Cap. 11 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
José de Anchieta, que tanto andou pela Praia Grande, era um espírito sempre aberto a todos os meios de comunicação entre os homens. Além da catequese pessoal, de seu inflamado verbo e de suas inspiradas poesias, Anchieta empregou outros meios para atrair para a Igreja e para a civilização os nossos desconfiados indígenas.
Assim é que, após ter conseguido, com o auxílio precioso de seus coirmãos, a arrumação da aldeia dos temiminós, resolveu construir uma capelinha onde os índios pudessem ouvir a palavra de Deus. E foi no adro dessa capelinha que Anchieta fez representar os primeiros atos. Era o teatro que chegava à aldeia de São Lourenco, possivelmente (diria melhor, certamente) antes que o mesmo acontecesse no Rio de Janeiro ou São Vicente.
Em abono desse pioneirismo da Praia Grande na arte teatral, Adolfo Morales de Los Rios Filho, em seu livro "Grandjean de Montigny", tratando do teatro em terras brasileiras, informa que os atos, diálogos, ecogias e dramas representados primeiro nas aldeias indígenas como de São Lourenço e Espírito Santo, acabaram tendo como palco os adros das igrejas do Rio de Janeiro. Tais obras eram de autoria, em grande parte, dos jesuítas Anchieta, Nóbrega e Manoel do Couto, escritas em tupi, português e espanhol.
E o teatro 'pegou de galho' em Niterói, mas depois...
O primeiro teatro construído em Niterói foi em 1827, por um grupo de amantes da arte cênica e que tinha o nome de Sociedade do Teatrinho. E foi nesse teatrinho que, quatro anos depois, trabalhou o grande ator João Caetano. Entre os seus mais retumbantes sucessos na época, nenhum superou a peça "O Principe Amante da Liberdade" que estreou no dia 2 de dezembro de 1833, quando D. Pedro II tinha apenas 8 anos de idade.
Foi tal o sucesso do teatrinho, sempre lotado, que João Caetano resolveu construir um teatro maior que pudesse acomodar quatrocentos espectadores. Homem arrojado, considerado por todos, conseguiu rapidamente a aprovação de seu projeto pelo Visconde do Uruguai. Dias após, o artista lançava a pedra fundamental do teatro, num terreno da esquina da Rua d'El Rei (atual Visconde do Uruguai) com a Rua da Imperatriz (hoje, 15 de Novembro).
Infelizmente, apesar da boa vontade do Visconde e dos esforços do artista, a ideia morreu sob a pedra fundamental e Niterói ficou uns anos sem um teatro digno, o que só veio a possuir em 1842, ainda graças a João Caetano, reconstruindo o antigo teatrinho a quem deu o nome de Theatro Santa Teresa. Posteriormente o teatro passou a se chamar Teatro Municipal João Caetano.
Niterói, teve outros dois teatros. Um foi o Fenix Niteroiense, situado na Rua d'El Rey, esquina de Imperador (atual Marechal Deodoro), e que durou pouco. Vendido o prédio, surgiu no terreno uma grande panificação e depois uma cocheira. O outro teatro, que existiu na segunda década do século XIX, ficava na Rua Visconde do Uruguai e nele deram espetáculos várias companhias de ópera lírica.
Querendo incentivar o teatro em Niterói, o prefeito Feliciano Sodré, por Deliberação de 2 de abril de 1912, dispensou dos impostos municipais as Companhias teatrais que se propusessem realizar uma série de espetáculos no Theatro João Caetano. Outro administrador que pensou no teatro em terra de Arariboia foi o Interventor Amaral Peixoto, que, por intermédio da Loteria do Estado, estipendiou várias companhias teatrais que levaram à cena no Municipal niteroiense peças de autores nacionais.
Por pouco o Theatro Municipal não foi vendido. Pela Deliberação aprovada pela Câmara Municipal em 21 de dezembro de 1925, o Prefeito foi autorizado a vendar em hasta pública o Theatro Municipal e o respectivo mobiliário. Pelo mesmo ato, os vereadores deram ao prefeito a faculdade de aplicar a importância obtida na "construção de um outro teatro", de preferência na praça onde vai ser erigido o monumento aos próceres da República.
Ora, se o prefeito não quisesse construir outro teatro (a deliberação não o obrigava), Niterói teria perdido e seu uniteatro de tantas tradições. Felizmente o prefeito Villanova Machado atendeu o clamor público contra a descabida deliberação da Câmara Municipal.
Se recuarmos no tempo, veremos que era sina do João Caetano andar de mão-em-mão, e vendido a quem desse mais. Tanto assim que, quando o teatro ainda se chamava Santa Teresa, e teve suas portas fechadas por falta de companhias teatrais que quisessem vir à Praia Grande, o Governo do Estado resolveu vendê-lo em hasta pública. Mas, por sorte de Talma em terras de Arariboia, o prefeito Paulo Alves estava atento e adquiriu o teatro por quarenta e cinco contos de réis. Reformado, o teatro reabriu suas portas em 1904.
Ainda a propósito do Theatro Santa Teresa, contam que João Caetano obteve uma subvenção do Presidente da Província para vir dar espetáculos em Niterói, uma vez por semana. Para tanto, João Caetano tinha que trazer, além dos artistas de sua Companhia, os seus músicos. Uma vez, dia de espetáculo em Niterói, chovia a cântaros no Rio de Janeiro quando o artista embarcou com sua trupe para a Praia Grande. Em aqui chegando, encontrou a cidade debaixo de um tremendo temporal. Mas, contrato é contrato e João Caetano pôs a peça em cena. Na plateia, um único espectador. A certa altura, o grande artista não se conteve e perguntou ao solitário assistente se podia suspender o espetáculo, obtendo a seguinte resposta: "Pode sim, estou aqui apenas me resguardando da chuva".
Pouca gente sabe que Joaquim Manoel de Macedo, o grande romancista e autor de "O Moço Loiro", cuja ação, em parte se passa em Niterói, era médico de grande clínica nesta cidade, onde residiu. Joaquim Manoel de Macedo, nascido em Itaboraí, escritor e poeta, era também teatrólogo, tendo escrito comédias e dramas, em verso e prosa, caprichados documentos da vida brasileira. Silvio Romero, em sua "História da Literatura Brasileira", disse que "Macedo foi o mais fecundo dos nossos escritores, um dos fundadores do nosso teatro um dos mestres da nossa poesia". Infelizmente, não se sabe se alguma das peças de Macedo foi levada à cena nos teatros de Niterói.
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 13 de novembro de 1973. Na imagem de capa, retrato de João Caetano.
Série Niterói em três tempos