Cap. 49 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Avenida Ernani do Amaral Peixoto

Muito se tem escrito sobre as principais ruas de Niterói e, por isso, fugindo a regra geral, vou tratar aqui apenas de algumas delas que eu tenha algo a contar.

No quarteirão entre as Ruas Coronel Gomes Machado e Conceição, na Rua Visconde do Rio Branco, havia onze prédios, todos bem velhos e merecedores de amplas reformas e até mesmo de reconstrução. Tinham eles os números 399, 401, 403, 405, 407, 409, 413, 415, 417, 421 e 425. Junto desse último, havia um pequeno largo formado pelo recuo no alinhamento dos últimos quatro prédios e pela falta de construção em uma vintena de metros na Rua da Conceição. Naqueles quatro prédios ficavam o Café Londres, o Cinema Royal, o Hotel, Café e Restaurante Paris e, finalmente no prédio maior, da esquina do largo com a Rua da Conceição, o Café Brasil.

O Café Londres era o preferido dos políticos que ali tinham encontros diários com seus "cabos eleitorais" e eleitores mais chegados; o Café Brasil era o quartel-general dos "bicheiros" e dos apostadores do famoso jogo. O Café Paris, situado no andar térreo do hotel do mesmo nome, era frequentado pelos poetas, escritores e boêmios, como Max Vasconcelos, Péricles Maciel, Lacerda Nogueira, Salomão Cruz, Homero Pinho, Joaquim Peixoto, Raul de Leoni, Quaresma Júnior, Euclides do Val, René Descartes, Franklim Coutinho, Eurípedes Ribeiro, Altino Pires e outros, além dos jornalistas Elias Cabral, Aristides Melo, Bento Barbosa, Ari Silveira, Mário Alves e um jovem teatrólogo que logo se impôs à turma por seu talento e vervo, Renato Viana.

A Leiteria e Café Fluminense, que ficava na Rua Visconde do Rio Branco, pegado ao Largo, era então a única casa que permanecia aberta a noite toda e que, por seu desasseio, tinha alcunha não menos asseada. Lá se vendia um café horroroso, requentado, servido por garçons cujos paletós brancos há muito pediam uma lavagem em regra. Logo adiante, ao dobrar a Rua da Conceição, ficavam a Leiteria Cordeiro e o Café Suíço, mais ou menos fronteiro ao Café Santa Cruz que, nos idos de 1920 a 1940 era o ponto de reunião dos desportistas niteroiense Varela.

Mas, em 1940, o então Prefeito João de Almeida Brandão Júnior desejoso de dotar a cidade com uma nova artéria que viesse desafogar o trânsito das Ruas Cel. Gomes Machado e Conceição, mandou estudar por seu diretor de obras, um projeto do engenheiro Maranhão, traçando entre aquelas ruas uma larga avenida. Para tanto seria preciso desapropriar as onze casas da Rua Visconde do Rio Branco e mais uma centena de outras nas ruas cortadas pela Avenida. Levado o plano ao Interventor Federal, Comandante Amaral Peixoto, foi aprovado em princípio, porque a Prefeitura não teria recursos suficientes para fazer face ao empreendimento. Ficou pois resolvido que se fizesse um empréstimo, coisa que o Interventor se prontificou a obter, com o aval do Estado.

Tal empréstimo seria pago em poucos anos, porque a obra em si mesma seria autofinanciável, a exemplo da avenida que o prefeito carioca, Henrique Dodsworth estava abrindo no Rio de Janeiro. A venda de terrenos da própria avenida daria para cobrir o empréstimo. Para tanto foi preciso desapropriar uma faixa maior de fundos de terrenos de casas situadas nas Ruas da Conceição e Coronel Gomes Machado e compreendidas entre as Ruas Visconde do Rio Branco e Marquês do Paraná. Após desmanches necessárias e cautelosas foi feito o empréstimo de Cr$ 20.000,00 (cruzeiros velhos) e em meio à descrença de alguns, e o combate de outros à ideia, começou em 1941 a derrubada dos prédios desapropriados.

Quatro anos depois, em 1945, era inaugurada a nova artéria que tomou o nome de Avenida Ernani do Amaral Peixoto, dado pelo Prefeito Brandão Júnior, homenageando aquele sem cujo decidido apoio a obra não teria sido executada.

A Avenida Amaral Peixoto, como é chamada pelo povo, já teve outro nome, posterior, é claro, à sua inauguração. Aconteceu no sábado de carnaval de 1950. O Dr. Rocha Werneck, então, Prefeito de Niterói, baixou um decreto, cujo artigo primeiro dizia: "Passa a denominar-se Avenida Duque de Caxias, a via pública que se estende da Praça Martim Afonso à Rua Marquês do Paraná". Trocado em miúdos, o decreto mudava o nome da Av. Amaral Peixoto para Av. Duque de Caxias e dava à Rua Marquês de Caxias, o nome de Rua Cel. Camisão.
Na época, o Coronel Macedo Soares, Governador do Estado, estava de relações políticas cortadas com o Partido Social Democrático (PSD), daí, o ato pouco hábil do Prefeito Rocha Werneck. O povo, contudo, reagiu e pela manhã de quarta-feira de cinzas, a Avenida amanheceu em toda a sua extensão com enormes pedaços de papelão, com o nome do Comandante Amaral Peixoto escrito a nanquim, no lugar das placas oficiais que o Prefeito Werneck mandara retirar na madrugada de domingo de carnaval.

Embora inaugurada oficialmente em 1945, a Avenida só teve suas obras de urbanização concluídas, três anos depois, durante a curta, mas proveitosa administração do Prefeito Comandante Celso Aprigio de Macedo Soares Guimarães.

A prova de que a Avenida era de fato autofinanciável está na receita arrecadada pela Prefeitura, em 1947, da qual consta que a venda de terrenos da mencionada artéria rendera, naquele exercício, a quantia de Cr$ 10.000.000.00 (cruzeiros velhos) isto é, a metade do empréstimo feito! Ainda em fins de 1944, portanto na administração Brandão Júnior, foi vendido um terreno por 3 mil cruzeiros velhos, no qual foi construído o Edifício Dom Bosco, que é dos mais antigos da Avenida Amaral Peixoto. Hoje, a avenida construída em 1941/1945 é uma das mais belas e modernas de todo o Brasil e justo orgulho dos niteroienses.


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 24 de janeiro de 1974

Na imagem de capa,


Série Niterói em três tempos








Publicado em 19/05/2023

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