Descrição do plano urbanístico de Niterói, traçado por Arnaud Julien Pallière

Uma vez criada a Vila, em 11 de agosto de 1819, tornou-se necessário fazer um plano para urbanização da área da Praia Grande, escolhida que foi para abrigar o Passeio Público, a Casa da Câmara e Cadeia, o Rossio e o Pelourinho. Com esse objetivo foi encomendado à Câmara, a pedido de D. João VI, a elaboração de um plano para regularizar a ocupação espontânea, já ocorrida na região.

O plano apresentado pelo Juiz de Fora José Clemente Pereira foi desenhado pelo pintor francês Arnaud Julien Pallière. De influência renascentista o traçado foi apresentado numa gravura de forma artística e bem detalhado.

Este plano foi uma das primeiras medidas tomadas pela Câmara recém-instalada, concluído no dia 5 de fevereiro de 1820, quando foi enviado a D. João VI para sua aprovação.

O primeiro documento enviado ao príncipe regente foi um Plano de Edificação e o segundo tratava-se do projeto de um passeio público chamado de Passeio da Memória, cujo objetivo era eternizar o dia 13 de maio de 1816, data da cerimônia oferecida a D. João VI no antigo povoado.







Senhor

"A Camara de Villa Real da Praia Grande, contemplando a utilidade, e esplendor, que resultará se esta Villa fôr edificada sobre hum Plano regular, e decorozo: e pesando com vistas do futuro as bem fundadas esperanças de que a mesma creça em numeroza população a passos rapidos; como se deve crêr, calculando sobre o augmento progressivo que este sitio recebeo nos ultimos dez annos de sua existencia, que, não contando áquelle tempo senão trinta a quarenta cazas, hoje está enriquecido com perto de trezentas: e desejando sobre todo abrir com Solidez e grandeza os alicerces de huma Povoação, que possa corresponder em tudo ao Sublime, e Magestoso Attributo de Real, que a destingue, e caracteriza, e que venha a sêr hum dia huma das mais famozas Villas do Imperio de Vossa Magestade; prestadas aos Reaes Pez de Vossa Magestade, tem a honra de pôr na Mui Alta, e Augusta Prezença de Vossa Magestade o seguinte Plano de edificação de Villa Real da Praia Grande.

"A Planta junta offerece huma vista aproximada de estado actual da edificado de Villa, e de qual elle deverá vir a sêr se este Plano for elevado a dezempenho. Os Lugares que vão em branco denotão Ruas antigas: os que vão marcados entre pontos encarnados indicão as ruas novas. O Campo nº 1 será destinado para sobre elle se levantar hum Passeio Publico, consagrado á feliz Memoria do Faustissimo Dia 13 de Maio de 1816, que será denominado - Passeio da Memoria

No Lugar nº 2 se levantará hum Rocio que será formado por hum quadrado retangulo de 10.540 palmos, no centro delle se collocará o Pelourinho.

Sobre o ponto nº 3 se formará uma Praça, mais pequena, que o Rocio; destinada para a venda publica de ortaliças, quitanda, e peixe. E seria muito util, que na mesma se estabellecesse hum Mercado diario de galinhas, afim de soccorrer em parte aos males, que ao publico, e muito em particular á Real Ucharia, estão fazendo os atravessadores destas aves.

Entre esta Praça, e aquele Rocio, se edificará a Caza das Camaras sobre o ponto nº 3, com frente para o Rocio: por baixo della se levantará a Cadêa com frente para o Mar.

A hum lado da Caza da Camara, e Cadêa se collocará o Açougue: ao outro seria util que se criasse hum Edificio destinado para recolher farinhas, milhos, legumes, e mais effeitos desta classe destinada á venda publica, denominado por esta applicassão - Terreiro de Farinha.

Sobre o lado opposto de Rocio, que fica fronteiro a Caza da Camara, se deverá reservar terreno sufficiente para hum Templo, dedicado a São João Baptista orago da Freguezia desta Villa, e seu Padroeiro.

De fronte da Capella da Conceição, se deve aperfeiçoar o Largo nº 4, que já alli está principiado, no encontro que faz a Rua nº 10 com a nº 18.

No acabamento daquella, e Lugar nº 5, convém reservar terreno sufficiente para matadouro do gado, que deve entrar no açougue, e talho de vaca da Villa, ao qual quadra o nome de - Campo do Curral. Assim se poupará á saúde publica o consideravel damno, que sempre vem, de serem os matadouros no interior das povoações.

Pede a commodidade publica, que entre a rua nº 11, e a rua nº 16, com baze sobre a nº 10, se colloque o Chafariz, que deve apresentar ao povo a agua do Morro do Calymbá, que se está conduzindo: e hé por isso innevitavel abrir neste Lugar hum recinto Commodo, e vistozo.

Sobre a rua nº 6 se levantarão mais quatro ruas, nº 7, 8, 9 e 10, parallelas entre si o mais que possivel.

Estas sinco ruas serão cortadas por nove ruas transversaes: que todas devem ter o seu começo na rua 6, e seu acabamento na rua nº 10.

Todas as ruas contarão huma largura de 60 palmos: e ao menos de 50, aquellas que por algum obstaculo attendivel não poderem ter 60.

E como esta Villa goza em seu nome o invejado Attributo de Real, parece ser de direito, e justiça, que as suas ruas se acommodem os nomes Reaes, que expressa a Planta.

Sendo necessario prescrever alguma regularidade no projecto e forma exterior da Caza, para que huma liberdade absoluta de edificar não venha a produzir deformidades, e defeitos notaveis, que convem prevenir, e acautellar, a ninguem será permitido levantar Cazas novas, nem fazer concertos exteriores nas já existentes, sem licença da Camara, que determinará o arruamento, e o prospecto.

Este será regulado pela maneira seguinte. Nos cantos e esquinas das quatro ruas, que quadrão o Rocio, e nos dous cantos da Praça sobre o Mar, a ninguem será permittido levantar se não Cazas de Sobrado. No meio dos lados do Rocio, e em todas as outras ruas, será livre edificar Casas de Sobrado, ou terreas: sempre que aquellas tenhão 35 palmos de altura, e estas 17; sendo de 12 a altura dos portados.

Ninguem poderá edificar fóra do alinhamento das ruas: e por nenhum pretexto será livre a qualquer deixar nas mesmas angulos entrantes, ou Salientes, que dem Logar a serem nellen surprehendidos insidiozamente os que de noite passarem pelas ditas ruas.

A rua da Praia conservará o alinhamento, que já lhe foi dado, por meio de huma singela graderia de madeira fingindo bronze, entre pilares de tijolo, e cal levantada na frente das Cazas.

Nas outras ruas as Cazas serão edificadas sobre o alinhamento: e se alguma pessoa quizer formar pateo ao lado de sua Caza, ou conservar terreno com Chacara, será obrigado a aformozear a frente da rua com hum Muro da altura de 12 palmos, coberto de cal branca.

Para evitar que no centro da Villa se conserve terreno devoluto, e sem Cazas, com grave prejuizo de formozura, e commodidade da mesma Villa, todos os donos de terrenos deverão sêr obrigados por termo assignado na Camara, a edificar no termo de trez annos: e não querendo, ou não podendo, serão constrangidos a vender os seus terrenos áquellas pessoas que se obrigarem a edificar no sobredito termo, pagando aos donos dos terrenos o justo valor delles, e dos materiaes, que nelles se acharem, a aprazimento das partes, ou por meio de avaliação com assistencia da Camara, e citação dos interessados, na forma de Direito, e do Costume uzado em cazos semelhantes.

E por igualdade de razão a ninguem será permittido a favor senão metade dos fundos, que houver nos espaços de rua a rua, conseguindo-se daqui ao mesmo tempo a vantagem de que todas as Cazas fiquem patrimoneadas de quintaes.

Se na abertura das novas ruas, praças, e Largos, a necessidade da sua retidão, ou largura conviniente á commodidade dos habitantes, e ao serviço, dos que por ellas passão for encontrar alguma pequena Caza, ou plantações, será o seu valor pago pela Camara, pelo seu justo preço, na forma que já se tem praticado com alguns.

O Largo de São Domingos, deve ser aformozeado por justificados motivos: e será objecto de hum plano separado.

Os Supplicantes pretendem, e muito humildemente: "Para a Vossa Magestade que por Effeitos de Real Grandeza, e Soberana Proteção se Digne Fazer-lhes a Mercê de Approvar, e Proteger o sobredito Plano". E. R. Mce (E receberão Mercê).

O Juiz de Fora José Clemente Pereira
Pedro Henrique da Cunha
João de Moura Britto
Francisco de Faria Homem




Senhor.

"A Camara de Villa Real da Praia Grande, depois de levantar a vossa Magestade hum monumento de Lealdade, amor, e gratidão, sobre o assento puro de seus Corações fieis, dezejando levar a eterna posteridade a Saudoza Memoria do Faustissimo Dia 13 de Maio de 1816, no qual Vossa Magestade se Dignou Honrar este Sitio com a Sua Real Prezença, celebrando tão sagrado Dia sobre o Campo chamado de Dona Elena: concorrendo alli a Corte formalmente, com Tribunaes: tem a honra de pedir a Vossa Magestade licença para levantar sobre o dito Campo, chamado de Dona Elena, hum Passeio Publico, segundo o Plano junto, que será denominado - Passeio da Memoria - e muito humildemente "Para a Vossa Magestade que por Effeitos de Real Grandeza se Digne fazer-lhes a Mercê de Approvar, e Proteger huma obra, que hé toda de Vossa Magestade". E. R. Mce (E Receberão Mercê).

O Juiz de Fora José Clemente Pereira;
Pedro Henrique da Cunha;
João de Moura Britto;
Francisco de Faria Homem."

(Atas da Câmara, de 5 de fevereiro de 1820)








Publicado em 17/05/2022

Bairros - Centro Leia mais ...
Despacho de Dom João VI Leia mais ...
Carta de Lei Nº 6 de 1835 Leia mais ...
Carta de Lei Nº 2 de 1835 Leia mais ...
Pronunciamento da Mesa do Desembargador do Paço Leia mais ...
Representação do Ouvidor da Comarca Leia mais ...
Escritura de Renúncia de Terras Leia mais ...
Auto da Posse da Sesmaria em 1573 Leia mais ...
Alvará de Criação da Vila em 1819 Leia mais ...