ubá-tuba; Caraguata-tuba, etc., são provas evidentes.

Ora, contra o 'h' se revoltam todos os gramáticos modernos, negando-lhe a categoria de letra.

Como conservar, por amor etimológico, a representação do 'i' gutural?

Penso que a tal questão responde o 'y' grego com bastante autoridade.

Eis aí, meu caro Benício, a razão porque a minha ignorância, aconselhou-me a ortografia de 'Niteroy'.




Por José Mattoso Maia Forte, em "Notas para a História de Niterói" (Diario Official, 1935)

Macedo Soares (Macedo Soares), nos comentários ao Regimento das Câmaras Municipais, de Cortines Laxe, fls. 510, nota a, adota a grafia Niteroy, "corrupção de i-i-teroi, água que se esconde, como provou Batista Caetano". Cumpre acrescentar que Batista Caetano restitui a palavra Nyterói, vendo em Ny o metaplasmo de y-i; mas o metaplasmo seria ji=nhi (Pizarro escreve Nhyteroy), abrandando em ni.

Ao o seria hoje difícil, senão impossível mudar para o nasal (õ) a sua tradicional pronúncia secular com o som puro e aberto (ó). Quanto ao i final, como o y é geralmente usado (Casal, Pizarro, conêgo Januário, Cayrú, Millet Saint Adolphe, Varnhagen, Martius, etc.) e tem o mesmo som; conservamo-lo, guardando assim também certa uniformidade com a escrita de outros nomes de lugares acabados em i breve, como Uruguai, Paraguai, Igurei, Nonoai, Caceguei, Ibirocai, Itapitocai, Gualeguai e tantos outros.

O e da primeira silaba da escrita comum (nic) parece vestígio do g que se ouvia na pronúncia do i especial do abanheenga (ig-i-terói); e por isso talvez se devesse conservar. Notemos, porém, que g dessa procedência, existente ainda no tempo de Pizarro (primeiro quarto do século XX) tem inteiramente caído, já nos finais, como em Itaipuig, já no sufixo tiba como em Reritigba, Guaratigba, Mangaratigba; já sendo o i seguido de consoante como em Ipuca, Itinga; conservando-se apenas onde se lhe segue vogal, como em Iguassú, Igurey, Igara, Igarapé, Igapó. Demais o c de Nicteroy é todo mudo.


Enfim Niterói

Com a Reforma Ortográfica de 1943, todas as antigas formas de se grafar o nome de nossa cidade foram simplificadas para 'Niterói'. (a) Cito: determinou-se a composição do alfabeto português com 23 letras, permitindo o emprego das letras K, W e Y apenas em casos especiais; (b) caíram as consoantes mudas, ressalvadas as palavras que tivessem variantes com letras pronunciadas ou não; e (c) a letra H passou a ser conservada apenas no princípio das palavras cuja etimologia o justificasse, nos dígrafos ch, lh e nh, em interjeições e nos compostos com hífen.


Fontes: O Fluminense, maio de 1904; Maia Forte, J.M. (Notas para a História de Niterói - 1935).








Publicado em 15/05/2023

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