Cap. 34 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
Quem escrever sobre o Jornalismo niteroiense, não poderá deixar de falar em José de Matos: não, por ter sido ele ou os seus jornais valores exponenciais da Imprensa praiagrandense, mas porque marcaram realmente uma época.
Mulato de feições finas, inteligente e maneiroso, José de Matos, que tinha apenas o curso primário, conseguiu driblar o que parecia ser o seu destino atávico, trocando-o por um outro que lhe deu rapidamente renome, poder e dinheiro, além da satisfação íntima, conforme confessou certa vez, de ser apontado na rua, cortejado e até mesmo invejado.
Dona Dega era dona de uma quitanda na Ponte da Pedra, no Barreto, e junto do negócio da mulher, o marido, seu Armindo, instalou uma barbearia, nela colocando o filho, José, que já sabia fazer uma barba sem ferir o rosto do freguês. Ao tempo, dois clubes de futebol disputavam a preferência do harmonioso povo do Barreto e adjacências o Byron F.C. e o Barreto A.C.
Eram certo nas manhãs de segunda-feira, reunirem-se os torcedores apaixonados desses clubes no salão de seu Armindo, para discutir o jogo da véspera e suas peripécias. José de Matos, inteligentemente, observou que nem todos os que discutiam tinham ido assistir o jogo e por isso os bate-bocas aconteciam com frequência, originando até brigas. Para evitá-las, resolveu ele fazer um jornalzinho manuscrito, relatando com fidelidade a partida que, então por dever de ofício, passou a assistir religiosamente. O jornal mural teve êxito além do esperado e tanto que para lê-lo a barbearia se enchia de gente às segundas-feiras, aumentando, é óbvio, a freguesia do salão.
Satisfeito com a iniciativa que tivera, José de Matos caprichou mais, encontrando uma tipografia que passou a imprimir o jornal já então chamado "O 5º Distrito Esportivo" (I), fazendo dois exemplares, um dos quais era afixado na barbearia. Tomando gosto pela nova profissão, José de Matos deixou o salão do pai para viver do jornalzinho que, além dos esportes, passou a publicar notícias e os acontecimentos sociais e policiais do Barreto. Ajudavam-no na feitura, distribuição e gerência do semanário, o tipógrafo Álvaro Pereira, que nunca mais largou o José de Matos, e um dos Barõezinhos, o José António de Souza Melo, que redigia o jornal de "cabo rabo".
Com o tempo, o "5º Distrito Esportivo", tipo tabloide, já não conseguia satisfazer a José de Matos e nem aos leitores, pelo que o jornalista pediu e obteve auxílio financeiro de Célio Costa e Raul Careca, pessoas ricas e influentes do lugar. E em pouco surgia o "Diário da Manhã", com uma tiragem inicial de mil exemplares e que passou a circular por toda Niterói, e com um número apreciável de assinantes e de anúncios. Com tal força apareceu o novo jornal de José de Matos que, em menos de um ano, sua tiragem aumentava para 3 mil, emparelhando com a de 'O Estado'. Corria o ano de 1930 e José de Matos enamorou-se de uma moça do Barreto, Laurinda, com quem se casou, tendo como padrinho o Presidente do Estado, Dr. Manoel Duarte. A partir do enlace, o Presidente passou a ajudar o jornal do afilhado, dando-lhe a preferência na publicação de atos governamentais.
José de Matos começou então a frequentar as rodas políticas e o Palácio do Ingá, onde era visto constantemente saindo ou entrando. E até outubro desse ano, o "Diário da Manhã" ia indo de vento em popa, quando arrebentou a Revolução que tirou o Dr. Manoel Duarte do Ingá. Mas a sorte ficou ainda com José de Matos já que 'O Estado', sem dúvida o maior jornal do Estado do Rio, fora empastelado, ficando assim o campo livre para o jornal de José de Matos.
"O Fluminense" era então um diário pouco noticioso, mais dedicado às donas de casa do que ao leitor comum. José de Matos não perdeu tempo; "meteu os peitos" e transformou o seu jornal, modernizando-o com reportagens e amplo noticiário do interior, para onde despachou vários auxiliares. E não faltaram clichês de primeira página com notícias sensacionais, furos de reportagens e abundante matéria paga. O "Diário da Manhã" estava em todas, vencia e convencia.
Um dia, José de Matos exultou de contentamento: fora nomeado para a Interventoria Federal no Estado, um filho da terra. No dia da posse do Comandante Ary Parreiras, lá estava o jornalista vestindo a sua melhor roupa, todo sorrisos para com os prováveis secretários do Interventor. Apenas uma coisa aconteceu que José de Matos não esperava. O Comandante Ary Parreiras, conquanto gostasse dele e de seu Jornal, não lhe abriu as burras do Tesouro. Mas como uma satisfação ao plumitivo fez-se assinante do "Diário da Manhã". José de Matos, cabra inteligente e sarado, não estrilou e nem achou ruim, antes sorriu amarelo, mas sorriu quando o Comandante-Interventor pediu a proposta para assinar.
Veio depois a Constituinte de 1934 e com ela as duras lutas pré e pós eleitorais na Velha Província, de que se aproveitou o José de Matos para tomar partido, não abertamente, é lógico, mas nas entrelinhas de seu jornal, franqueado às duas correntes políticas que se defrontavam, desde que passassem antes pelo Caixa... E mais uma vez, o jornalista teve sorte. O candidato de sua preferência íntima foi eleito graças a um voto e a um tiro. Entre os primeiros a chegarem ao Ingá a fim de cumprimentar o Almirante Governador, lá estava o José de Matos enfatiotado de novo da cabeça aos pés, sempre sorridente e distribuindo acenos e abraços.
Pobre almirante, que, dias após ter sido empossado, começava a sentir os primeiros sintomas da terrível doença que o levaria rápido deste mundo. Doente, no Ingá, ou hospitalizado na Europa ou no Rio, o Almirante Protógenes Guimarães não pôde governar o Estado, como tanto desejara. Seu substituto, Dr. Heitor Collet, homem de bem e de princípios, pouco pode fazer. A politica avassaladora e impiedosa não poupava nem o ilustre doente, antes dominava tudo e a todos. Collet sabia que não poderia contrariar abertamente a todos quantos tinham direta ou indiretamente voto na Assembleia Legislativa. Sem a qual, como governar? Como conseguir ou prorrogar a licença do Almirante? E o jeito foi fazer ouvidos de mouco e olhos de cego. (Continua).
(I) O Barreto era então o 5º Distrito de Niterói.
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 20 de dezembro de 1973
Série Niterói em três tempos