Cap. 56 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
Niterói tem progredido bastante em todos os sentidos, tendo hoje aproximadamente 400 mil habitantes. A cidade dispõe de um bom hospital, modernas "casas de saúde", regular serviço de transportes terrestres e marítimos, belos Grupos Escolares, bonitos edifícios, casas comerciais de primeira ordem, esplêndidos educandários, escolas superiores, bancos e companhias importantes jornais, rádios e acaba até de ganhar uma TV. Suas deficiências nas redes de abastecimento de água e de esgotos estão sendo sanadas com as obras que os governos do Estado e do Município vêm realizando. Por que então Niterói não tem, como no passado, um hotel de 1ª classe? Um bom cinema, como o foi o Imperial? Um bom restaurante? Será também por influência do Rio? Mas até quando?
O Futebol
Outra lacuna de Niterói é a falta de um "Maracanã". A cidade teve o seu "Caio Martins", e pronto. Aliás, por ser usufrutuário do campo do "Calo Martins" foi que o Canto do Rio FC pôde disputar, anos seguidos, o campeonato carioca de futebol, onde, de começo, não fez má figura, tendo obtido boas classificações e até mesmo conseguido sagrar-se Campeão de um Torneio Início.
Depois, as coisas mudaram. Os sócios do clube dividiram-se: uns pró e outros contra a permanência do clube no campeonato carioca e o resultado foi que o clube passou a não dar importância à contratação de novos jogadores, pelo que a "lanterna" fez finca-pé no Canto do Rio. Por isso os jogos do "Caio Martins", isto é, aqueles que o Canto do Rio tinha mando de campo, tornaram-se terrivelmente deficitários para os grandes clubes.
O conhecido desportista João Saldanha, em entrevista a 'O Fluminense', assim se referiu a essa lacuna: "Um dia, um assessor de uma das autarquias do Estado do Rio me perguntou por que em Niterói não havia um grande estádio de futebol, se outros Estados menos importantes o tinham. Dei-lhe continuou o cronista a seguinte resposta: "Só é necessário um grande estádio para grandes espetáculos. O Maracanã foi construído para a Copa do Mundo de 1950. O espetáculo não caberia nem no Vasco da Gama, nem em outro campo da época. Mas, grandes espetáculos só podem ser apresentados por grandes times e em Niterói não tem nenhum, e nunca teve mesmo, nem no tempo do amadorismo.
E a razão é simples: a vizinhança do Rio de Janeiro faz com que o ambiente futebolístico acompanhe o futebol carioca. O IBOPE fez uma pesquisa na torcida do Rio de Janeiro e deu Flamengo, Vasco, Fluminense, Botafogo e América, nesta ordem. Eu - salientou o Jornalista - fiz em Niterói idêntica pesquisa e deu a mesmíssima coisa (I), na mesma proporção do Rio. O leitor pode tirar a prova perguntando a um torcedor: Qual é o seu time? E nunca ouvirá a resposta: "Eu sou Canto do Rio ou Byron ou Niteroiense. E como os torcedores de Niterói não torcem pelos times da terra, nunca foi necessário um estádio grande, na capital fluminense". E o experimentado homem de esportes, finalizando a entrevista, acrescentou:
"Houve há poucos anos uma tentativa de trazer para Niterói um clube do Rio. O primeiro pensado foi o Fluminense, o nome ajudaria muito. A diretoria do tricolor topou a ideia, mas quando o assunto foi levado à administração esportiva e governamental do Estado, a coisa esfriou e o Fluminense acabou comprando um terreno em Jacarepaguá. Apareceu então o Botafogo e para ele seria a sopa no mel. Um bom negócio para Niterói e para o clube da estrela solitária. Mas o negócio gorou, pois os desportistas niteroienses disseram NÃO. Enquanto isso, Mato Grosso, Goiás, Sergipe e até a cidade riograndense do Sul e de Erechim têm os seus estádios".
Natação e Regatas
Por que os nossos clubes de regatas, não são mais de regatas? Nos saudosos tempos do barracão, o querido e glorioso Clube de Regatas Icaraí possuía excelentes barcos, que lhe deram muitas vitórias. E o valoroso Grupo de Regatas Gragoatá, o vovô fluminense das saudáveis pugnas marítimas? Explicaram-se que os barcos de regatas custam hoje uma pequena fortuna e que as receitas dos clubes não têm capacidade para comprar nem uma iole. Mas guardadas as devidas proporções entre 1940 e 1973, os barcos também custavam caros em 1940 e, no entanto, quer o CRI quer o Gragoatá tinham vários, alguns novinhos em folha. Acho que essa falta decorre mais dos homens que de dinheiro curto. Onde estão os Jaime Mesquita, os Álvaro Sá, os Sardinha, os Ary Parreiras, os Comandante Cristiano, os Ruch, os Carlinhos Nunes, os Campofiorito, os Honório Peçanha e tanto outros valores do CRI que dele fizeram um grande clube? E onde anda a petizada que trouxe para o clube, o honrosíssimo título de heptacampeão de natação infanto-juvenil?
Será que não existem mais rapazes da fibra dos irmãos Jorge e Arlindo Goulart, de Edwin Woight, de Pimeita Veloso e outros que tantas glórias e honra deram ao Gragoatá?
Por que os jovens de hoje trocam os saudáveis esportes do remo e da natação pelos deformantes esportes do halterofilismo e do caratê? Coisas da época?
A propósito da inauguração da sede do CRI, em 1941, se não me trai a memória, um velho consócio, presente à festa, disse-me: "Gostei muito da sede, da garagem de barcos, mas acho o salão de baile muito grande. Tenho medo que por isso, com o tempo, os nossos jovens sócios prefiram dançar a remar". Ah! se ele fosse vivo agora... Que tristeza sentiria no ver o novo CRI. Já não digo anfíbio, mas inteiramente terrestre...
Nota
(I) Em reportagem sob o título "Botecos e Biroscas do Morro do Estado", publicada em 'O Fluminense', de 29 de novembro de 1971, Inaldo Batista, contou que "uma particularidade do Morro do Estado digna de registro é que ali se encontra uma das maiores torcidas do Clube de Regatas do Flamengo, mesmo levando-se em conta os numerosos torcedores reunidos na famosa e turbulenta Praia do Pinto, no Leblon, que era vizinha da sede esportiva do "Mais Querido". Extinta a favela, é bem possível que a aglomeração maior de torcedores do "Mengo" esteja mesmo em Niterói".
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 05 de fevereiro de 1974
Na imagem de capa,
Série Niterói em três tempos