Cap. 52 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Rua José Bonifácio

Fica em São Domingos que é o bairro mais antigo de Niterói depois de São Lourenço e que pode orgulhar-se de ser um símile do bairro carioca de São Cristóvão, pois, em São Domingos, D. João VI tinha o seu palacete. Por isso, o largo onde ficava a residência real passou a ser chamado de Largo do Palacete, depois Largo de São Domingos e hoje Praça Leoni Ramos, que foi um dos prefeitos de Niterói.

A Rua José Bonifácio, antiga Rua do Ingá, foi aberta com o desmonte parcial do Morro de São Domingos. Chamava-se Ingá, não só a rua, como toda a área compreendida pela Rua Tiradentes, entre as Ruas Andrade Neves e Paulo Alves, até a praia.

A Rua José Bonifácio principiava nas esquinas das Ruas Guilherme Briggs e General Osório e finalizava na confluência das Ruas Presidente Domiciano e Pedreira. Posteriormente, ela perdeu o trecho entre a Rua Andrade Neves e a mencionada confluência, que passou a se chamar Rua Professor Lara Vilela, que foi um ilustre educador.

Onde se lembra Nilo Peçanha

No número 84 da Rua José Bonifácio, funcionava, em 1914, a Assembleia Legislativa e em uma de suas salas, Nilo Peçanha tomou posse, pela segunda vez do cargo de Presidente do Estado, em conturbado período da vida nacional e estadual. Mas, vale a pena relembrar o famoso episódio em suas principais miudezas. Governava o Estado, o Dr. Oliveira Botelho, niilista que, ao se aproximar a época de sua substituição, ao invés de ouvir a palavra de chefe de seu partido, que era justamente Nilo Peçanha, ajustou com o Senador Pinheiro Machado, 'eminência parda' de todos os governos federais, a indicação do Tenente de Engenharia Militar, Feliciano de Abreu Sodré, para seu candidato.

Nilo Peçanha, que vinha de exercer a Presidência da República, ferido em seus melindres, resolveu candidatar-se. Processada a eleição, Nilo obteve a maioria dos votos, mas Feliciano Sodré, apoiado fortemente por Pinheiro Machado e Oliveira Botelho, impugnou a eleição, recorrendo à Justiça, pelo que o Estado do Rio ganhou as manchetes dos jornais do País. Estava a questão sub judice, quando, na manhã de 31 de dezembro de 1914, desembarcou em Niterói, o 3º Regimento de Infantaria, cujo comandante trazia ordem para ficar à disposição do Juiz Federal no Estado, Dr. Otávio Kelly.

Nesse meio tempo, Sodré toma posse perante a Assembleia, cuja maioria de deputados ficara com o presidente Oliveira Botelho e o faz em hora inusitada para tanto, às 6 horas da manhã. Oito horas depois, Nilo Peçanha chega à Assembleia para tomar posse do cargo fazendo-o perante o Presidente da Mesa, deputado José Guimarães, dos 3 secretários, deputados Raul Rego, Mário de Paula e Constâncio Monerat e do plenário reduzido aos deputados Francisco Guimarães e Geraldo Collet. Terminada a brevíssima solenidade, Nilo Peçanha foi para sua casa, em Icaraí, lá encontrando a Força Policial e o Corpo de Bombeiros, que haviam se rebelado contra o Presidente Oliveira Botelho.

Empossado na Presidência da República, Wesceslau Braz, mandou que o 3º R.I. acatasse somente as ordens do Juiz Federal, pelo que Oliveira Botelho e Feliciano Sodré, sem força militar para lhes garantir a vida, saíram de Niterói. Contudo o impasse continuava, embora na véspera do dia 18 de janeiro de 1915, a Câmara dos Deputados houvesse fulminado o pedido de Intervenção Federal para o Estado, pedido por Pinheiro Machado. Nilo Peçanha havia vencido moralmente em toda a linha, mas era preciso vencer também na prática. Foi quando lhe ocorreu, diz Brígido Tinoco (in "A vida de Nilo Peçanha"), "um rasgo de genialidade política, um de seus famosos golpes".

Pretextando desalento e fadiga, Nilo fez saber a quantos o rodeavam que estava saturado de tudo, que estava resolvido a licenciar-se e ir para o exterior. Célere a notícia é levada à Assembleia que, mais tarde, ao receber o pedido de licença, resolveu deferir o pedido, fazendo constar da Ata. E com isso reconheceu a Nilo a justiça de sua causa e a intangibilidade de seu mandato. Nesse mesmo dia, Nilo Peçanha foi para o Palácio do Ingá que, por determinação sua, passou a ser chamado de "Casa do Povo". Mas como da primeira, ele não terminaria o mandato e dessa feita para exercer a Pasta das Relações Exteriores, em difícil período para o País, em vésperas da guerra com a Alemanha.

O velho pardieiro da Rua José Bonifácio, de tantas recordações históricas, depois de ter sido a sede da Assembleia Legislativa, abrigou por muito tempo o Governo Episcopal que, ao sair, deixou o prédio na posse do Colégio Anchieta, seu último ocupante. Hoje, do vetusto prédio, nada mais resta. O terreno amplo e retangular, foi aprestado para campo de futebol, onde se reunia a rapaziada da zona em disputadíssimas "peladas". Depois, finalmente, em seu lugar se ergueria um edifício de apartamentos, sepultando em seus alicerces um pedaço da história do Estado e de Niterói.

A Irmã Zélia

No bairro do Ingá, nasceu a 5 de abril de 1857, em casa de sua avó materna, uma menina que na pia batismal recebeu o nome de Zélia e que era filha do Dr. João Pedreira do Couto Ferraz, irmão do Barão de Bom Retiro e de sua mulher, D. Elisa de Bulhões, nascida em Niterói. O pai de Zélia deu-lhe a melhor educação que poderia dar e por isso e pelos laços de amizade de seus pais, Zélia frequentou a melhor sociedade do Rio e de Niterói. Aos 18 anos Zélia casou-se do consórcio teve 9 filhos, três varões e seis mulheres que foram consagrados a Deus, três sacerdotes e seis freiras. Após ter enviuvado, Zélia por sua vez recebeu o véu de Irmã Sacramentina, no Convento das Adoradoras do Santíssimo Sacramento. Muitos anos depois de sua morte, seus restos mortais foram depositados em um túmulo numa sala contigua à sacristia da Matriz de N.S. de Copacabana. A Irmã Zélia, como passou a ser chamada pelos católicos, é invocada com frequência, sendo inúmeras as graças obtidas por seu intermédio.

Ao tempo em que vivia, João Batista do Espirito Santo, por alcunha "Cidadão Pingo", prestigioso "cabo eleitoral" do antigo Distrito Federal, e um apaixonado propagandista dos milagres atribuídos à Irma Zélia, iniciou-se na Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, um processo de beatificação que, ao que parece, ficou parado.


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 27 de janeiro de 1974

Na imagem de capa, Rua José Bonifácio na segunda década do século XX


Série Niterói em três tempos








Publicado em 23/05/2023

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