Por Vieira Fazenda, em 25 de novembro de 1906

Passou, em 22 do corrente, o tricentésimo trigésimo terceiro aniversario da fundação da cidade capital do Estado do Rio de Janeiro.

Oriunda em seus princípios de modesta aldeia de índios, obteve esse povoado pelo alvará de 10 de Maio de 1819, o título de Villa Real da Praia Grande.

Atendeu o rei a essa necessidade, diz o padre Luiz Gonçalves dos Santos, não só pelos grandes embaraços que os seus moradores, os das quatro freguesias confianantes, experimentavam no largo trajeto do mar, a fim de virem promover nesta Corte os seus litígios, recursos e dependências; mas também por haver crescido muito a sua população, que então excedia já a treze mil almas em toda a sua extensão.

Para patrimônio da Câmara Municipal, fora concedida uma sesmaria de uma légua em quadro.

A instalação da Vila foi realizada em 11 de agosto de 1819.

A lei provincial n.2, de 26 de março de 1835 elevou a precitada Vila à categoria de Capital da Província, ordenando que nela tivesse lugar a reunião da Assembleia Provincial Legislativa.

Pela lei provincial n.6 de 28 de março do referido ano, obteve ainda Vila Real da Praia Grande o título de cidade, com a denominação de Niteroy que, segundo o Dr. Macedo Soares deve ser escrito com melhor acerto Niterói.

Como homenagem a esse ilustre indiano logo transcreverei aqui as considerações que, sobre a verdadeira ortografia dessa palavra, escreveu ele nas Anotações ao trabalho de Cortines Laxes - Regimento das Camaras Municipais. Nictheroy escreve o Autor - outros escrevem Nicteroy, Nicterohy e há quem leve à extravagância de escrever Nictherohy.

A palavra é simplesmente Niteroy, corrupção de - iterói, água que se esconde, como bem provou Baptista Caetano nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, fase 1, pág. 202.

E assim temos corrigido o texto, deixando supra a forma geralmente seguida e adotada por C. Laxes afim de termos ocasião de nos explicar.

Cumpre acrescentar que Baptista Caetano restitui a palavra Nyterõi vendo em 'ny' o metaplasmo de 'yi'; mas o metaplasmo seria 'ji=nhi' (Pizarro escreve Nhiteiroy, abrandando em 'ni').

Ao 'O' seria hoje difícil senão impossível, mudar para o nasal 'Õ' a sua tradicional pronúncia com o som puro e aberto 'Ó'.

Quanto ao 'I' final como o 'Y' é geralmente usado (Casal, Pizarro, Cônego Januário, Millier de Santo Adophe, Varnhagen, Martins etc.) e tem o mesmo som, conservando-o, guardando assim também certa uniformidade com a escrita de outros nomes de lugares acabados em 'I' breve como Uruguay, Paraguay, Igurey, Nonoay, Caceguey, Ibirocay, Itapitocay, Gualeguay e tantos outros.

O 'C' (mudo) da primeira sílaba da escrita comum (nic) parece vestígio do 'G' que se ouvia na pronunciação do 'I' especial do abanéenga (ig-i-terõi) e por isso talvez se devesse conservar. Notemos porém que o 'G' dessa procedência, existente ainda no tempo de Pizarro (primeiro quarto deste século) tem inteiramente caído já nos finais como em Itaipugy; já no sufixo 'tiba' como em Revitigba, Guaratigba, Mangaratigba; já sendo o 'I' seguido de consoante, como em Ipuca, Itinga; conservando-se apenas onde se lhe segue vogal como em Iguassú. Igurey, igara igarapé, igapó. Eis a justificação do nosso modo de escrever Niteroy, que rigorosamente devia ser Niterói.

E agora que com todo o direito e justiça se celebra a comemoração de um passado glorioso e agora que vem à baila o nome do Arariboia, devemos escerever o nome Niteroy mais ou menos segundo o modo porque o bravo índio e seus companheiros pronunciavam o nome da baía em cujas margens fundaram sua primitiva aldeia.

Há nisto mais uma homenagem prestada aos fundadores do Rio de Janeiro, os quais ajudaram a cavar os alicerces da hoje capital dos Estados Unidos do Brasil.

Procurando esclarecer certos pontos obscuros da vida do indômito aliado dos Portugueses, algo escrevi em A Notícia de 27 de janeiro de 1903.

Com pesar vi que os ilustres admiradores do Arariboia, quer no Fluminense, quer no Jornal do Commercio, nenhum cabedal fizeram das minhas despretensiosas achegas.

Continuam eles em suas alegações a sustentar erros bebidos em autores já de há muito refutados. Não se deram ao trabalho de procurar escritos posteriormente dados à luz ou documentos inéditos esparsos nas bibliotecas.

Está hoje mais que provado: o combate de 1568 foi ferido perto da Bica dos Marinheiros.

Para manifestar o meu entusiasmo pelo fundador da Aldeia de São Lourenço, darei à estampa um documento inédito que se prende talvez à vida do ilustre batalhador ou de seus descendentes.

Tenho conservado esse papel como verdadeira relíquia, não só pela matéria que encerra, como pelo modo por que o adquiri.

Eu o ofereço aos ilustres biógrafos de Arariboia que quiserem ou puderem elucidar vários pontos da vida do chefe dos tupiminós.

Em dias de Janeiro do corrente ano, do Ceará, recebi um envelope dentro do qual encontrei ainda bem conservado um manuscrito inteiramente inédito, um verdadeiro documento original. Em sua margem se lia o seguinte: Presente de festas ao Ilmo. Am.º, e Sr. Dr. Vieira Fazenda - Ceará, 1 de Janeiro de 1906. - Barão de Studart.

Não é preciso dizer quem seja o ofertante que me enviava tão precioso mimo. Por sua ilustração, pelos serviços prestados à nossa história e pela copiosa coleção de documentos que possui os quais tem publicado, o Barão de Studart é considerado, quer no Brasil, quer no estrangeiro, verdadeira sumidade.

Eis o teor do precioso documento escrito com letra perfeitamente inteligível:

    "Sua Magestade que Deus guarde tendo respeito aos serviços de Martim Affonso de Souza, índio, natural da capitania do Rio de Janeiro, no Estado do Brasil, precedendo consulta de quinze do presente houve por bem de lhe fazer mercê do cargo de capitão-mór de todos os índios da repartição do Sul e que seu filho Manuel de Souza fosse seu sargento-mór e manda que se lhes dê a cada hum delles hum vestido e dez mil réis em dinheiro de soccorro para se embarearem no primeiro navio que for para aquella capitania. Do que aviso a V. S. para que tendo entendido faça dar execução a ordem de Sua Magestade. A divina guarde a V. S. como desejo. Do Paço 28 de ... de 1642 - Antonio Pereyra. Para Dom Miguel de Almeida."


No alto do papel escrito por letra menos clara está lançado um despacho dirigido ao Marquez de Montalvão "e datado de 28 de ... de 1642."

Cumpre advertir que as lacunas existentes com referência ao mês são devidas à destruição pelo uso e pelo tempo de uma das margens dessa carta de ordem.

Tratar-se-há neste inédito, do próprio Arariboia, que, em idade avançada, tivesse ido a Lisboa, ou de algum filho seu que possuísse o mesmo nome do ilustre progenitor? Sendo assim o Manoel de Souza, do documento, seria neto do Arariboia. Admitida a primeira hipótese, ficaria invalidado tudo quanto se tem escrito sobre a idade e morte do chefe de São Lourenço.

Eis um problema digno de solução.

Tem pelo menos o sal da oportunidade.

Demais, como é sabido, os índios atingiam quase todas idades avançadas. Os da Aldeia de São Lourenço são exemplo vivo dessa verdade.

Tratando do povoamento da paragem de Macaé ilustre Sr. Augusto de Carvalho, na sua obra a Capitania de S. Thomé cita o nome dos chefes da expedição: Amador de Souza, filho do celebre Arariboia e seu sobrinho Manoel de Souza.

Na segunda hipótese o documento precitado vem denunciar nomes de indivíduos, em cujas veias corria o sangue do valente auxiliar de Mem de Sá.

Em todo caso, tal manuscrito prova que, em 1642, os descendentes daquele chefe eram ainda mui considerados na metrópole e dela mereciam honras e auxílio. Submeto o referido ao parecer e critério dos sabedores.

Pequeno subsídio oferecido aos biógrafos de Martim Affonso, deles espero esclarecimentos.

Com tal contribuição, quis mostrar apenas quanto me foi agradável a sugestiva comemoração do dia 22.

Vieira Fazenda
25 de novembro de 1906

Publicado originalmenteno jortnal A Notícia
Pesquisa e edição de Alexandre Porto

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Publicado em 26/01/2023

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