Cap. 55 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Edifícios Públicos - Em 1854, o Palácio da Presidência da Província ficava no Largo Municipal, esquina da Rua da Rainha; o Paço da Assembleia Legislativa Provincial, no Largo Municipal, entre as Ruas São João e São Pedro; a Secretaria de Polícia, na Rua São Pedro, 111; as Aulas Maiores de Instrução Secundária no edifício do extinto Liceu Provincial, à Rua do Imperador; o Paço Municipal, onde celebrava a Câmara e o Júri as suas sessões e as autoridades davam audiências, na Rua da Praia, 117, esquina de São João; a Cadeia Pública, no Largo da Armação; a Casa de Detenção, no fim da Rua de São João; o Quartel do Corpo Policial em frente à Praça da Vitória, no seguimento da Rua do Príncipe; o Theatro Santa Teresa, na Rua da Imperatriz e o Matadouro, em frente à Rua do Príncipe, no mangue.

E Niterói foi vingada pelo mar... - Dia 22 de novembro e Niterói festejava o seu aniversário de fundação quando surgiu a aterradora notícia: "a Armada revoltada iria bombardear a cidade. Foi um Deus nos acuda, com gente fugindo em todas as direções opostas ao mar, salvo alguns afoitos que foram justamente para beira-mar, para não perder o espetáculo. E a fugida ia em meio quando ecoou forte, um tiro, um tiro solitário, de aviso à população do que ainda haveria de vir. As horas foram passando e os mais incrédulos começavam a regressar a penates, quando se ouviram outros tiros para os lados de Gragoatá. Eram os navios de guerra atirando contra o Forte, evento que os que estavam na praia não perderam. De súbito, o impossível aconteceu. Houve gente até que esfregasse os olhos, duvidando do que estavam vendo. Seria alucinação? Um sonho? Era, contudo, um fato positivo, real. O "Javari", que começara o canhoneio sobre Niterói, era tão velho, mas tão velho mesmo, que o abalo produzido pelos tiros de seus próprios canhões, o desmantelaram e o puseram a pique. Niterói estava vingada...

Contados a dedo - Ainda no tempo da Província, o perímetro habitado de Niterói não ia muito além da foz do Rio Icaraí, num local chamado de "Venda das Mulatas" e se podia contar a dedo, sem medo de errar muito o número de pessoas que habitavam o Saco de São Francisco, a Covanca, o Barreto, Neves e a Ponta d'Areia. Os ingleses, franceses e alemães preferiam morar no fim da Praia de Icaraí e no Saco de São Francisco, para onde iam montados a cavalo ou em charretes. Aliás, a primeira charrete que Niterói viu foi a do inglês Mister Henry Gibson, cuja casa ficava onde hoje é a Estrada da Cachoeira, isto é, a estrada foi aberta no terreno do inglês Gibson. Na década 1900/1910, os herdeiros de Mister Gibson cederam à Prefeitura terreno necessário para o alargamento e retificação da estrada, espinha dorsal do hoje populoso bairro de São Francisco.

Penhores - As coisas não iam bem para os niteroienses em meados do século XIX, tanto que existiam, em 1854, quatro Casas de Penhores, sendo três na Rua Direita da Conceição e uma na Rua da Praia, 189. Nessa última, inaugurada no princípio do ano de 1854, "aceitava-se como penhor tudo quanto representasse valor", ao contrário das demais que só trabalhavam com joias e objetos de prata e ouro. Publicando esse anúncio, o Almanaque Laemmert justificava o progresso da Praia Grande e o aumento de sua população.

Jogo da Capoeira - Este jogo, diz o Professor Nina Rodrigues (in "Africanos no Brasil"), inventado e praticado pelos mestiços e escravos, foi a melhor maneira por eles encontrada para enfrentar o português de murraça forte e violentos golpes de pau. A agilidade do preto e do mestiço substituía a força. A tática consistia em negociar diante do inimigo, buscando cansá-lo e distraí-lo até que se oferecesse ocasião de derrubá-lo por uma rasteira ou cabeçada. Os mais destros capoeiras niteroienses chefiavam os grupos em que os capoeiras se dividiam; deles, os mais importantes eram os "Guiamus", localizados em São Lourenço e adjacências e os "Nagoás", em Icaraí e no Barreto. Os mais famosos entre os capoeiras de Niterói foram o Herculano, Garcia, João Carapuça, Américo Capenga, Moleque Cipriano e Ernesto, este relojoeiro de profissão. Antes do carnaval, a Polícia dava uma batida nos terrenos dos capoeiras e os levava presos até a quarta-feira de cinzas.

A Semelhança do Brasil - A baía de Guanabara, tão carioca quanto niteroiense, tem a mesma conformação triangular do Brasil. Virando-se de cabeça para baixo e torcendo-se um pouco para o lado o mapa da baía, vê-se que ela é uma miniatura do Brasil. Experimente, leitor amigo.

Beijo que marca uma época - Sob esse estranho título, 'O Estado', de 18 de agosto de 1934, noticiou que na Sessão inaugural da Constituinte, que se realizara na Capital Federal, o fogoso deputado fluminense Acúrcio Torres, não resistindo à emoção que lhe causara a magnífica oração do velho parlamentar baiano J.J. Seabra, em favor da Democracia, o beijara na face, à melhor maneira francesa. E por causa desse beijo, o deputado ganhou um banquete e uma autopromoção espetacular, pois seu significativo gesto reboou por todo o País.

Esse beijo teve um bis, doze anos depois, quando o General Eisenhower visitou o Brasil, após o final da Segunda Grande Guerra Mundial. O militar americano, Comandante em Chefe das tropas aliadas na invasão da Europa, e, portanto, comandante dos nossos "pracinhas" da FEB, foi recebido pelo Congresso Nacional, em sessão extraordinária especialmente convocada. Ao findá-la, Otávio Mangabeira que saudara o ilustre visitante em nome do Congresso, beijou-o sob os aplausos de deputados e senadores.

Os militares e o Estado do Rio - Dos 43 governantes do Estado do Rio, de 1889 a 1964, 13 foram militares, seis da Marinha e sete do Exército. Da Marinha: Almirante D. Carlos Baltazar da Silveira, Comandante Ari Parreiras, Almirante Protógenes Guimarães, Comandante Ernani do Amaral Peixoto, Comandante Lúcio Meira e outra vez, o Comandante Ernani do Amaral Peixoto. Do Exército: Tenente Feliciano Pires de Abreu Sodré, General João de Deus Mena Barreto, Coronel Pantaleão da Silva Pessoa, General Newton Cavalcanti, Coronel Hugo Silva, Coronel Edmundo de Macedo Soares e Silva e, finalmente, o hoje Marechal Paulo Francisco Torres. Sete destes militares chegaram ao Governo da Velha Província como interventores Federais; cinco eleitos diretamente pelo povo e um eleito pela Assembleia Legislativa.

Seguindo esse militarismo estadual, Niterói teve como prefeitos, seis homens de farda: na República Velha, os Tenentes de Engenharia Feliciano Sodré e Vilanova Machado, este por duas vezes; de outubro de 1930 em diante, o Capitão Júlio Limeira e Silva e o Coronel Júlio César de Noronha, todos do Exército. Da Marinha, os Comandantes Álvaro Miguelote Viana e Celso Aprigio Guimarães, o primeiro no Governo Almirante Protógenes Guimarães e o segundo, na administração do Governador Macedo Soares.


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 02 de fevereiro de 1974

Na imagem de capa,


Série Niterói em três tempos








Publicado em 23/05/2023

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