Cap. 44 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
Praça Martim Afonso - Foi o Presidente Aureliano de Sousa Coutinho, Visconde de Sepetiba que, 29 de outubro de 1845, deu ao antigo Porto das Faluas, depois Praça do Mercado, o nome de Praça Martim Afonso (hoje Praça Arariboia) homenageando o chefe índio. De novo a praça seria alargada, como o foi de fato, em 1846, para ali se colocar o chafariz, bem defronte à Rua da Conceição. Para tal foi mister desapropriar um renque de casas de Gabriel Alves Carneiro e de sua cunhada. Dona Matildes Clementina do Amaral, cabendo aos mesmos, além de uma quantia em dinheiro, o direito de construírem novas residências nos terrenos que sobrassem do aterro feito, desde que rezava a portaria, "obedecessem a alinhamento da praça e da rua".
A propósito, não se deve esquecer que a famosa
Rua da Conceição, a mais antiga rua niteroiense, era o mais conhecido a usado caminho dos índios quando vinham de sua aldeia, em São Lourenço, em direção aos areais de Icaraí ou à Praia do Cabaceiro, em São Domingos, antigo porto de faluas e sumacas e depois das Barcas Ferry. Na primeira planta da cidade há uma referência ao
Canto do Loureiro, onde depois esteve o Café Londres, cujo prédio fora anteriormente ocupado pela Padaria Aurora, cujo nome viera da Sociedade Musical Aurora de São Domingos, que tinha sua sede no sobrado.
No Século XIX, o Canto do Loureiro era chamado Beco do Molho, segundo apurou Manuel Benício, depois de buscas que fez em velhas plantas da cidade. Da referida Padaria Aurora saiu a última pessoa que foi enforcada em Niterói, um preto escravo que matara um caixeiro da mesma padaria. Condenado à morte, foi ele executado numa forca armada na Praça do Mercado.
Mas o que marcou mesmo a antiga Praça do Mercado, desde os tempos em que era apenas o Porto das Faluas, foi a
festa dos pescadores que se realizava no dia de São Pedro e à qual comparecia sempre uma enorme massa popular. A procissão, com a imagem do santo, saía de Jurujuba e vinha ate a Praça do Mercado, onde então deixava de se marítima, para prosseguir a pé enxuto rodeando o prédio do mercado e dirigindo-se depois para uma capela improvisada, sob a invocação do Apóstolo, na Rua São Leopoldo (Aurelino Leal), após o que regressava a Jurujuba, por mar. E durante a procissão não faltavam fogos de artifício espocando no ar e nem as ladainhas rezadas por todos os acompanhantes.
Aconteceu no carnaval de 1920. A Praça Martim Afonso estava coalhada de gente, foliões que pulavam e cantavam, suando em bicas. De súbito, estala um conflito. Apitos, sirenas e um corre-corre dos diabos. E ondas contínuas de gente, umas contras as outras, aos berros, um pandemônio. E tudo por quê? Porque, soube-se depois, o
Café Londres resolvera fechar as suas portas, não por faltar bebidas ou comestíveis, mas para que seus empregados e proprietários pudessem ir se juntar ao povo que brincava. Foi um deus-nos-acuda! Gente querendo entrar no café de qualquer jeito, por debaixo das portas semicerradas, ao mesmo tempo em que dezenas de pessoas já servidas queriam sair.
Afinal, a Polícia chegou, entrou no café e saiu minutos depois levando presos um dos donos, três empregados e os fregueses mais exaltados, após exigir, em nome da lei, que as portas fossem levantadas e o café passasse a servir ao povo. E o sócio restante e dois empregados (o faxineiro e o cafeteiro) passaram a servir à freguesia atabalhoadamente, é verdade, mas... sem nada cobrar... É que o sócio e os 3 empregados presos eram os que sabiam manejar a grande vistosa e máquina registradora instalada na manhã daquele dia. O remédio foi a Polícia soltar o sócio preso de modo a evitar que os prejuízos da casa fossem maiores.
População niteroiense esperando os aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral na Praça Martim Afonso. Revista Careta, 1922.
Foi na Praça Martim Afonso que os portugueses residentes em Niterói e em São Gonçalo deram mostras de seu patriotismo naquela manhã de julho de 1922. A praça fora enfeitada com bandeirolas do Brasil e de Portugal e desde a véspera a Rua Visconde do Rio Branco, no trecho da praça, merecera também as bandeirinhas de papel de seda, além dos pavilhões do Brasil e de Portugal. Às 11 horas, a praça estava cheia de gente. Havia muita alegria e alguns grupos folclóricos portugueses cantavam e dançavam. Nisto uma lancha ancorou junto ao flutuante da Cantareira. Nela vinham
Gago Coutinho e
Sacadura Cabral, que acabavam de unir, num voo memorável, as duas pátrias, através do perigoso Atlântico. Agora vinham os dois aviadores a Niterói para receber as homenagens do povo e da colônia Lusа. Em memória desse feito, naqueles tempos tido e havido por audacioso, foi erguida a Praça Lusitana, no Canto do Rio.
Cinco anos depois, chegou a vez dos brasileiros de Niterói irem à Praça Martim Afonso darem vivas a três aviadores patrícios: Ribeiro de Barros e Newton Braga e o mecânico Cinquini, tripulantes do famoso "Jahu". O voo do avião brasileiro foi uma réplica do de Sacadura Cabral-Gago Coutinho e do mesmo modo destes, foi cheio de peripécias. Os aviadores patrícios foram recepcionados na praça por uma enorme massa popular.
Em cima do Café Santa Cruz ficava a sede do
Clube dos Caturras, onde se dançava o verdadeiro maxixe, tão cheio de requebros, de meneios, de passos complicados, como o do parafuso. Na década 1930/1940, o Clube dos Caturras tinha grande frequência, mesmo nos meses distantes do carnaval, quando então o clube regurgitava de associados e de carnavalescos.
Quase defronte ao Clube dos Caturras, nos altos do edifício da Cantareira, ficava o salão do Clube Lusitano, sociedade musical que reunia portugueses amantes da boa música. Mais tarde o clube fechou e o salão passou a abrigar bilhares, cujos aficionados com eles se entretinham até altas horas da noite.
Revolta das Barcas
Há muito que o serviço da Frota Carioca deixava a desejar. Embarcações pequenas, sem conforto trafegando sempre abarrotadas de gente sempre atrasados no chegar e no partir. Horário era coisa que não mais existia. O povo foi aturando tudo, pacientemente, como é de seu costume. Mas um dia o abuso chegou ao auge e o povo reagiu. Começara tudo de manhãzinha, no dia 22 de maio de 1959.
Com três lanchas em conserto, a Frota Carioca não estava podendo transportar a tempo e a hora, para o Rio de Janeiro, os milhares e milhares de passageiros que foram se aglomerado em filas enormíssimas, quilométricas. A gerência temendo que os impacientes depredassem os salões de espera, mandou abrir apenas dois guichês para atender aos usuários. Lá pelas 9 horas principiaram os primeiros protestos e logo surgiram os eternos agitadores insuflando o povo. E o quebra-quebra começou.
Amotinados, os passageiros que estavam do lado de fora começaram a quebrar os guichês fechados enquanto os que estavam dentro da estação, por sua vez, depredavam-na. Foi então que alguém botou fogo em um dos guichês, fogo que rapidamente se propagou ao madeirame dos painéis que separavam os guichês uns dos outros. Em pouco o fogaréu assumiu proporções assustadoras e o povo forçou os portões que davam acesso aos flutuantes, aumentando a confusão com a chegada de uma lancha do Rio de Janeiro superlotada.
E aos gritos, de: "Morram os Irmãos Carreteiros" (donos da Frota), algumas dezenas de exaltados se dirigiram para as residências dos empresários, depredando-as. Ante a gravidade do fato, forças do 3º Regimento de Infantaria passaram a guardar as imediações da Ponte, os escombros da Estação e ocupando militarmente não só o prédio sinistrado como a Praça Martim Afonso.
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 07 de janeiro de 1974
Na imagem de capa, Praça Martim Affonso de Souza, depois rebatizada Arariboia
Série Niterói em três tempos