Cap. 51 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Rua Visconde do Rio Branco

A ex-Rua da Praia homenageia José Maria da Silva Paranhos, um dos grandes do Império. Estadista e diplomata, o Visconde do Rio Branco negociou a paz com o Paraguai. Ministro de Estado várias vezes, o visconde foi o autor da Lei do Ventre Livre, precursora da Abolição. A velha Rua da Praia divide com a Rua da Conceição o título das mais antigas ruas do centro de Niterói. Uma parte apreciável de sua história e muitos de suas estórias, são contadas no item Praça Martim Afonso. O Visconde do Rio Branco foi o 12º Presidente da Província do Rio de Janeiro.

No trecho da Rua da Praia entre Marechal Deodoro e Marquês de Caxias, nos idos de 1900, onde se localizava a Estação das Barcas Ferry existiam várias casas comerciais importantes. A Confeitaria e Bar Americano, o Buffet Ferry e a Cervejaria Rio Branco que, com suas Mesas ao ar livre, exibia, na hora do chá e nas noites de sábado e domingo, um show musical-cantante. Um trio composto de piano, flauta e violoncelo e o número de canto, a cargo de uma espanhola e uma cabrocha, distraíam os fregueses com seus tangos e chorinhos. Era certa grande afluência de fregueses nas horas do show, disputando as cadeiras de vime espalhadas pela calçada.

Nesse pedaço da rua fazia o footing a fina-flor da sociedade local, com jovens senhoras e jeunes filles indo e vindo da Rua Marechal Deodoro à Marquês de Caxias. Mas, em a noite chegando, voltavam elas a penatos, sendo substituídas por rapazes e senhores, de chapéu de palha e, portanto as indefectíveis bengalas. Iam eles à cata das alegres raparigas do bas-fond niteroiense que costumavam fazer ali o seu trottoir. Em pouco, a Confeitaria e Bar Americano e o Buffet Ferry imitaram a Cervejaria Rio Branco e aquele pedaço da Rua da Praia tornou-se ainda mais frequentado, com grande lucro também para o comércio circunvizinho.

Mas, um dia transferiram para a Praça Martim Afonso a estação das barcas e aquele trecho da Rua Visconde do Rio Branco foi aos poucos perdendo o seu prestígio popular.

Dos inúmeros quiosques existentes em Niterói até 1904, quatro deles ficavam na Rua da Praia, do lado do mar, justamente no mesmo trecho da Estação das Barcas Ferry. A transformação desse pedaço no mais chic de Niterói facilitou o tenaz combate que a imprensa manteve contra os quiosques, dando ensejo a que vingasse a proibição municipal contra sua localização. Foi o magnifico Prefeito Pereira Ferraz quem seguiu o salutar exemplo do grande transformador do Rio de Janeiro, o Prefeito Pereira Passos. Pela Deliberação de dezembro de 1904, a Prefeitura Municipal proibia a renovação das licenças dos nojentos quiosques.

Houve, é natural, muita gritaria, choro e esperneio, mas Pereira Ferraz endureceu e não houve pedido político que o fizesse voltar atrás. O maior quiosque de Niterói ficava bem na Praça Martim Afonso, quase ao lado da ponte das barcas. Além de café, cachaça, doces, cerveja e bilhetes de loteria, esse quiosque também vendia o 'jogo do bicho'. Foi ele um dos últimos a desaparecer, porque a protegê-lo conseguindo prazos e mais prazos, havia ilustre deputado federal de inegável prestígio nos meios governamentais. O proprietário de um desses quiosques, a propósito da mudança do nome de seu "estabelecimento comercial", mandou imprimir uns folhetos, distribuídos ao povo, com estes pitorescos versos:

"Na Rua do Imperador
esquina da Rainha
há um quiosque que tinha
o nome de Beija-Flor.
Foi ele o libertador
da pobreza e do desmaio,
tem sido um papa e um paio
de muita gente do povo.
Por isso tem nome novo:
Kiosque Treze de Maio".


Na Rua da Praia ficava no prédio nº 161, o Cinema Frontão, que possuía a maior tela cinematográfica do País. O grande armazém fora, a princípio, adaptado para os jogos de frontão, que era, na Capital Federal, a distração mais nova e atraente. O excitante jogo basco contudo não teve grande aceitação por parte dos niteroienses, razão pela qual grande loja foi transformada em cinema. Com uma plateia cabendo 2 mil pessoas sentadas e um coreto para uma orquestra de 15 músicos, o Cinema Frontão foi inaugurado a 8 de setembro de 1920, com o filme "O Conde de Monte Cristo". Apesar de cobrar bem barato (500 réis a 2ª classe e 1$000 a primeira) e o tamanho exagerado de sua tela, o Cinema Frontão não foi avante. Em menos de 2 meses fechou.

Sete anos mais tarde, a 15 de abril de 1927, era inaugurado o Hotel e Cine-Teatro Imperial, cujo edifício, na época, era o maior da cidade. E a Rua Visconde do Rio Branco voltou a ser objeto da curiosidade popular. O cinema podia abrigar 1.500 espectadores distribuídos pela plateia, nos 24 camarotes e nas 16 frisas e balcões. Junto desses havia um amplo coreto para a orquestra. O hotel dispunha de 150 quartos e 26 apartamentos. As escadas eram de mármore e no 29º andar havia um grande terraço de onde se descortinava belo panorama.

No andar térreo estavam localizadas as lojas destinadas ao comércio fino. Na noite da inauguração (02/09/1929) o cinema ficou inteiramente lotado graças também ao filme de estreia 'sonoro e cantado', a 'mais deslumbrante conquista da arte cinematográfica', como escreveu o cronista de 'O Estado'. Mesmo assim, 'Melodias da Broadway' só se manteve em cartaz cinco dias. Os irmãos Segreto, que tinham a exploração do cinema, falando à imprensa disseram que haviam tido prejuízo com a exibição do filme, dada pequena frequência.

Na noite de 18 de julho de 1935, Niterói assistiu a um dos maiores incêndios havidos na cidade. O Café Londres, na Rua Visconde do Rio Branco esquina do Largo então existente no canto da Rua da Conceição, pegou fogo, ficando inteiramente destruído.

N. S. de Fátima

Na manhã do dia 15 de agosto de 1959, a Rua Visconde do Rio Branco apresentava um movimento fora do comum para um sábado. Lá pelas 9 horas já havia uma pequena multidão no trecho fronteiro do aterro, vis-a-vis do Hotel Imperial. E logo ao povo vieram se juntar o Governador Roberto Silveira e esposa, Secretários de Estado e autoridades municipais e religiosas, tendo à frente o Bispo D. Carlos Coelho (I), acolitado pelo Bispo Auxiliar da Diocese, D. José Newton de Almeida Batista (II). Antes das 10 horas pousava no aterro um helicóptero com a imagem de N.S. de Fátima que iria ser hóspede da cidade. E em solene procissão foi ela levada para a Catedral onde ficou exposta à adoração dos fiéis.


Notas

(I) Em 21 de agosto de 1960, pelo Papa João XXIII, Niterói foi elevada à condição de Arcebispado, para o qual S. Santidade nomeou D. Antônio de Almeida Moraes.

(II) Além de D. José Newton, Arcebispo de Brasília, são filhos também do casal Dr. Baltazar Batista Pereira e D. Carolina de Almeida Batista Pereira, o Bispo D. José Batista Pereira, o Professor Durval Batista Pereira, a Irma Maria Mercedes, da Congregação de N.S. das Mercês, o médico Dr. Moacir Batista Pereira e Rubem Batista Pereira, alto funcionário público estadual, aposentado.


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 26 de janeiro de 1974

Na imagem de capa, foto da Avenida Rio Branco tirada do Valonguinho. (Aproximadamente 1940, de Augusto Malta)


Série Niterói em três tempos








Publicado em 22/05/2023

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