Cap. 09 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Niterói só se declarou francamente republicana, diz Antonio Figueira de Almeida (ob. cit), bem depois da abolição, porque existiam no município mais de 20.000 escravos, todos imensamente gratos à Princesa Isabel".

Em verdade, porém, eles nem sabiam bem que coisa era essa de república, que apenas alguns deles conheciam por terem ouvido conversas de seus patrões. Mas, com aquele senso tão comum à raça preta, qualidade que a escravidão aguçou, os negros pressentiam que a república era uma coisa má para a Redentora, que eles tanto veneravam. Assim, somente depois de 13 de maio de 1888, talvez mesmo só em princípios de 1889, é que a ideia republicana ganhou as ruas de Niterói e, consequentemente o apoio de parte considerável dos ex-escravos.

Mas, no que tange à propaganda republicana entre as elites, ela vem de longe, de muito antes de 1887, quando começou a circular, de mão-em-mão, por toda a cidade, O Nacional, primeiro jornal republicano da Província e que era dirigido pelo intrépido jornalista José Maria do Amaral. E republicanos, dos primeiros no Brasil, foram Alberto Torres, Limpo de Abreu, César Brage Car Ribeiro e muitos outros que fundaram em 1887, o Clube Republicano de Niterói. Nesse clube nasceu O Povo, órgão de combate ao regime monárquico, em cujas colunas eram publicados candentes artigos de Quintino Bocaíuva e Benjamin Constant. E se não houve antes em Niterói grande repercussão pública da ideia republicana, tão logo ela amadureceu no espírito do povo, o que ocorreu a partir do começo de 1899, estava praticamente pronto e organizado com apoio popular, o Partido Republicano, em terras de Arariboia.

Até na antevéspera de 15 de novembro, Niterói, como quase todas as capitais brasileiras, estava sem saber a quantas andava a chamada Questão Militar, estopim da revolta que pôs por terra, a monarquia. Não fosse Quintino Bocaíuva, sempre à testa dos acontecimentos, poder-se-ia dizer que Niterói fora a grande ausente do magno dia. Na manhã do dia 15, conta a história, ao tomar conhecimento do que se passava no Rio de Janeiro, o Conselheiro Afonso de Assis Figueiredo, que presidia a Província mandou reunir Força Policial no pátio do quartel, pois ele queria lhe fazer uma comunicação e uma pergunta.

Reunida a tropa, o Conselheiro expôs francamente o que se passava e pediu a todos que cumprissem o seu dever, que era, no parecer do Conselheiro, defender a monarquia. Mas, como não obtivesse nenhuma solidariedade, passou o comando da Força Policial e do próprio governo ao Comandante da Força, Coronel Fonseca e Silva que, assumindo, naquele mesmo instante, mandou deter o Conselheiro Assis Figueiredo, na Fortaleza de Santa Cruz. Na noite do dia 16, chegava à chefia do governo o Dr. Francisco Portela.

Ora, soldado é parte do povo, e se as praças e oficiais da Força Policial não se solidarizaram com o Conselheiro, isto é, com a monarquia, é porque eles foram ou, melhor, tinham sido trabalhados pelos republicanos. E isso é de crer, porque, na hora em que a Força foi reunida, já passadas às 11 horas da manhã, nem mesmo o próprio Conselheiro poderia ter a certeza de que a monarquia havia caído sem esperanças. O Conselheiro Assis Figueiredo tomou conhecimento dos fatos que se estavam desenrolando na Corte pelo Coronel Gentil de Castro, emissário do Visconde de Ouro Preto que lhe viera pedir que fizesse embarcar para o Rio a Força Policial fluminense. Se o chefe do governo provincial não tinha, como muitos poucos poderiam ter, como absoluta, a vitória dos republicanos, não seriam os soldados e oficiais da Força que conheceriam a verdade dos fatos.

Disso tudo resulta que Niterói não estava assim tão por fora do assunto, como parecia. Seu povo era, como o brasileiro em geral, republicano, não por desamor ao velho monarca, mas por medo de um terceiro reinado, chefiado por uma mulher, inteligente e boa sem dúvida, mas casada com um príncipe estrangeiro. E, depois, havia ainda a pesar na balança das preferências populares, a igualdade e a fraternidade com que a República acenava a todo o povo brasileiro, sem distinção de cor e nascimento. E o povo niteroiense, se no âmago do coração sentiu infinita pena do bondoso e sábio Pedro II e, se mesmo por ele chorou ao saber que o embarcaram "como negro fugido" dias depois do 15 de novembro, fazia coro com os demais brasileiros, gritando alto e bom som: "Viva a República!".

O fato de maior importância para Niterói não foi a visita de D. João VI nem a de seu filho e neto, mas a decretação em 12 de agosto de 1834, do Ato Adicional à Constituição do Império, ao tempo da Regência. Não foi somente para a Vila Real que o Ato teve suma importância, mas para toda a Província do Rio de Janeiro que, até então, era administrada diretamente por prepostos do Ministério de Império, sob cuja jurisdição estavam as Câmaras da cidade e das vilas.

Não tinha Presidente nem Conselho Geral, como as demais Províncias. O Ato Adicional deu à Província do Rio de Janeiro a mesma organização das outras, determinando, porém, que o município da Corte embora continuasse a pertencer territorialmente à Provincia, escapava à jurisdição de Assembleia Legislativa. Era a criação do Município Neutro, depois Distrito Federal. A 20 de agosto desse mesmo ano, era escolhida a Vila Real da Praia Grande para capital da Província, com o nome de Niterói, passando à cidade por lei de 28 seguinte.

Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 11 de novembro de 1973. Na imagem de capa, "Proclamação da República", 1893, óleo sobre tela de Benedito Calixto.

Série Niterói em três tempos








Publicado em 10/03/2023

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