Cap. 42 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

O primeiro estudo do sistema orográfico de Niterói, informa o Professor Alberto Ribeiro Lamego (in "O Homem e a Guanabara") data de 1820, ao tempo em que os organizadores do primeiro plano urbanístico cartografaram a já então Vila Real da Praia Grande. A vila estava assentada em uma planície arenosa entre os morros de Gragoatá, Dona Helena, do Brum, do Capitão-Mor, da Pedreira e da Armação, todos compreendidos na sesmaria de Arariboia.

Além do Morro de Dona Helena, foi arrasado também o Morro do Pampulha ou João Homem. O Morro do Brum, como sabemos, chamou-se depois Morro de São João ou do Hospital, nome dado porque nele ficava o Hospital São João Baptista. O Morro do Capitão-Mor passou, em fins da centúria passada, a denominar-se Morro da Cova da Onça, por ter um caçador encontrado em suas matas um cachorro do mato, por ele tomado por uma pequena onça. O Morro da Pedreira, desapropriado pelo Governo, passou a chamar-se Morro do Estado.

Assim com tantos morros dentro de seu perímetro, a Vila Real para expandir-se teve que arrasar morros ou pelo menos cortá-los. Além das ruas do centro da vila, as contantes do famoso tabuleiro de xadrez, só havia um arremedo de arruamento em São Domingos. E os sucessores de José Clemente Pereira tiveram que derrubar, desbastar, cortar ou mesmo acabar com os morros citadinos para poderem traçar ruas, avenidas e praças. Isso aconteceu no passado e acontecerá ainda por algum tempo.

Outrora era vezo dar-se às vias públicas nomes de santos, de reis, rainhas, príncipes e princesas, além de titulares da nossa nobiliarquia. Com o tempo, porém, essa mania mudou, ou melhor, se transformou e os santos e fidalgos vão dando lugar aos médicos caritativos, aos advogados de nomeada, aos mestres artistas consagrados e às senhoras que se notabilizam por dotes do coração, afora uma ou outra data histórica.

Niterói, no passado, era uma cidade de reis, fidalgos, santos e príncipes. Como estivéssemos na Monarquia, as nossas ruas chamavam-se Rua do Imperador, da Imperatriz, da Rainha, da Princesa, etc, fossem eles D. João VI, D. Pedro I ou D. Pedro II. E se tivesse havido o Terceiro Reinado na pessoa da Princesa Isabel, já havia em Niterói uma Rua da Rainha. Prático, como se vê.

Quanto aos santos, a cidade que Arariboia fundou homenageou quase todos como se verifica pela relação seguinte: Santa Bárbara, Santa Rita, Santa Rosa, Santa Cândida, Santa Clara, Santa Maria, Santa Teresa, Nossa Senhora Auxiliadora, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora de Nazaré, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora das Graças, Nossa Senhora das Mercês, Nossa Senhora Mãe dos Homens, Nossa Senhora da Penha, Nossa Senhora do Rosário, Santo Cristo, Santa Cruz, Santo Antônio, São Expedito, Santo Inácio, Santo Onofre, São Boaventura, São Diogo, São Domingos, São Feliciano, São Francisco de Assis, São Francisco de Paula, São Francisco de Sales, São Francisco Xavier, São Januário, São João, São Jorge, São Judas Tadeu, São Lourenço, São Luís. São Manuel, São Miguel, São Patrício, São Paulo, São Pedro, São Sebastião, São Getúlio, Santa Teresa de Jesus, São Benedito, Santa Genoveva e São Vicente de Paula.

Além disso, há santos que dão nome a várias vias públicas num mesmo bairro e em arrabaldes diferentes, como:

São Sebastião é travessa no Barreto e no Ingá, além de ser rua (no centro e no morro); São Jorge é largo e travessa na Engenhoca, no centro no fim da rua 15 de novembro; São Domingos é praia, bairro, travessa e largo; Santo Antônio é travessa em Icaraí e em São Lourenço; São José é travessa no Cubango, na Engenhoca e no Barreto e rua no Fonseca e na Ponta da Areia; São Boaventura é alameda no Fonseca e rua no Baldeador; Santo Cristo é estrada, travessa e morro no Fonseca; São Lourenço é bairro, morro, ladeira, largo, rua, travessa, porto e até nome de um aterro no centro da cidade.

Para remediar, ou antes, consertar esse estado de coisas que traz grande confusão, sugiro por intermédio de 'O Fluminense' que os senhores vereadores mandem fazer um levantamento completo dos nomes das ruas niteroienses, de modo a acabar com a multiplicidade acima apontada.

É de Niterói, graças à sua situação geográfica voltada para o poente, que se tem a mais bela e perfeita vista de sua coirmã, a cidade do Rio de Janeiro, uma das mais lindas cidades do mundo. Mas Niterói é igualmente palco de formosos recantos, como a belíssima Praia de Itacoatiara e as não menos belas praias de Itaipu e Piratininga, agrestes e oceânicas, para não falar das bonitas praias da Boa Viagem, Vermelha, Flechas e Icaraí, formadas nas graciosas curvas de seu litoral guanabarino.

Além de ser bonita, Niterói é uma cidade bem traçada, com ruas retas, sem as tortuosidades que tanto afeiam outras cidades, antes possuindo retas admiráveis, como a da Alameda São Boaventura, e as avenidas Feliciano Sodré, Estácio de Sá, 7 de Setembro e outras.

O primitivo plano de arruamento da cidade deu-lhe outra característica, qual a de ser o seu centro comercial, realmente centro, isto é, ponto equidistante dos demais pontos da cidade. Um grande senão, todavia, se faz notar no trânsito urbano: a concentração excessiva de grande parte dele na Praça Arariboia e ruas próximas como Conceição, Cel. Gomes Machado, Avenida Amaral Peixoto e na Rua Visconde do Rio Branco, artéria por onde se escoa quase 90% do trânsito. Um melhor estudo do problema com distribuição mais racional dos pontos finais das linhas de ônibus, desafogará o centro, melhorando a fluidez do tráfego.

Em Niterói, a iniciativa particular precedeu à ação governamental que, sem recursos, foi realizando apenas o que podia. Os melhoramentos feitos pela Prefeitura não correspondiam aos reclamos populares e com o desenvolvimento da cidade. Depois do arranco inicial dos cinco primeiros prefeitos, Niterói, salvo em duas ou três administrações, caiu em ponto morto, à mingua de recursos para fazer face a qualquer programa mínimo de obras. E sempre deficitária a cidade foi vivendo até que, a partir de 1938, uma forte e racional compressão de despesas e um amplo fortalecimento da receita, pela melhoria do aparelho arrecadador permitiram ao Prefeito João Brandão Júnior retomar o ritmo progressista a que Niterói se habituara no passado.

E é desse período governamental a construção da imponente Avenida Amaral Peixoto, certamente a mais vultosa obra urbana feita em Niterói até agora neste século, mesmo levando-se em conta as obras executadas por Feliciano Sodré, sem dúvida o melhor prefeito que Niterói já teve.


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 02 de janeiro de 1974

Na imagem de capa, Rua da Praia esquina com 15 de Novembro em 1906. Ao fundo o outeiro do Brum ou São João Baptista com o Hospital e Maternidade. Atual campus do Valonguinho da UFF.


Série Niterói em três tempos








Publicado em 19/05/2023

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