Cap. 10 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
Por que chamam Niterói de Cidade Invicta? Contemos a razão. Resolvido a terminar a revolução de qualquer modo, Saldanha da Gama pensou em dar um grande e espetacular golpe estratégico, de maneira a levantar o
elan de seus companheiros, marinheiros e soldados, que estava bem por baixo, com as seguidas vitórias de Floriano Peixoto.
Para tanto, o almirante Saldanha da Gama decidiu atacar a Ponta da Armação, na noite de 7 para 8 de fevereiro de 1894. Com um contingente de 520 marinheiros, por ele mesmo comandados, desembarcou na Armação, silenciando as baterias que a defendiam. Tomados de pânico, pelo inopinado do ataque, os defensores da Armação foram quase todos mortos ou fugiram.
Contudo na manhã do dia 8, as tropas fiéis a Floriano Peixoto iniciaram o contra-ataque obrigando os marinheiros a voltarem para seus navios. Era a vitória das forças legalistas do Exército, dos Batalhões Patrióticos e das Policias fluminense e carioca, além da Guarda Nacional, tropas essas comandadas pelo General Argolo e Coronel Fonseca Ramos. Niterói continuava invicta, malgrado o intenso canhoneio dos cruzadores "Tamandaré" e "Aquidaban" que já haviam silenciado o forte de Gragoatá, pondo-o fora de combate.
Mesmo debaixo desses terríveis bombardeios, que ateou fogo em vários prédios da cidade, com a notícia logo espalhada de que os marinheiros haviam retornado à Armação e se aprestavam para atacar a cidade, Niterói resistia a tudo e venceu, resultando daí o merecido e guerreiro epiteto de
A Invicta.
A Revolta da Armada contra Floriano Peixoto chegou ao fim com a chegada, em março de 1894, da frota que o Marechal de Ferro organizou comprando nos Estados Unidos e па Europa, navios de guerra. A um deles um cruzador, Floriano deu o nome de
Niterói, homenageando, assim, a cidade onde o destemor das tropas que defendiam a Armação fez gorar os planos do Almirante Saldanha da Gama. Diga-se de passagem, que, para essa resistência, o povo niteroiense muito contribuiu, colocando-se, desde a primeira hora, ao lado das forças legalistas, às quais incentivou de todos os modos.
E Niterói Levou a Melhor ...
Capital que era da Província do Rio de Janeiro, desde 1835, Niterói perdeu o privilégio no primeiro ano da República.
Francisco Portela, primeiro governador do Estado, entendeu de mudar a capital para o interior, longe das influências da Capital Federal, escolhendo a cidade de Teresópolis para sede do governo. Mas, como a cidade escolhida não tinha condições de abrigar todas as repartições do Estado, resolveu-se que a mudança se efetivaria quando estivessem prontos os edifícios públicos que a Cia. da Estrada de Ferro Teresópolis construiria. Nesse meio tempo, porém, houve uma revolução (a da Armada) e um contragolpe de que resultou nova Constituição para o Estado, estabelecendo que a capital seria transferida para local escolhido pela Assembleia Legislativa.
E Teresópolis voltou a ser a preferida pelos deputados estaduais. Aconteceu que, por causa da Revolta da Armada, a Assembleia só voltou a reunir-se em Petrópolis, estabelecendo-se nela a capital do Estado. Mas, há sempre um
mas, e esse foi favorável a Niterói.
Nilo Peçanha era indicado à sucessão de Quintino Bocaiúva e dele obteve a volta da capital para Niterói, o que foi feito pela Lei de 4 de agosto de 1902. Mas, esse vai não vai interessou a um escritor e um poeta.
A propósito dessa mudança, Machado de Assis escreveu uma crônica no dia 22 de janeiro de 1883. Depois de focalizar a ideia da troca da capital argentina, de Buenos Aires para outra, cidade, troca que agitava o país amigo, Machado disse:
"Entre nós a questão é mais simples. Trata-se de mudar a capital do Estado do Rio para outra cidade. A questão é escolher entre tantas cidades. A ideia legislativa até agora é Teresópolis. Em verdade, Teresópolis está livre de um assalto, é fresca, tem terras de sobra, onde se edifique para oficiar, para legislar e para dormir. Campos também quer a capitalização. Reúne-se, discute, pede, insta. Vassouras não quer ficar atrás, velha cidade do café, julga-se com direito a herdar de Niterói e oferece dinheiro para auxiliar a administração. Petrópolis também quer ser a capital e invoca algumas razões de elegância e beleza. Também há quem indique Friburgo".
Depois, de recordações ligadas a Nova Friburgo, o autor de Dom Casmurro retorna o assunto:
"Niterói não pede nada, olha, escuta, aguarda. Vai para a barca, se tem cá o emprego; se o tem lá mesmo, vai ver chegar ou sair a barca. Vê sempre alguma coisa - outrora lanchas depois as barcas. Pobre subúrbio da Velha Corte, não tens força para reagir à descapitalização; não representas, não requeres. Vai para a galeria da Assembleia ouvir as razões com que te tiram o chapéu da cabeça; não indagues se boas ou más. São Razões".
Noutra crônica, datada de 28 de janeiro de 1894, o autor de "Quincas Borba" começa assim:
"Dizem que esta semana será sancionada a lei que transfere provisoriamente para Petrópolis a capital do Estado do Rio. Já se trata da mudança; compram-se ou arrendam-se Casas para alojar as repartições públicas. Com poucos dias está Niterói restituída às velhas tradições da Praia Grande. A escolha de Petrópolis fez-se sem bulha, sem matinada, com pouca e leve oposição. Campos queria a eleição. Vassouras e Nova Friburgo apresentaram igualmente; mas Petrópolis é tão cheia de graça que não lhe foi difícil ouvir: Ave, Maria, a Assembleia é contigo; bendita és tu entre as cidades. Teresópolis, que tem de ser a capital definitiva, não verá naturalmente essa eleição com olhos quietos. Conhece os feitiços da outra, e receará que o provisório se perpetue. Bem pode ser que Vassouras, Campos e Friburgo tivessem a mesma ideia e daí os seus requerimentos. E muito difícil sair donde se está bem. Esperamos, porém que o medo não passe do medo. Em verdade, Petrópolis ficará sendo uma cidade essencialmente federal e internacional, sem embargo dos aparelhos da administração complexa e numerosa da capital do Estado. Que fazer? Deixemos Pompéia a Diomedes aos seus ócios. O meu voto, se tivesse voto, seria por Niterói, não provisória, mas definitiva".
Niterói e Arthur Azevedo
"Permita que vos dirija
Com todos os meus respeitos,
Uns versos muito mal feitos,
Meu ilustre General,
Para dar-lhe mil emboras
Pela melhor das notícias
Recebida com delícias
E com agrado final.
Diz por aí muita gente
(Citar alguns nomes posso)
Que, ao principiar o vosso
Afã governamental,
Proporeis logo ao Congresso
Que a Praia Grande (com brio)
Do belo Estado do Rio
Seja outra vez capital.
Entrando está pelos olhos
Mesmo de gente tapada
Que a medida é reclamada
Pelo grito universal,
E que a mudança em que pese
A tudo quanto me diga
Quem este juízo não siga,
Não foi um bem; foi um mal.
Niterói, bela terra
Em prosa e verso cantada,
Perdeu ela, a coitada,
A sua força moral,
E para que a condenassem
A curtir tão duras penas
A razão foi esta apenas:
Não ser cidade central.
Um grande país é certo
Deve ter bem no centro,
Bem resguardada, bem dentro
A sua sede oficial;
Não há dúvida, é prudente,
E bem lembrado, é sensato
Transferir para o Planalto
A Capital Federal.
Mas o Rio de Janeiro,
General digo e redigo:
Não corre nenhum perigo,
Nenhum perigo real,
Tendo em Niterói, a bela,
Tão linda, tão sobranceira,
Das capitais, a primeira
Por não haver outra igual.
Parece-nos que Petrópolis
Fosse beneficiada.
Quando se viu arvorada
Em capital? Ora qual!
O antigo Córrego Seco
Perdeu a fisionomia,
Deixou de ter poesia
E de ser original.
Aquele ameno reduto
Aonde o high-life carioca
Fugia logo à matroca
Chegando a quadra estival.
Hoje não tem os encantos
Que noutros tempos tinha,
De alegre cidadezinha
Tranquila e patriarcal.
Com a mudança, crede,
Pois isto é cousa provada,
Niterói não vale mais nada,
Petrópolis nada mais vale.
General, lindas coroas
Heis de ter - que o povo as tece -
Quando a capital regresse
Ao seu antigo local.
Nesse dia haverá festas
Foguetório, musicata,
Espetáculo, regata.
Corridas, etcetra e tal,
E o Pompeu, muito contente,
Dará de sua Lanterna,
Folha esplêndida, moderna,
Um número especial."
Nota: os versos de Artur Azevedo (em carta) foram dirigidos ao General Quintino Bocaiúva, logo que assumiu a governo do Estado. O poeta no caso, além de sua simpatia por Niterói, fez-se eco do desejo de Júlio Pompeu, diretor de "A Lanterna", jornal que circulava no Rio e em Niterói.
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 13 de novembro de 1973. Na imagem de capa, foto da Revolta da Armada no morro da Armação (IMS).
Série Niterói em três tempos