Cap. 40 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Dos primeiros jornais de que se tem notícia, em Niterói, 'O Eco' é o mais antigo, pois apareceu em 1829. Depois surgiram 'O Tempo', 'O Caramuru', de feição nitidamente política e que terçou armas com a 'A Aurora', de Evaristo da Veiga, e que se editava no Rio de Janeiro, como depôs Matoso Maia Forte. 'O Eco' tinha a redação e oficinas nas casas do canto da Rua Vasco (Aurelino Leal) e Rua da Praia (Visconde do Rio Branco) e a assinatura custava 640 réis. A folha era entregue à domicílio e sob o título vinha a indicação: "Na Vila Real da Praia Grande". Na Biblioteca Nacional, na Seção de Obras Raras, existe o exemplar de 14 de agosto de 1829.

Depois de um hiato mais ou menos grande, vieram à lume, entre 1835 e 1848, vários jornais, todos editados por Manuel Gaspar de Siqueira Rego que possuía tipografia própria. Entre eles 'O Fluminense', 'O Correio Oficial Niteroiense', o 'Correio da Província do Rio de Janeiro' e o 'Socialista da Província do Rio de Janeiro', todos tendo por receita principal o que lhes pagavam os cofres públicos, com a publicação dos atos oficiais.

O velho 'O Fluminense'

Matoso Maia Forte, em sua obra, "O Município de Niterói", diz que o primeiro número de jornal apareceu em 8 de maio de 1878 e que pertencia ao Major Prudêncio Luís Ferreira Travassos. Ora, em 1848, trinta anos antes pois já existia um jornal chamado 'O Fluminense' que era feito nas oficinas da Tipografia Niteroiense, do mencionado Manuel Gaspar de Siqueira Rego e que ficava no Largo Municipal, 17-A. Era bi semanário, saindo às quartas e sextas-feiras ao preço de 120 réis. No primeiro número que tem a data de 21 de setembro de 1848, 'O Fluminense' se propunha "a defender os grandes interesses gerais a todas as Províncias".

De pequeno formato, talvez 1/4 de página do atual 'O Fluminense', dividida em duas colunas e quatro páginas, o jornal desde o seu primeiro número até o do mês de dezembro de 1849, só publicou um anúncio, o da Tipografia de Manuel Gaspar de Siqueira Rego que "estando novamente estabelecido, imprimia qualquer obra, ainda a mais volumosa, por preços baratíssimos". Ao leitor atento não passará despercebido que o anunciante e o proprietário do jornal eram uma só pessoa. Infelizmente, a Biblioteca Nacional não possui mais nenhum outro exemplar do primeiro 'O Fluminense', depois do que saiu em 31 de dezembro de 1849.

O novo 'O Fluminense'

Foi a 8 de maio de 1878 que o Major Prudêncio Luís Ferreira Travassos publicou o novo 'O Fluminense' e que já, a 1º de novembro do mesmo ano, passava às mãos de Francisco Rodrigues de Miranda, a quem pertenceu até a sua morte. A partir de 19 de julho de 1892, o jornal tornou-se diário, tendo sido adquirido por Luís Henrique Xavier de Azeredo que, ao morrer, deixou o grande órgão para um neto que, por sua vez, pouco depois, o vendeu ao Deputado Jornalista Alberto Torres. Hoje, 'O Fluminense' é um jornal moderno, embora mantendo as tradições que lhe deram renome no seio da Imprensa fluminense. Em dezembro de 1971 foram inauguradas as novas e luxuosas instalações do diário, na Rua Visconde de Itaboraí, de fronte à Estação Rodoviária.

Jornal de nome pitoresco




Em 12 de dezembro de 1840, apareceu no Rio de Janeiro e na Praia Grande o 'Omnibus de Nictheroy' jornal político e literário, destinado a defender os altos interesses da Província. Semanário, custando 80 réis, o jornalzinho tinha por principio "não aspirar aos sufrágios do Governo nem da Oposição", antes, se propunha "a defender a causa pública fosse contra os governantes, fosse contra seus opositores". Na apresentação, o hebdomadário explicava que seu nome nasceu da lembrança do ônibus de Niterói que "serve a todos e a tudo, das iaiás e sinhazinhas à escrava do ganho; do sinhozinho encasacado ao vendedor de peixe". Mas será que houve mesmo em Niterói, tal ônibus?

O Sonho de Mário Alves

Mário Alves, diretor de 'O Estado' - Revista Fon-Fon, 1926
Mário Alves, experimentado jornalista carioca, tinha um velho sonho que conseguiu realizar no dia 17 de março de 1919, ao publicar o primeiro número de 'O Estado'. De feição moderna, bem noticioso, ilustrado com clichês dos maiores acontecimentos do dia, o diário de Mário Alves vingou por ter merecido o apoio do povo da Velha e Gloriosa Província. Com o tempo porém, as oficinas montadas pelo jornalista e principalmente a rotativa, envelheceram e já não serviam ao jornal como dantes. Era preciso modernizar, acompanhar a evolução da Imprensa, dar ao diário uma feição de acordo com os maiores jornais do País.

Ora, isso custava muito dinheiro, coisa que o bom Mário Alves nunca conseguiu ter. O jeito foi vender o jornal ao governo do Estado que se propunha a fazer as reformas desejadas e até ampliá-las. Para dirigir 'O Estado', o Governo escolheu um velho e conceituado jornalista, Alfredo Neves que, apesar de toda a sua experiência e prestígio não pôde realizar o intento governamental. Na época, a guerra que lavrava na Europa dificultou o fornecimento da maquinaria necessária, por parte dos americanos, encarecendo sobremaneira o orçamento feito e aprovado pelo governo estadual.

E 'O Estado' foi parar às mãos do Superintendente das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União, isto é à 'A Noite'. Foi então que assumiu a direção de 'O Estado', o vibrante jornalista José Cândido de Carvalho, em substituição do Professor Fontenele que orientara o jornal nos primeiros meses da incorporação. José Cândido de Carvalho, que é sem favor um dos melhores romancistas brasileiros, emprestou ao diário o que de melhor havia em si. Profundo conhecedor da arte de fazer jornal, José Cândido, admirável conseur, era um desambientado em política e por isso essa parte do jornal passou as mãos, primeiro, de Alvim Filho, uma das mais brilhantes inteligências desta terra e, depois, do autor destas linhas.

O 'O Estado', no quinquênio 1950/1955 foi um órgão eminentemente politico, sem prejuízo, contudo, da parte noticiosa, o que aliás era de esperar, já que faria parte da imprensa pertencente ao Governo Federal, cuja politica cumpria defender. Mas nem por isso jornal perdeu a hegemonia no seio da imprensa do Estado do Rio, pois seus exemplares eram vendidos nos quatro cantos da terra fluminense. Fechado por iniciativa do então Superintendente das Empresas Incorporadas preocupado com o pequenino déficit no orçamento, 'O Estado' teve a mesma triste sorte do querido vespertino carioca 'A Noite' que deixou de circular em dezembro de 1957.

As oficinas, clichérie, arquivo fotográfico de 'O Estado' foram felizmente adquiridos por Alberto Torres. E digo felizmente, porque na época Superintendente, desejoso de "acabar de vez com isso", pensou até em vender as antigas e valiosas coleções do jornal de Mário Alves a quilo, a preço de papel velho... Comprado com o nome, o arquivo e as coleções de 'O Estado' e conservando-os encadernados, Alberto Torres prestou à inteligência, à História e à Imprensa, um grande meritório serviço. Foi graças à essa iniciativa do brilhante jornalista doublé de deputado, que pude colher o material para escrever o dia-a-dia de Niterói, em grande parte colhido nas coleções de 'O Estado' e nas de 'O Fluminense'.

Entre 1919 e 1957, período em que circulou 'O Estado', houve sempre entre ele e 'O Fluminense' uma rivalidade sadia, alicerçada no desejo de bem servir ao povo fluminense. O jornal de Mário Alves sempre foi mais noticioso do que o 'O Fluminense' que, em compensação, tinha muito mais matéria paga, anúncios grandes e pequenos que não raro se espalhavam por quase todas as suas páginas em detrimento do noticiário. Aliás, o jornal do velho Azeredo era uma espécie de 'Jornal do Brasil' de até 1940, farto de 'Precisa-se', 'Oferece-se', 'Aluga-se', 'Vende-se'. Era um jornal dedicado mais às donas-de-casa e ao comércio que ao leitor comum, ávido de noticias sobre tudo e todos. Por isso, as coleções de 'O Estado' são um fiel repositório do que ocorreu na vida do Estado e de Niterói. (Continua).


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 28 de dezembro de 1973

Na imagem de capa, Primeira página do jornal 'O Eco', de agosto de 1829


Série Niterói em três tempos








Publicado em 17/05/2023

Bairros - Centro Leia mais ...
Despacho de Dom João VI Leia mais ...
Carta de Lei Nº 6 de 1835 Leia mais ...
Carta de Lei Nº 2 de 1835 Leia mais ...
Pronunciamento da Mesa do Desembargador do Paço Leia mais ...
Representação do Ouvidor da Comarca Leia mais ...
Escritura de Renúncia de Terras Leia mais ...
Auto da Posse da Sesmaria em 1573 Leia mais ...
Alvará de Criação da Vila em 1819 Leia mais ...