Cap. 36 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Era previsível o desajuste entre os dois, embora servissem a um mesmo governo. Roberto, de formação socialista, era um dos fundadores do Partido Trabalhista Brasileiro, idealizado pelo Presidente Getúlio Vargas, às vésperas das eleições marcadas para 1945, para agremiar os trabalhadores que ele desejava ver afastados do Partido Comunista.

O Partido Social Democrático, originariamente getulista como o PTB, era o partido da classe média, da pequena burguesia, do funcionalismo em geral, como a União Democrática Nacional, que nasceu como partido de oposição e oposicionista foi, de um modo geral, até desaparecer. Um experimentado político carioca dizia que o PSD e a UDN eram vinho da mesma pipa.

O Coronel Agenor Barcellos Feio, gaúcho, inteligente, arguto, trabalhador, e militar da Policia do Rio Grande do Sul, tinha um gosto especial pela política, adquirido nos Pampas e que se lhe enraizara na alma.

Logo após a deposição de Getúlio Vargas, em outubro de 1945, o PSD e o PTB marcharam juntos para a eleição de Eurico Gaspar Dutra e juntos ficaram dando cobertura ao general até o fim de seu governo. Chegou 1950 e, nas eleições presidenciais, uma grande parte do PSD ficou com o candidato do PTB que era Getúlio Vargas, enquanto a outra parte, ortodoxa, votou em Cristiano Machado, candidato do PSD.

No Estado do Rio, então, a maior força eleitoral era o PSD, que apresentou o candidato Ernani do Amaral Peixoto para a governadoria, apoiado pelo PTB. Antes do pleito houve um acordo: três secretarias para o PTB e autoridades policiais nos municípios onde o PTB obtivesse maioria de legendas. Eleitos por expressiva maioria, o Comandante Amaral Peixoto nomeou três trabalhistas: Roberto Silveira, Adelmo de Mendonça e Manoel Pacheco de Carvalho.

Este último, a rigor, não pertencia às hostes trabalhistas; o segundo, embora houvesse disputado em 1945 a deputação estadual pelo PTB, era um sanitarista, em verdade, apolítico. Do PTB, apenas Roberto Silveira, a quem coube a Secretaria do Interior e Justiça, a soi-disant pasta politica dos governos. Ao escolhê-la para si, Roberto Silveira estava certo de que seria o intérprete, quando não o aglutinador político do governo Amaral Peixoto. Ora, o Comandante (como até hoje é chamado em todo o Estado do Rio) era também modularmente político e a maior força eleitoral do Estado e como tal não estava disposto a deferir uma parcela de seu poder a quem quer que fosse.

Aliás, do acordo feito antes das eleições (1950) não constava nenhuma cláusula a respeito. Político fino, hábil, inteligente e sagaz, o Sr. Amaral Peixoto não quis ser o anteparo das humanas (e por que não políticas?) pretensões de Roberto Silveira. Antes, guardou-se para "maior de espadas" quando houvesse o atrito entre o seu jovem e impetuoso Secretário de Interior e o seu astuto Secretário de Segurança, Barcellos Feio. Este, por sua vez, desejava ser mais que o servidor nº 1, do PSD, almejava ser o "homem chave", a "eminência parda" do segundo governo do Comandante.

Logo no início de 1951, começo da administração do Comandante, principiaram a surgir queixas amargas dos petebistas, das quais o Sr. Roberto Silveira se fez arauto. Por sua vez, o Coronel Feio, de saudosa memória, que fizera de Niterói, onde residia desde 1943, a sua maior base eleitoral, também levava ao Comandante Amaral os queixumes dos pessedistas do interior, onde o PTB conseguira nomear as autoridades policiais.

Maneiroso, habilíssimo, o Coronel Feio, dos mais populares políticos que Niterói tem tido, nunca aceitou o combate que os políticos petebistas menos experientes ou mais afeitos lhe moviam, mas sempre que tinha oportunidade elogiava os oficiais e soldados do PTB. E, para mostrar à sociedade que ele era amigo dos petebistas, dizia: "Por acaso não sou amigo sincero do Presidente Vargas? Como então poderei ser contra o seu partido?" Mas, na surdina, sempre que podia, o Coronel ia trocando as autoridades policiais do PTB por outras pessedistas...

Com o tempo, Roberto Silveira, tão prematuramente roubado à vida, foi ficando também malandro e ao invés de enfrentar seu maior adversário de peito a descoberto ou às escancaras, passou a adotar o manhoso método e modo de agir do Coronel Feio. E foi assim que os dois maiores políticos do governo Amaral Peixoto chegaram ao fim do quadriênio em paz, em paz armada, mas em paz...

Para as eleições de 1954, o PTB quis dar o candidato, que seria o próprio Roberto Silveira, mas o PSD manobrando jeitosamente e a tempo, conseguiu uma vez mais que o PTB apoiasse um nome pessedista, o do Dr. Miguel Couto Filho, então Ministro da Saúde, por obra e graça do Sr. Amaral Peixoto. Quando das lutas travadas nos bastidores pessedistas entre os dois candidatos a candidatos mais em evidência, Miguel Couto Filho e Paulo Fernandes, o velho e matreiro Coronel Feio, amigo pessoal de Paulo Fernandes, pressentindo que o candidato do Sr. Amaral Peixoto seria o Ministro da Saúde, para este se voltou politicamente, numa guinada de 180 graus. Eleito, o Sr. Miguel Couto Filho, logo que se apresentou uma oportunidade alijou o Coronel Feio, primeiro passo para depois romper com o chefe do partido que o elegera.

Roberto Silveira, vice-governador surgiu então com força total como candidato à governadoria, apoiado que passou a ser pelo Dr. Miguel que, por sua vez, nas eleições de 1960, com apoio do PTB, candidatou-se ao Senado.

Mas dirá o leitor: que tem Niterói a ver com tudo isso? Não é demais conhecer esses detalhes das lutas entre o PSD e o PTB, já que delas restam fortes resquícios dentro da ARENA e do MDB, resquícios que surgem à tona nas reuniões dos diretórios do interior, onde alguns de seus membros ainda agem e pensam como petebistas, pessedistas e udenistas. Além do mais, o Coronel Feio e Roberto Silveira lograram nomear ou eleger alguns prefeitos de Niterói, como o falecido e estimado Dr. Moura e Silva, o professor Lealdino Alcântara, o médico Wilson de Oliveira, entre outros. Os dois foram portanto políticos ligadíssimos à terra de Arariboia.

Roberto Silveira quando governador não se esqueceu de Niterói, antes favoreceu-a como pôde e se não tivesse morrido antes de completar o seu mandato, o interceptor oceânico seria uma obra realizada, já que era a maior preocupação do jovem líder trabalhista, higienizar a capital fluminense, como declarou ao autor destas linhas em entrevistas publicadas pelo "Shopping New" e "A Noite".

Do mesmo modo, o Barcellos Feio sempre se bateu por melhorias em vários bairros, especialmente no Barreto e Engenhoca. Um moço e um velho - Roberto Silveira e o Coronel Agenor Barcellos Feio - amaram a seu modo e procuraram servir à Praia Grande que ajudou ambos a se elegerem para a Assembleia Legislativa. Eis porque, leitor amigo, eles aqui estão.


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 23 de dezembro de 1973

Na imagem de capa, Roberto Silveira e Agenor Barcellos Feio.


Série Niterói em três tempos








Publicado em 17/05/2023

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