Cap. 35 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Enquanto durou o governo Protógenes Guimarães, José de Matos não dormiu no ponto e aguentou firme o seu 'Diário da Manhã', ampliando a sua rede de assinantes e estabelecendo novos contratos de publicidade.

10 de novembro de 1937. Nesse dia centenas de pessoas foram ao Ingá para assistir a posse do novo Interventor Federal, cuja escolha recaiu em um outro Oficial de Marinha, o Comandante Ernani do Amaral Peixoto. José de Matos não faltou à cerimônia, todo sorridente e maneiroso. Mas as esperanças que alimentava acabaram num ápice, quando o novo Interventor, a exemplo de outro Interventor, seu colega de posto, disse não ao José de Matos, um não seco, sem nem mesmo ter demonstrado interesse em ser assinante do jornal.

E o 'Diário da Manhã' passou a ter vida difícil. Foi quando, mal aconselhado José de Matos enveredou por caminhos que feriam a boa ética profissional, o que lhe acarretou a censura prévia de seu jornal, como vinha acontecendo, aliás, com todos os jornais brasileiros. E assim correram os anos até que, em 1941, uma vintena de dias antes de Pearl Harbour, o secretário do 'Diário da Manhã', aproveitando-se da saída mais cedo do censor, publicou na primeira página uma deslavada mentira internacional envolvendo o Brasil e a Alemanha.

Oswaldo Aranha, então Chanceler, recebe no dia seguinte a visita do Embaixador alemão que foi protestar contra a aleivosia do 'Diário da Manhã'. Aranha entendeu-se depois, com o Ministro da Justiça e esse com o Interventor Amaral Peixoto, ficando resolvido o fechamento temporário do jornal de José de Matos, como uma satisfação à Alemanha.

Desespero

Desesperado, perseguido pelos credores, sem dinheiro nem para suas despesas pessoais, José de Matos resolveu desfazer-se de seu jornal e o vende ao Dr. Eugênio Borges, então Prefeito de São Gonçalo que, desejando fazer carreira política no Estado, um jornal lhe parecia ser então o melhor caminho. José de Matos, com o dinheiro recebido, paga a alguns credores e com o irmão funda a "Agência de Contabilidade dos Irmãos Matos", em Niterói. A 24 de outubro de 1945, José de Matos sai para as ruas, cantando, eufórico. Findava-se nesse dia, em todo, o país, o Estado Novo e com ele a Interventoria no Estado.

Depois do governo-tampão do ilustre e saudoso Desembargador Abel Magalhães, veio um outro Comandante da Marinha de Guerra, Lúcio Martins Meira e José de Matos continuou firme na Agência de Contabilidade. Um dia, a sorte voltou a sorrir ao ex-barbeiro. Assumia a Interventoria o Coronel Hugo Silva de quem José de Matos logo se fez confidente e amigo. Depois vieram as eleições e um outro Coronel do Exército, Edmundo de Macedo Soares e Silva, é eleito por todos os partidos. José de Matos não perdeu tempo e em pouco, não se sabe bem como, estava ele compartilhando, no Ingá, do prato favorito do Governador: pato com ameixas.

Outro

E num dia primaveril, Niterói viu aparecer outro jornal de José de Matos, o 'Diário do Povo'. E entre um e outro governo, com ou sem dinheiro, com ou sem prestígio, o 'Diário do Povo' foi vencendo e se firmando até que novamente mal assessorado, José de Matos, esquecido do que recomendava Nilo Peçanha ("com gente que veste saia - mulher, padre e juiz não se deve brigar") topou, ou melhor, comprou uma briga feia com um Juiz de Direito, desses que prezam acima de tudo seu bom nome e o alto valor de seu cargo, e levou a pior. Dessa feita, ao que parece a queda do barbeiro-jornalista foi completa, de vez mesmo. Acabou-se. Foi pena. Tanto o 'Diário do Povo' como o 'Diário da Manhã', malgrado algumas insinuações malévolas no campo da honra alheia e atitudes menos coerentes com os programas dos jornais, foram dois matutinos que agradaram ao povo, dada sua feição popular e até mesmo popularesca.

E, fato interessante, os dois jornais de José de Matos nunca se aproveitaram dos crimes passionais ocorridos em Niterói para fazer sensacionalismo barato, como também não deram aos esportes e especialmente ao futebol, o destaque que mereciam. E que José de Matos há muito se esquecera dos tempos do "5º Distrito Esportivo"... Quanto ao crime, dizia-se que José de Matos comungava com o ditado "o crime não compensa"...

De qualquer modo, José de Matos inscreveu seu nome no rol dos jornalistas fluminenses e os seus dois jornais entre os mais populares do Estado do Rio. O fato de ter sido barbeiro antes de se transformar em jornalista enaltece a personalidade de José de Matos, que foi dono de uma sagacidade a toda a prova.


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 21 de dezembro de 1973

Série Niterói em três tempos








Publicado em 17/05/2023

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