Cap. 01 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

O padre Fernão Cardim, em 1585, no "Tratado da Terra e Gente do Brasil", fez referência a Arariboia e a Niterói, ou melhor, à Aldeia de São Lourenço. Do primeiro, disse: "Havendo eles - os jesuítas - trazido em um dos navios, uma relíquia do glorioso São Sebastião engastada em um braço de prata, esta ficou a bordo para visitação do povo da cidade de que é padroeiro.

Entre os barcos que foram acostar ao navio, vinha um com Martim Afonso, Comendador de Cristo, índio antigo "baetê' e "moçara", grande Cavaleiro e valente que ajudou muito aos portugueses na tomada deste Rio".

A outra referência deu-nos Cardim quando escreveu: "Têm os padres duas aldeias de índios, uma delas em São Lourenco, a uma légua da cidade por mar, e a outra em São Barnabé, 7 léguas também por mar, terão ambas 3.000 índios cristãos. Foi o padre visitador à de São Lourenço, aonde residem os padres no Dia de Reis, lhes disse missa cantada oficiada pelos índios em canto d'órgão, com suas flautas; casou alguns em lei de graça e deu comunhão a outros poucos".

Na crônica (1628) do muito alto e muito esclarecido Príncipe D. Sebastião, 16º rei de Portugal, que contam os sucessos deste Reino e conquistas, em sua menoridade, há a seguinte referência:

"Entre os índios nossos confederados que nos ajudaram nesta guerra, foi chamado no batismo Martim Afonso de Souza, nome que se lhe deu por causa do descobridor do Rio de Janeiro, o qual fez tais proezas contra os tamoios que eles, agravados, do muito que os afrontou, tiveram sempre o intento de se vingar dele".

O padre Simão de Vasconcelos, em suas "Notícias Curiosas e Necessárias das Cousas do Brasil" (1668), escreveu: "Do Cabo Frio, 18 léguas leste-oeste, está o rio ou enseada a que os índios chamavam Niterói e nós chamamos Rio de Janeiro".

Frei José de Santa Rita Durão que fez crônica em versos ("Caramuru", poema épico) sobre a expulsão de Villegaignon do Rio de Janeiro e a fundação da cidade (do Rio de Janeiro) disse:

Nigueterói se chama a vasta enseada
Que estreita boca como barra encerra,
Fechando em vasto porto a grande armada
Um lago, que em redonda cinge a terra;
e mais adiante:

Mas Mendo para a bárbara disputa
Fu que um chefe tapuia o mar defenda
Araribóia aos seus nomeia a fama
Martim Alonso por cristão se chama".


No século XIX vários visitantes estrangeiros estiveram em Niterói e, deles, o mais explicito, depois de Ribeyrolles, foi o italiano Dr. Alfonso Lamonaco, que nos visitou em 1885. No seu livro "Al Brasile", assim ele se manifesta a propósito de Niterói: "Na cidade achei bairros graciosos e ridentes. Em parte alguma verificara ainda tal profusão e beleza de jardins elegantíssimos, impondo tonalidade verde, alegríssima a todas as vias públicas. Estas vias são largas e muitas delas bem calçadas e arborizadas. Estupenda é a visão da margem carioca da Guanabara, contemplada de São Domingos; deliciosos os arredores da velha Vila Real da Praia Grande, sobretudo de Icaraí, onde se divisa um dos mais belos e admiráveis cenários marítimos criados pela natureza".

I. Von Leithold e L. Von Rango, no livro que escreveram depois de visitarem o Brasil ("O Rio de Janeiro visto por dois Prussianos") há esta referência a Niterói: "Do outro lado da baía e relativamente perto, está a cidadezinha de São Domingos, que é um bairro residencial e se assemelha a um estabelecimento Herronhut. Residem lá ingleses e franceses. Faz-se a travessia a canoa. A pitoresca situação deste ponto encantador atrai constantemente o estrangeiro".

Mas foi Charles Ribeyrolles quem deixou consignado, em sua obra, "Brasil Pitoresco" a mais fervorosa descrição da Praia Grande.

... essa praia encantadora e embalsamada de Niterói, onde se embalam as preguiçosas espumas do mar. Niterói! De onde vem este nome suave como uma canção? Dos índios Caribu, da tribo dos Tamoios. Esses selvagens, que desconhecem a gramática, assim chamavam a grande enseada que quer dizer: "água escondida". Vem mais tarde uma Excelência, o Sr. Martim Afonso de Souza que, tendo-a descoberto (a baía) em janeiro de 1532 e tomando esse mar por um rio, lhe deu a denominação burlesca de Rio de Janeiro. Prefiro Niterói, a água que se esconde, que tão bem a define. Não é fantasia, é a imagem verdadeira. Nesse doce rincão de Niterói ergue-se agora uma bela cidade (1859) que desponta da praia, com suas igrejas e seu teatro, o seu pequeno hotel e a sua quinta imperial. Daqui e dali, o que falta ao Rio, algumas alamedas de sombra. Belas ruas bem traçadas conduzem a arrabaldes nascentes: São Domingos, Jurujuba, Tocais (?), Pendotiba, Santana, Maruí, Armação, Santa Rosa e as paróquias afastadas de São Gonçalo, Itaipu e São Lourenço".

Mais adiante, o enamorado francês da Praia Grande continua: "Não há ali, com efeito, retiros deliciosos com seus bosquedos e fontes, sem colinas verdejantes onde repousam casotas brancas, nem veios d'água, praias alcantifadas, cais arborizados, de sombra? Não há ali barcas a vapor abrigadas e rápidas que funcionam até à noite através dessa baía tão amada do sol e sempre cambiante e nova como a mulher e a esperança?"

A terra de Niterói, que o poeta e escritor francês tanto amou, guarda em Maruí seus restos mortais. Sobre a campa, um belo epitáfio em verso de Victor Hugo:

"Il accepta l'exil; il aima les souffrances;
Intrépide il voulut toutes les délivrances;
Il servit tous les droits par toutes les vertus
Car l'Idée est um glaive et l'Âme est une force
Et la plume de Wilberforce
Sort du même fourreau que le fer de Brutus."



Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 28 de outubro de 1973. Na foto de capa, a Ponta da Armação, em Niterói.

Série Niterói em três tempos








Publicado em 06/03/2023

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