Cap. 07 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

O primeiro personagem importante deste País a fazer propaganda da pitoresca "banda d'além" foi inquestionavelmente o bonacheirão D. João VI. Depois foi o filho, o estabanado e inteligente Pedro I, que visitou várias vezes a já Vila Real da Praia Grande, trazendo com ele algumas dezenas de fidalgos, fidalgotes, moços de cavalaria etc.

Pai e filho se tornaram propagandistas das belezas da terra de Arariboia. E então o carioca, que era chamado de "fluminense", começou a ouvir falar com mais detalhes da "banda de lá". Mas, para conhecê-la era mister, como se diz agora, "ter peito", já que a viagem entre as duas bandas da baía era feita em quase duas horas e isso se Netuno estivesse de bom humor.

Faluas armadas com velas latinas, botes e saveiros eram as embarcações usadas e movidas pelo vento ou pela força dos braços dos índios e, depois, dos escravos. Mas, em 1885, inaugurou-se o primeiro serviço a vapor entre a Corte e a Vila Real, feito por três barcas inglesas da Companhia de Navegação Niterói e que se chamavam "Praia Grande", "Niteroiense", e "Especuladora" que, em trinta minutos, faziam o percurso. Um dia a "Especuladora" foi pelos ares, por ter explodido a sua caldeira. Foi um Deus nos acuda, com gente que ia viajar a seguir, desistindo. Mas, dias depois, tudo entrava nos eixos e as duas barcas restantes, pachorrentamente, iam e vinham, trazendo e levando gente e carga.

Um dia, o serviço mudou de dono. A Cia, Ferry pôs em trânsito modernas barcas americanas, com duas proas e movidas à roda. Três eram as novas barcas: "Primeira", "Segunda" e "Terceira". O Imperador Pedro II, a Imperatriz, Princesas e uma comitiva de deputados, senadores, ministros, militares de altas patentes e diplomatas acompanharam os dinastas na viagem inaugural. Mas, logo a barca "Primeira fazia feio, abalroando de saída, um patacho, chocando-se a seguir contra o flutuante dos banhistas e quase pondo a pique um escaler que se metera em seu caminho.

Mas, a "Ferry" foi indo de vento em popa e aumentando sua frota com as barcas "Quarta", "Quinta", "Sexta" e "Sábado". Outra companhia, fundada por Carlos Fleuiss, fazia também o percurso com pequenas barcas à hélice. A concorrência entre as duas companhias foi nociva e a "Ferry", mais forte economicamente, acabou adquirindo a outra. Havia então dois pontos de embarque e desembarque, em São Domingos e defronte da Rua Marquês de Caxias.

A chamada Ponte Central, na Praça Arariboia, em frente à Rua da Conceição, só foi inaugurada em 1908, já na administração do Visconde de Morais, que comprara a "Ferry". A "Cantareira", além das barcas, tinha também o monopólio do serviço de bondes. Dois grandes desastres marcaram a "Cantareira": o incêndio da barca "Terceira", em São Domingos e a tragédia da "Sétima", cheia de alunos do Colégio Salesiano, na Ponta d'Areia. O resto é de ontem. A "Frota do Barreto", a "Frota Carioca" e o atual serviço que é uma autarquia federal. Nos tempos da "Ferry" o mesmo no princípio da "Cantareira", havia dois preços para as passagens, porque as pessoas descalças pagavam menos do que as calçadas.

Pedro I, a Independência e a Praia Grande

Mesmo antes do "Fico", as relações entre a "Divisão Auxiliadora", sob o comando do General Jorge Avilez, e o Principe D. Pedro, não eram boas. Com o correr do tempo, esse estremecimento chegou a tal ponto que foi sugerido a Avilez que acampasse suas tropas na Praia Grande, a fim de evitar um choque com os brasileiros. Contudo, logo que se pegou na Vila Real, o general luso começou a trabalhar em surdina para fortalecer sua nova base, até a chegada dos reforços que viriam de Portugal. Mas, como Avilez, D. Pedro, enquanto se correspondia ativamente com seu augusto Pai, tratava de pôr as tropas portuguesas da Praia Grande entre dois fogos, mandando tropas brasileiras para São Gonçalo ao mesmo tempo que reforçava o poder bélico da Fortaleza de Santa Cruz.

Quando o General Avilez tentou uma sortida era tarde demais... E, ainda para cortar ao militar português toda e qualquer sorte de mantimentos, D. Pedro ordenou aos moradores da Vila Real que fechassem suas casas e fossem para o interior levando "todos os bois, galinhas e porcos" que tivessem, ao mesmo tempo que lhes proibia a sua venda, sob pena de severas sanções. Os dias se foram passando e, com eles, a paciência de D. Pedro que, na manhã do dia 6 de fevereiro (1822), se transferiu com todos os seus ministros para a fragata "União", de onde em termos enérgicos, um verdadeiro ultimatum, dirigiu-se mais uma vez a Avilez.

Ou ele embarcava imediatamente para Portugal ou não lhe seria dado mais quartel em parte nenhuma. Trocado em miúdos, o príncipe dizia que a "Divisão Auxiliadora" seria atacada, por terra e por mar, pelas tropas de São Gonçalo, pela Fortaleza de Santa Cruz e pelos navios. A fragata "União" tomou posição para atirar contra a Praia Grande. No dia 15 seguinte, saíam, barra fora, o General português e a sua tropa.

O Senhor D. Pedro I

A Vila Real da Praia Grande conquistou também o filho de seu criador, D. Pedro que, em 1824, aqui passou as festas de São João e São Pedro e tanto folgou nelas que teve necessidade física de passar mais uns dias de merecido descanso. Mas, mesmo ficando para descansar, o imperador não era homem que ficasse de papo pro ar, na dolce vita, contrário ao seu ardoroso temperamento. Assim, talvez para se distrair pelas manhãs, marcou exercícios militares das tropas aqui aquarteladas, para o Campo de São Bento aos quais assistiu e tomou parte. A tarde, conta a História, Sua Majestade em uma das barracas, jantava lautamente, como era de seu feitio, que isso de fome era coisa que não lhe faltava, não fosse ele filho de um glutão.

Mais um dia e a 29 de junho, D. Pedro saiu a cavalo visitando as freguesias de São Bento e São Gonçalo. À noite, com a presença da Imperatriz, D. Leopoldina, e das Princesas, Conselheiros de Estado e os Ministros da Guerra e da Marinha, realizou-se um banquete que foi encerrado por um brinde do Imperador terminando com estas palavras: "O Brasil será salvo ou nós todos morreremos".

Os eternos maledicentes, ao tempo dessa visita à Praia Grande, espalharam que a meio caminho entre a vila e o distrito de São Gonçalo, em um chalet, construído a cavaleiro de um morrinho, Sua Majestade passou a maior parte das noites, amando e sendo amado pela bela paulista, a Marquesa de Santos, que para ali fora por determinação de D. Pedro.

No dia 30 de junho de 1824, D. Pedro e comitiva deixaram a Vila Real da Praia Grande a qual não mais voltou, embora guardasse excelentes recordações dos dias aqui passados no famoso palacete que o "Cheira" dera a seu pai.

Maria Graham, a esperta inglesa que então nos visitou e que foi recebida pela Corte, escreveu em seu diário que "as tropas portuguesas que estavam na Praia Grande, para lá haviam sido transferidas pelo próprio D. Pedro logo após o dia 7 de setembro de 1822, porque elas se haviam revoltado contra a Independência do Brasil".


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 7 de novembro de 1973. Na imagem de capa, ilustração do incêndio da Barca Terceira (Revista Ilustrada, 1895).

Série Niterói em três tempos








Publicado em 10/03/2023

Bairros - Centro Leia mais ...
Despacho de Dom João VI Leia mais ...
Carta de Lei Nº 6 de 1835 Leia mais ...
Carta de Lei Nº 2 de 1835 Leia mais ...
Pronunciamento da Mesa do Desembargador do Paço Leia mais ...
Representação do Ouvidor da Comarca Leia mais ...
Escritura de Renúncia de Terras Leia mais ...
Auto da Posse da Sesmaria em 1573 Leia mais ...
Alvará de Criação da Vila em 1819 Leia mais ...