Cap. 04 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

O primeiro templo sob a invocação de São João Batista foi uma ermida construída em morro próximo ao campo da Fazenda do Mosteiro de São Bento, em um lugar chamado Pedra e pouco distante da Praia de Icaraí.

Como assevera Monsenhor Pizarro, esse morro pertencia à sesmaria de Pedro Martins Namorado, talvez o mais antigo dos sesmeiros da "outra banda", concedida logo após a fundação da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Como capela curada, diz Matoso Maia Forte, foi ali fundada em 1660 a paróquia de São João Batista. Anos depois arruinada a ermida, a sede da freguesia passou para a capela de Nossa Senhora das Necessidades, levantadas em um dos extremos da planície de Icaraí e que é a atual capela de N. S. do Rosário. (1)

Foi José Clemente Pereira quem iniciou em 1821, a construção de um novo templo para servir de sede da freguesia. Contudo, apesar dos esforços e dedicação dele e dos fregueses, somente em 1831 foi acabada a construção, levantada em um terreno doado à Irmandade de São João Batista pelo Brigadeiro Manoel Alves da Fonseca Costa. O atual templo da Matriz de Niterói teve sua construção iniciada a 1º de março de 1842, com o produto de uma subscrição popular, mas só foi concluída em 1857. Antes, diz Matoso Maia Forte, em 16 de março de 1854, foram trasladadas as imagens existentes velha matriz e a festa do padroeiro realizou-se com a presença do Imperador Pedro II.

Dias antes do Natal de 1962, a cabeça de São João Batista foi roubada de seu nicho. A cabeça do santo era uma bela obra de arte, toda em madeira, medindo cerca de meio metro. Estevam no nicho também a espada e a bandeja na qual Herodes ofereceu à Salomé, a cabeça de São João, como conta a lenda. O roubo causou sensação na cidade inteira e nos dias seguintes, a catedral foi visitada per centenas e centenas de católicos que quiseram constatar com seus próprios olhos o sacrilégio, tão impossível parecia ser ele a multos. Não faltou quem impusesse aos adeptos da macumba, o roubo.

No dia 10 de setembro de 1972, dez anos depois do roubo, Monsenhor Antônio Macedo, Vigário da Catedral, antes a demora da Polícia em encontrar a cabeça do santo, resolveu oferecer um prémio de 2.000 cruzeiros a quem devolvesse a peça roubada, que era de grande valor sentimental e artístico, muito embora no Livro de Tombo da Matriz nada conste a respeito dos nomes do artista e do doador e nem mesmo da época da feitura da cabeça do padroeiro de Niterói.

A propósito, vale contar aqui uma dúvida a respeito do Santo Protetor da cidade. Se perguntarmos a um filho da terra quem é o Santo Padroeiro de Niterói, certamente ele nos dirá que é São João Batista, porque ouviu isso dos pais e leu centenas de vezes nos jornais e nas publicações da Igreja. A esse respeito, surgiu há pouco uma dúvida levantada pelo Cônego Francisco de Assis Santos, pároco da Igreja de São Lourenço. De acordo com as pesquisas que o sacerdote realizou, São João não é o padroeiro de Niterói e sim, São Lourenço. Em abono dessa tese por ele defendida em entrevista que concedeu a 'O Fluminense, em 10 de setembro de 1972, o padre Assis Santos alinhou o fato de que a Bula Papal de 1894, que criou o Bispado de Niterói, fê-lo com o nome de São Lourenço.

Entretanto, se é controverso o nome do padroeiro da Praia Grande, não há dúvida alguma quanto à sua padroeira, que é Nossa Senhora Auxiliadora, aclamada em decreto pontifício em 1933.

Santo Inácio, fundador da Ordem dos Jesuítas, deu nome a uma pequenina ermida outrora existente na Armada das Baleias (Ponta da Armação) e construída pela fé dos contrabandistas de azeite de baleia, açúcar e aguardente. A ermida durou até 1625, quando então para substituí-la foi iniciada a construção de uma nova capela com o mesmo orago e que terminou mais ou menos em 1794. Mas, em 1893, na revolta da armada contra Floriano Peixoto, uma granada, de bordo de um dos navios rebelados, caiu na capelinha provocando o incêndio que a destruiu.

Era um velho costume português: os marinheiros, ao saírem do Tejo, oravam a Nossa Senhora da Boa Viagem, recomendando o seu destino. No Brasil, ou, melhor, na parte oriental da Baía de Guanabara, havia, desde 1663, uma capelinha dedicada à Nossa Senhora da Boa Viagem, construída num outeiro de uma Ilhota, logo após a entrada da barra. As naus que deixavam a baía ou as que nela entravam, faziam, defronte da ilha, uma ligeira parada para que os marinheires reverenciassem sua padroeira.

A capelinha é das mais antigas relíquias niteroienses dos tempos coloniais, e da ilha, há muito península, descortina-se uma belíssima vista de toda a baía. A ilha, seu abandonado forte e sua capelinha têm tudo para se tornar atração turística. É da Praia de Icaraí que se tem a mais perfeita vista da capelinha, onde estão também as imagens de N. S. dos Navegantes, São Jorge e Santa Joana D'Arc, as duas últimas padroeiras dos Escoteiros e Bandeirantes, que são, em verdade, os donos ou melhor, os posseiros da ilha. As escadarias que levam à igreja ainda conservam a construção original de granito, apesar dos três séculos que se passaram desde então.

A ilha abrigou, em 1840, um lazareto, mantido pela contribuição de todos os navios mercantes que cruzavam a barra. Depois, por algum tempo, a ilha foi sede da Escola de Aprendizes Marinheiros. Em 1918, extinta a Associação Protetora dos Homens do Mar, que desde os primeiros anos da centúria estava de posse da ilha, a imagem de N. S. da Boa Viagem, que fora para a ilha trasladada da Igreja da Lapa dos Mercadores, no Rio de Janeiro, foi recolhida ao Hospital Central da Marinha, onde permaneceu até 1934, ano em que, em memorável procissão marítima, voltou para ficar em sua capelinha restaurada, na ilhota que tem o seu nome.

Durante a última guerra, a Marinha construiu, atrás da igreja, uma casa; há outra que servia de casa do guarda, na entrada da ponte de atracação, na praia, visando a dar ao Comando da Defesa do Porto mais um ponto estratégico para a defesa da baía. Passada a guerra, não mais precisando das instalações que fizera na ilha, a Marinha entregou aos Escoteiros do Mar, dos quais o ínclito e estimado Almirante Benjamin Sodré é o Comandante. Lá hoje está, além do Grupo Regional dos Escoteiros do Mar, a sede das Bandeirantes. Quanto à Igrejinha, há cerca de 20 anos passados vem sendo mantida pela esposa do Almirante Sodré, que fundou o Apostolado de Nossa Senhora da Boa Viagem. Na histórica capelinha também se venera N. S. das Necessidades.


(1) Aqui o autor faz uma pequena confusão, pois na década de 1950 a capela de N. S. do Rosário foi demolida e no terreno construída o Santuário das Almas.

Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 2 de novembro de 1973. Na foto de capa, Igreja da Ilha da Boa Viagem.

Série Niterói em três tempos








Publicado em 09/03/2023

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