por Emmanuel de Bragança

Recebi com beneditina paciência, a nova e retardada (no bom sentido) catarse de Sr. José Inaldo, não menos infeliz que a primeira, aqui publicada a 15 de julho (2º artigo da série). Durante quase um mês o Professor Inaldo fez beicinho, esperneou e procurou esconder, no colo amigo de um travesseiro quente, a vergonha em que lhe deixou o meu chega-pra-lá de 22 de julho (3º artigo da série). Mas de repente lhe cai nas mãos um velho texto meu, como maná no deserto. E ele renasce, então, de seu estado cataléptico, como um drácula de subúrbio; recobra a energia e a fé como o Lázaro de fábula; e, ainda lambendo os beiços, vem borboletear apopleticamente: "Eu provei! Eu provei"! Explicou o sujeito, depois o verbo, mas se esqueceu do objeto direto. Isto é: ele não disse o que provou.

Fui ver, não tinha provado nada. Deu rebate falso, reclamou do tratamento que lhe dei, retribuiu até saciar-se e depois disso tudo fugiu do campo da discussão pela porta dos fundos, despudoradamente, para lhe aproveitar o advérbio. Isto sim, é cortina de fumaça. Nem sequer se desculpou das mancadas que cometeu em 15 de julho, e que lhe desmascarei no dia 22. Deixou o tempo passar, confiando no esquecimento do leitor. Mas eu, nessa altura, faço questão de refrescar-lhe a memória, mostrando aqui o que ele "provou".

1. Arariboia fundou Niterói?

No meu artigo de 8 de julho (1º artigo da série) afirmei que não. No dia 15 do mesmo mês o Sr. Inaldo concordou comigo.

2. Niterói foi fundada a 22 de novembro?

A 8 de julho sustentei que não. Uma semana depois o Professor Inaldo também concordava nesse ponto.

3. Arariboia foi o primeiro Sesmeiro?

No meu artigo de 8 de julho mostrei que não. O Professor Inaldo, no dia 15, continuou concordando.

4. Que quarto-centenário, então, estamos comemorando?

Ora, se Arariboia não fundou Niterói; se a fundação não se deu a 22 de novembro de 1573; que Quarto Centenário é esse que estamos comemorando? Aqui, surpreendentemente, o Professor Inaldo discordou e colocou no seu artigo de 15 de julho um título assim: "Niterói quatrocentão mesmo". Fundamentou-o com este argumento solidamente histórico: "Logo neste século de tantos quartos centenários brasileiros, os da banda d'além, cansados de dizer que vão à cidade, referindo-se ao Rio, têm direito ao seu quarto centenário, porque a ocupação da banda d'além também começou no quinhentos." Durma-se com um barulho desses.

5. Por que o 22 de Novembro não tem significado histórico?

No meu artigo do dia 8 de julho afirmei que nessa data em 1573, apenas se deu a posse de Arariboia, decorrente de uma concessão como outra qualquer. No dia 15 o Sr. Inaldo diria que a concessão não foi como outra qualquer, porque a nossa teve características de solenidade. No dia 22 de julho, mostrei-lhe que posse era uma coisa e concessão era outra completamente diferente. No domingo passado, ele me vem acusar de distorção de sentido. Também afirmei que o Auto de Posse apresenta duas datas: 22 de novembro, na abertura, e 22 de outubro no fechamento. Perguntei-lhe qual das duas ficava valendo, mas ele não me respondeu. Está procurando a resposta no 5º volume da "Monumenta Brasiliae" do Padre Serafim.

6. Em 1573, a Aldeia de São Lourenço continuava no Rio

mapa de Jacques de Vau de Claye, intitulado "Le Vrai Pourttraict de Genèvre et du Cap de Frie"
Afirmei isso, no meu artigo de 8 de julho, baseando-me em vários documentos. Um deles era o mapa de Luís Teixeira, posterior ao ano de 1573, onde se vê a Aldeia no seu primitivo lugar, entre os rios Comprido e Maracanã. Os melhores estudiosos da cartografia portuguesa já elogiaram esse mapa, que é reproduzido em qualquer obra séria sobre o tema. Nenhum lhes fixou a data certa, mas, sabendo-se que foi feito durante o governo de Luís de Brito e Almeida, obviamente foi pesquisado entre os anos de 1573 e 1578, período em que Luís de Brito governou.

O professor Inaldo suplantando a todos, foi mais rigoroso: afirmou, peremptoriamente, que a pesquisa é de 1573. E disse mais: estava errado, porque trocou o nome (isto é, a legenda) de dois rios, cuja posição nem por isso deixou de estar correta. Apesar de tudo, eu lhe pedi, no dia 22, um cartógrafo melhor. Ele ainda não me apresentou. Está procurando no 5º volume da “Monumenta Brasiliae”. O meu segundo argumento era um trecho do capítulo 13 da "Historia de la fundacion del Collegio del Rio de Henero y sus residencias", onde se diz que os habitantes da cidade "uns por mar, outros por terra, entraram na aldeia...". O Sr Inaldo ouviu isso caladinho. Disfarçou e veio no dia 15 de julho, reafirmar que Niterói era quatrocentão mesmo. Acontece que o capítulo seguinte da mesma História, tratando dos acontecimentos de 1574 não menciona nem de longe qualquer mudança da Aldeia. Antes que o Sr. Inaldo me diga que não conhece esse documento, dispus-me a apresentar em fac-símile as páginas 135 e 136 do Volume 19 dos anais da Biblioteca Nacional, onde ele se encontra (figura 1).

Mapa de João Teixeira Albernaz, de início do século XVII. Notem-se assinaladas a Fortaleza de Santa Cruz, as Barreiras Vermelhas e as atuais povoações de Itambi e Pacobalba, mas não a Aldeia de São Lourenço.
Insisto, porém, em ir um pouco mais longe nas "Plantas Históricas da Cidade do Rio de Janeiro - Século XVI", de Eduardo Canabrava Barreiros ou na monumental "A muito Leal e Heroica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro - Quatro Séculos de Expansão e Evolução" organizada por Gilberto Ferrez, o senhor José Inaldo poderá encontrar a reprodução do mapa de Jacques de Vau de Claye, intitulado "Le Vrai Pourttraict de Genèvre et du Cap de Frie", datado de 1578-1579, onde a Aldeia de Arariboia continuava do lado do Rio de Janeiro.

No mapa de João Teixeira Albernaz que ilustra o texto atribuído a Diogo de Campos Moreno do "Livro que dá Razão do Estado do Brasil" (1612), o professor Inaldo verá assinalados alguns acidentes, como as Barreiras Vermelhas e a Fortaleza de Santa Cruz, mas não o aldeamento de São Lourenço (figura 2). Esses mapas estão na seção de iconografia da Biblioteca Nacional. Na Mapoteca do Itamaraty existe um que não incluo no meu argumento, visto que também não assinala a aldeia carioca: É o "Atlas Manuscrito do Estado do Brasil” elaborado pelo cosmógrafo João Teixeira Albernas em 1631, onde estão assinalados, entretanto, Maruí, Guaxindiba e São Gonçalo, entre outros acidentes.

7. Em 1596, Arariboia continuava no Rio.

Já tendo mostrado que Aldeia de São Lourenço continuava no Rio de Janeiro, disse eu, a 8 de julho, que Arariboia compareceu na qualidade de seu Principal, uns festejos que ali se fizeram para receber o (ilegível) da Companhia de Jesus, Padre Cristóvão de Gouveia. Se havia duas aldeias, e se Arariboia estava em Niterói, então supõe o professor Inaldo, natural que à festa também comparecesse quem quer que chefiasse o aldeamento carioca, o que não aconteceu.

Aqui o professor se faz de desentendido e disse que precisava ler o relato desses festejos, que ele não conhecia. Estranhei sua ignorância de obra tão corriqueira como os "Tratados da Terra e Gente do Brasil", do Padre Fernão Cardim, mas revelei-lhe a fonte, com todas as indicações possíveis, inclusive páginas. Ele teve um mês para tirar as conclusões e não tirou. No artigo de domingo passado silenciou nesse ponto, na esperança de nosso esquecimento. Mas eu continuo esperando que refresque a memória.

8. A Aldeia, segundo Knivett

Também citei a 8 de julho, uma expressão de Anthony Knivett, colocando a aldeia na praia nordeste do Rio de Janeiro. No alto do meu artigo, Luís Teixeira deixara sua rosa-dos-ventos, que nada tinha a ver com a indicação de Knivett. Mas o professor achou da escalar uma de suas linhas e veio dar com os costados nas belíssimas praias do Fonseca, proclamando que ali estava o Nordeste de Knivett. No dia 22 alertei-o do perigo de tais navegações, cumprindo meu dever de escoteiro, que era praticar boa ação. Ele não quis me ouvir e insistiu, agora com panache de cartógrafo, trazendo debaixo do braço um feixe de meridianos, o que não lhe evitou o desprazer de naufragar nas mesmas praias e nadar contra a maré do rio da Alameda, como um Quixote marinho que ali aspirasse o hipotético azul de Icaraí. E ficou com raiva de mim, como o herói de Cervantes descarregava em seu pobre escudeiro.

Já expliquei uma vez, mas Inaldo se fez de desentendido. Numa época em que toda a gente dizia norte, sul, nordeste, como hoje se diz Centro, Copacabana, Olaria, Knivett, diante do Morro de São Bento, tinha a seu Nordeste a região de Jubibiracica. Esse velho hábito de orientação não obedecia a cânones cartográficos muito rígidos, tanto assim que o padre Perereca (Luiz Gonçalves dos Santos), nas suas "Memórias para servir à História do Reino do Brasil", se refere ao Morro do Castelo como estando ao sul do Rio de Janeiro. E até hoje toda a gente se refere à zona sul ou à zona norte, conforme queira dizer Botafogo, Copacabana, Ipanema - ou Ramos, Olaria, Bonsucesso e Tijuca.

9. A aldeia a uma légua do Rio

Baía do Rio de Janeiro e a Cidade de São Sebastião da obra Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos, baixos, alturas e derrotas que ha na costa do Brasil desde o cabo de Santo Agostinho até ao estreito de Fernão de Magalhães, de Luís Teixeira, cerca de 1574.
O professor Inaldo me respondeu, a 15 de julho, que a distância de uma légua tanto servia para Rio-Jubibiracica como para Rio-Niterói. Claro que sim, e o aceitei, a 22 de julho. Mas também perguntei porque tantos autores se esqueciam dos designativos lá existentes para indicar o lado oposto da Guanabara. O professor Inaldo não me respondeu. Deve estar procurando a resposta no 5º volume da "Monumenta Brasiliae". Ora, desde os tempos mais remotos, Niterói se distinguia por certos topônimos. Num mapa chamado "La France Antarctique Autrement Le Rio de Janeiro / Tirée des Voyages que Villegagnon et Jean de Leri ont Faits au Brésil Les Anées 1557 et 1558", reproduzido o Eduardo Barreiros na obra que citei, encontram-se as denominações Morgonia (Maruí), Acara-ú (Icaraí) e Keri-u (Jurujuba).

Nas primeiras cartas de sesmarias distribuídas ainda em 1565 ou em 1567 encontra-se além de Marigol, Suassunhão, Quarihi, outras como bandas d'Além, bandas do Cabo Frio, Eubirapitanga, Piratininga, Barreiras Vermelhas, Praia Grande. Não há justificativa, portanto, para a omissão. Mas, para me provar que a aldeia já estava aqui em 1585, o professor Inaldo puxou um trecho de Anchieta. Dizia o "Taumaturgo do Novo Mundo" (Olhe lá, seu Inaldo, que a expressão é de Southey) que a aldeia ficava distante "uma légua da cidade defronte do colégio".

Ora, no dia 22, eu lhe expliquei que "defronte do Colégio" estava "a cidade" e não a aldeia de São Lourenço. Vou esclarecer porque, já que ninguém é obrigado a conhecer a configuração primitiva da cidade do Rio de Janeiro. Em 1573, como por muitos anos mais, a cidade subia pelas encostas do Morro do Castelo, hoje arrasado. Lá no alto, voltadas claramente para ela (a cidade) estavam a igreja e o Colégio dos Jesuítas. Mas a especificação de Anchieta tinha outra razão de ser: ainda existiam nas proximidades da Urca, os remanescentes da primitiva cidade do Rio de Janeiro, então chamada "Vila Velha", tornando necessária distinção.

O que não estava absolutamente defronte ao Colégio, era Niterói. Por que os edifícios da Companhia de Jesus ficavam de frente para o Morro de São Bento, e não para a Baía de Guanabara. Em vários panoramas antigos do Rio de Janeiro, o senhor José Inaldo poderá comprovar esse detalhe. Num quadro de Ronmy reproduzido no "Itinerário da Independência" de Eduardo Barreiros, nota-se perfeitamente a cidade estendida diante do Colégio Jesuíta; numa planta da cidade do Rio de Janeiro datada de 1775 e enriquecida com as perspectivas de suas edificações, existente na seção de Iconografia da Biblioteca Nacional, observa-se o mesmo; assim, também, em outras reproduções estampadas na citada obra de Gilberto Ferrez ou nos três volumes do "Rio Antigo", de Dunlop.

11. O Caminho por Mar

Valendo-se do mesmo trecho de Anchieta, José Inaldo procurou distrair o leitor para o detalhe do trajeto marítimo, preferível para as comunicações entre o Rio de Janeiro e a Aldeia de São Lourenço. Tive de lhe explicar, a 23 de julho, que este caminho foi sempre o mais usado, até que se aterraram os mangues hoje cortados pela Avenida Presidente Vargas. Disse-lhe que Dom Pedro I e Dom João VI por vezes se valiam desse caminho. E o professor Inaldo me vem dizer que provou, provou. Provou o quê?

12. Explorações Jesuíticas

Não vou entrar no mérito da importância ou não do jesuíta para a colonização brasileira, porque não é esse o assunto atual de nosa questão. Também não vou discutir a sua (ilegível) alardeada pelo professor Inaldo, porque o "melhor historiador da língua portuguesa de todos os tempos", Serafim Leite (s.j.) já me deu uma noção mais exata desse problema: Umas 80 ou 90 fazendas, além de casas, igrejas, aldeias, etc. Nem mesmo vou tocar na precariedade de seus processos de ensino, porque não seria necessário, denota que toda (ilegível) ouviu falar das razões preponderantes para expurgá-los da cultura luso-brasileira, pela (ilegível) da Universidade de Coimbra (aliás compreendida por um dodecaneto de Antônio de Marins. Mas o professor Inaldo não me contestou quando afirmei que a fazenda do Saco de são Francisco se assentava parcialmente sobre terras de temiminós.

Viu a comprovação disso nos autos de medição que leu em Joaquim Norberto. Veria, mais clara ainda, uma alusão do engenheiro João Maria Portugal a esse respeito, se tivesse lido o "Memorial Descritivo" (ou último laudo de medição) da sesmaria dos índios, que aquele engenheiro submeteu ao Ministério da Agricultura do Império em dezembro de 1868, e que depois veio para o Patrimônio deste Estado, onde não sei se ainda se encontra. Ali se fala dos "abusos praticados pelos próprios padres jesuítas, a quem foi confiada a educação dos índios". Preciso ir mais longe, ou o Professor Inaldo vai continuar gaguejando por aí que provou, provou! Provou o quê?

13. A Estátua de Arariboia

Terminei meu artigo de 8 de julho dizendo tão somente que a estátua de Arariboia estava no lugar errado. No dia 15, o senhor Inaldo não só concordou comigo como, também foi mais intransigente: E escreveu: "deveria ser colocada no canal do Mangue, onde ficou mais tarde a Bica dos Marinheiros". Isso me fez contar a história da estátua no dia 22 de julho. E o que o senhor Inaldo me responde no dia 19 de agosto? Que eu dei uma de "mau-caratista" no cucaracho temiminó e me afoguei na Bica dos Marinheiros. E o meu prezado professor que inventou essa história de Bica e Canal do Mangue, onde foi que se afogou? Entretanto, já que não me contestava, o professor Inaldo se preocupava a respeito do pedestal vazio. Quem colocar ali? Sugeri-lhe no dia 22 de julho Dom João VI ou José Clemente, ou uma alegoria qualquer que homenageasse "os que primeiro desbravaram nossas terras". Não deixei a frase no ar. Citei nomes: Martim Paris, Pedro Martins Namorado, Lourenço Carrasco etc. Note o leitor meu cuidado em excluir elementos simplesmente contemplados que não vieram explorar suas terras: Jácome Pinheiro, José Adorno, Diogo da Rocha, meu dodecavô e outros mais.

E o que me responde o professor Inaldo no domingo passado? Que eu queria despejar o Morubixaba para botar ali meu pobre dodecavô. Mistificou? Não somente. Agora quis mentir também. Depois vem me falar de despudor, contradições, mau-caratismo, cortinas de fumaça, distorções de sentido, etc. A propósito: o que citei de Parreiras, foi Parreiras quem escreveu. Ele que se queixe com os parentes do pintor. O que fique de boca fechada, porque certos estômagos são mais resistentes do que certo ouvidos.

Em suma, aí estão 13 boas razões (1) para o senhor Inaldo tomar mais pesada sua carga de serviço diário: 14 horas, das quais devo deduzir os 40 minutos que leva apreciando o Rodrigues, na novela "O Bem Amado". Agora o leitor que me permita rememorar as verdades do professor Inaldo.

1. Os Temiminó de Macacu

Para me provar que Niterói é "quatrocentão mesmo", o professor Inaldo arrancou da "Memória Documentada" do falecido Norberto um requerimento em que meia dúzia de bugres pedem terras para viver em Macacu (1579), visto que já não podiam permanecer em sua Aldeia defronte da cidade. Esse "defronte" é o grande argumento do professor Inaldo. No entanto, estando a cidade no alto de um morro, qualquer ponto do plano em redor estaria defronte. Por outro lado, já mencionamos aqui o mapa de Jacques de Vau de Claye, que é justamente daquela época. E lá está a aldeia, no lado carioca. Foi mais longe o professor Inaldo, e quis nos fazer de bobos, interrompendo a situação do requerimento no ponto em que os índios explicavam sua impossibilidade de ocupar as terras que tinham: estavam cheias de brancos.

Fixou-se o professor Inaldo em motivos outros: não haveria aqui espaço para tanta gente. E essa tanta gente ele mostrou que em 1585, seis anos depois do requerimento, eram 3.000 índios. A 22 de julho, fui obrigado a desmascará-lo, com base nessas razões:

1ª) As Sesmaria dos índios compreendia quase todo o município de Niterói, não sendo absolutamente justificável que nessas terras não se pudessem alojar 3.000 índios.

2ª) Arariboia não ficaria de braços cruzados deixando que o branco cultivasse suas terras enquanto sua gente era obrigado a debandar. O professor Inaldo não tocou mais no assunto: deve estar entendendo suas exaustivas pesquisas pelos cinco volumes da "Monumenta Brasiliae". Tem outra coisa que o leitor talvez não saiba. Os requerentes se diziam Principais da Aldeia de São Lourenço, isto é, chefes ou parentes próximos de quem a chefiasse. Entre eles estava um Antônio Salema. Ora, esses nomes cristãos eram dados aos índios para homenagear personalidades. E o Dr. Antônio Salema só chegou ao Rio de Janeiro, como Governador em 1575, embora estivesse desde 70 na Bahia. Considerando essa última data, aquele índio não podia ter mais de nove anos.

2. Não usei a "Técnica Exigida"

O professor Inaldo me acusa de não usar técnica exigida, porque, no dia 8, citei autores e obras, sem citar editores ou páginas. Ora, isso não impede ninguém de conferir coisa alguma. Da próxima vez o professor faça o seguinte; anote o nome do autor, e da obra: dirija-se com eles a uma biblioteca; lá encontrará um fichário, por ordem alfabética; peça o livro indicado; na frente, ou atrás, existirá invariavelmente um índice; mais ou menos, pelo enunciado da questão, ele encontrará o assunto. Mas não é isso o que o Professor quer. Para ele, quem usa a técnica exigida é Joaquim Norberto, em quem se colhe preciosos documentos.

Vá o leitor à "Memória" de Norberto e constate: não verá ali uma só fonte citada. Encontrará, em compensação, alguns erros tipográficos, como o que tenho aqui apontado: o Auto de Posse de Arariboia aparece com duas datas: 23 de novembro e 23 de outubro. Cansei de perguntar ao professor Inaldo em qual delas ele ia quatrocentar, mas não tive resposta: ele deve estar pesquisando no 5º volume de "Monumenta Brasiliae", que, aliás, citou sem dizer o nome do autor, o padre Serafim Leite; parece que ficou com vergonha. O seu artigo do dia 15, por outro lado, estava cheio de técnicas: "podemos supor", "deve ter sido", "há todos os indícios", e coisas assim.

Mas no domingo passado ele me acusa de tapear, confundir, fazer barulho, distrair, distorcer, fazer afirmações fúteis, tumultuar, não provar nada, confundir, distorcer (e aqui começa a repetir, por falta de imaginação). E de repente me lança na cara os cinco volumes do "Monumenta Brasiliae", do padre Serafim Leite, obra cuja edição italiana só tem quatro; e cuja edição brasileira, já com outro título ("Cartas dos Primeiros Jesuítas"), só tem três. Devo-lhe agradecer pelas lições de técnica? O leitor que o julgue.

3. Meu Estilo Encipoado

Joaquim Nabuco dizia, a respeito de Euclides da Cunha, que ele "escrevia com cipó". Daí a afirmativa do Sr. Inaldo me cheirar de um modo um tanto plebeu. Era uma frase-feita, um chavão, um lugar-comum como outro qualquer, inclusive como esse hábito rococó de andar balbuciando latim. Coisa de jesuíta. Mas de qualquer modo, eu morri de rir, porque me lembrei de uma piada, aquela do rei que gostava de frutas. O professor Inaldo já pensou se tivesse de polemizar com Cairu?

4. Minhas Verdades de Jornal

Mas ele queria que eu risse mais. E veio com aquela estória de que eu cato em coleção de jornal minhas verdades de almanaque. Eis aí uma asneira só (ilegível) de florescência (ilegível) de certas cabeças. Imaginem vocês um sujeito folheando os 96 anos de O Fluminense, mais de 100 da Gazeta de Noticias, os 146 do Jornal do Comércio, os 80 do Jornal do Brasil, e por aí a fora, na esperança de encontrar ao acaso, o que nas bibliotecas já está catalogado, bastando-lhe puxar uma fichinha. Esse professor é mesmo de morte!

5. Enfim, um Confronto de Textos

Falta aqui um fundo musical, porque esta é a apoteose do professor. Vem aí Emmanuel de Bragança x Emmanuel de Bragança. O Fla-Flu mais careta do século. Já contei o começo da estória. Um texto meu lhe cai do céu como um doce na mão de uma criança ou uma nota de cem no chapéu do mendigo. Não importa a idade do texto. Ele pensa que é novo. Não o viu publicado no ano passado, aqui mesmo. Num ponto, porém, o professor Inaldo se enganou comigo. Eu não sou desse tipo de gente que se envergonha das conquistas que faz no campo do conhecimento. Mas ficaria eternamente envergonhado se alguém me acusasse de persistir na ignorância. Escrevendo, certa vez sobre os famosos combates entre os temiminó e os franceses (1568), (Francisco Adolfo de) Varnhagen sustentou que eles se deram na costa da Guanabara: algum tempo depois, pediu desculpas e afirmou o contrário. Fez pior do que eu: mudou do certo para o errado. O mesmo caminho percorreu Mattoso Maia Forte, sobre a mesma questão.

Baltazar da Silva Lisboa, no 3º volume dos "Anais do Rio de Janeiro", corrige algumas bobagens que dissera no volume 1º. Eu aos seis anos não sabia ler e aos sete sabia. Acredito que o mesmo, mais cedo ou mais tarde, tenha ocorrido ao Professor Inaldo. Um dia me ensinaram que ilha é um pouco de terra cercada de água por todos os lados. Meu filho, quando crescer, aprenderá que ilha é o pico de uma montanha submersa. Por aí vai que viver é evoluir. Mas o professor Inaldo não aceita esse tipo de evoluções. Sonha com o tempo saudoso da caverna e do tacape, e tem de manter a moral diante de seus alunos. Então só me resta lhe confessar que quando escrevi aquele texto, eu ainda era um ginasiano imbecil, que confiava nos meus professores, e nos autores que eles decoram e divulgam.

6. E Agora o Último Capítulo da Sensacional Novela, o "Motivo Secreto"

Falta aqui outro fundo musical. Aquele do casamento de Rodrigo e Miranda bem que vinha a calhar. Mas vamos lá. Nesse último capítulo, o Professor Inaldo, com a guia antropofágica de todos os pigmeus, investe contra um personagem que me apresenta como meu dodecavô, mas não é: é apenas o herói de José de Alencar. O mestre de História não soube distinguir um do outro, mas eu que sou apenas um catador de recortes achei motivos (e não foi no 5º volume de "Monumenta Brasilae") para evitar essa identidade. Vejamos:

1º) O Antônio de Marins de José de Alencar era casado com uma Laureana Simoa. Minha dodecavó se chamava Isabel, a Velha. 2º) O Marins de Alencar morava em Teresópolis. Meu dodecavô no Rio de Janeiro, de onde, segundo as Antiqualhas de Vieira Fazenda não se podia ausentar, por força dos cargos que tinha. 3º) O herói de Alencar morreu numa explosão psicodélica. Meu dodecavô foi flechado de tocaia pelos parentes de Arariboia. 4º) O herói de Alencar teve apenas uma filha o meu dodecavô teve vários filhos e filhas. 5º) A filha de Marins de Alencar escapou do estouro com um (ilegível). As filhas do meu dodecavô tiveram melhor sorte. Uma veio a ser, em São Gonçalo (que há 80 anos ainda era Niterói), dodecavó de muita gente boa. Inclusive do Bispo D. Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho, a quem Pombal confiou a tarefa de desinfetar a Universidade de Coimbra, até então dominada pelos Jesuítas.

Mas, para acabar com essa conversa, também não reivindiquei nenhuma estátua para meu dodecavô, e nem sequer mencionei seu nome entre os primitivos (ilegível) de Niterói, como o leitor viu. Disse, claro, ao professor Inaldo, o nome de quem devia estar na Praça das Barcas. Mas ele escolheu o modo pior para marcar sua retirada de uma questão em que entrou porque quis, sem ser convidado por ninguém.

Devia ter-se informado, antes de desviar a discussão para o campo doméstico. Porque eu posso (ilegível) sem sobrenome não tenha tempo para (ilegível). Mas não estando nesse caso, também me orgulho - e com motivo - dos meus antepassados.

Agora, se o professor Inaldo me permite, aí vai um (ilegível) traga argumentos novos, e não tentar velhos. Se ele (ilegível) contestar o que afirmou no dia 8, não faz sentido desistir da tarefa para corrigir o que eu mesmo já tinha corrigido. Ele posso (ilegível) isso de distrair o leitor. E não vou esquecer outra vez dos pontos que ele deixou em branco no dia 15 para vir mais de um mês depois dizer que provou. Provou sem ter provado nada.

(1) Na verdade o jornal publica apenas 12 - faltou o ítem 10 -, não sei se por falha tipográfica ou um equívoco na conta do autor.


O Fluminense, 26 de agosto de 1973
* Emmanuel de Bragança é como assinava o historiador Emmanuel de Macedo Soares




(1) Introdução
(2) Emmanuel de Bragança: Verdades (Mal Comportadas) Sobre a Fundação de Niterói
(3) José Inaldo: Niterói quatrocentão mesmo - reparos e achegas a um artigo
(4) Emmanuel de Bragança: Mistificação em torno de verdades amargas
(5) José Inaldo: Da Batalha de Itararé ao Motivo secreto
(6) Emmanuel de Bragança: Quando até Jó se cansa do choro de Jeremias








Publicado em 28/04/2023

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