Cap. 12 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
A primeira água potável captada na Praia Grande foi a do rio da Valéria ou do Valério, bem antes da criação da Província, aí pelos idos de 1650. Antes, os índios bebiam água de uma fonte junto ao Morro de São Lourenço, água que eles diziam possuir virtudes medicinais. Com o crescimento da vila, como não bastassem os chafarizes que a Câmara mandou construir e as fontes naturais, o governo provincial tomou outras medidas visando a dar mais água ao povo, canalizando a água da Vicência, no Fonseca.
Contudo, perdurava a falta d'água e novas captações foram feitas de "olhos d'água" ao mesmo tempo que se dava licenças a particulares para a exploração dos chamados "carros-pipas". Um desses, vendia, a água colhida na Chácara do Vintém, de grande aceitação popular enquanto outro mercadejava a água de sua chácara no Cubango. Mesmo assim, a falta d'água continuava. Impunha-se a construção de uma adutora que aproveitasse a água ao pé da serra de Friburgo, e o Visconde de Sepetiba, Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, Presidente da Provincia, mandou elaboram um projeto completo, isto é, de captação e distribuição.
Embora feito e aprovado em 1846, somente em 1860 foi ele iniciado, completando-se o serviço um ano e meio depois. A rede de distribuição, contudo, só servia a uma pequena parte da população que dia a dia aumentava, ao mesmo tempo que a cidade se ia estendendo além de Icaraí. Encontrando deficitário o serviço de água, o Conselheiro Costa Pinto, então na presidência da Provincia, assinou contrato com a Companhia Melhoramentos de Niterói para a construção de uma adutora com a captação da água do rio Macacu, na Serra de Friburgo, que gozava de excelente potabilidade. Enterrou-se o reservatório no morro, a 30 metros acima do nível do mar e a água descia por gravidade, para a rede de distribuição.
E captando águas dali e dacolá, a velha rede distribuidora ia dando conta do recado apesar de não poder acompanhar o aumento da cidade e o de sua população. E a coisa veio assim até o governo Feliciano Sodré que projetou a 2ª adutora com água das vertentes da Serra de Teresópolis. Embora tenha iniciado obras civis da nova adutora, Sodré terminou o seu mandato sem poder concluir os serviços, cabendo ao sempre bem lembrado Almirante Ari Parreiras terminá-los, inaugurando-os em 1933.
Essa adutora trouxe para Niterói 11 milhões de litros d'água por dia, que tinha então um pouco mais de 100.000 habitantes. De 1933 em diante, a cidade cresceu bastante, como cresceu a falta d'água. Em 1937 assumia o governo do Estado o Comandante Amaral Peixoto, a quem o prefeito Brandão Júnior tratou logo de pôr par da situação calamitosa que atravessava a capital fluminense, máximo no verão quando a falta do precioso líquido chegava a ser um tormento. Foi então elaborado um plano para aumentar o volume d'água captada pela adutora construída por Sodré e Parreiras.
Propôs-se executar a obra pelo preço do projeto à firma Dahne & Conceição que faliu antes mesmo de iniciar a construção. Voltando ao governo do Estado, pelo voto popular, em 1951, o Comandante Amaral Peixoto resolveu enfrentar o angustioso problema, sob nevos moldes. E surgiu então a possibilidade financeira da construção da 3ª adutora. Feito o projeto e realizada a concorrência, saiu vencedora a firma Yamagata, Engenharia Ltda que iniciou imediatamente as obras pelo custo aproximado de Cr$ 250.000,00, em moeda corrente.
Financiou a obra o Banco Predial, graças ao descortínio do banqueiro João Manoel Gonçalves que muito amava a terra que elegeu como sua. E em 1954, Niterói passou a ter mais 43 milhões de litros d'água por dia. Mas Niterói continua a crescer, como tem crescido a falta d'água para atender satisfatoriamente aos 400.000 em números redondos) habitantes. O atual governo deverá concluir, em 1974, uma nova linha distribuidora, reforçando a que existe para Icaraí. Mas, o resto da cidade? Segundo os técnicos é mister fazer uma nova adutora que seria a 4ª, cujo anteprojeto já existe. O que falta é verba para sua execução, de custo aproximado a Cr$ 1.500.000,00.
E por falar em água... No livro de Ordens e Mais Papéis pertencentes à Câmara da Vila Real da Praia Grande (seção de manuscritos da Biblioteca Nacional), há o registro de uma resposta da Câmara ao Ouvidor, sobre uma representação do povo de São Lourenço, na qual pedia à Câmara que desse ordens para que os moradores das proximidades da Aldeia dos Índios pudessem colher água na fonte ali existe. Na mencionada resposta, a Ilustríssima Câmara disse que tão logo recebera a representação em tela, mandara carpir e limpar a estrada que liga a vila à aldeia, mas que ainda estava a mesma sendo trabalhada, quando foram à Câmara vários representantes dos índios para se oporem à ideia da cessão de sua água.
E, peremptórios, protestaram, esclarecendo que se a estrada viesse a dar franco acesso a todos os moradores da vila, eles, os índios, ficariam sem água para beber, porque os brancos, sendo um número muitíssimo maior, a gastariam toda e ainda porque a água da fonte não era assim tão farta.
E logo sugeriram ou, melhor, lembraram que havia outra fonte, bem mais perto da vila, justo do morro da Conceição que poderia ser melhor aproveitada se nela se fizesse um chafariz. Esclareceram mais os índios que a fonte e a terra pertenciam à capela de N 5. da Conceição, cujo vigário, certo, não se negaria a matar a sede da vila.
E a Câmara, ante isso, não teve como não dar razão aos índios, concluía o Ouvidor, salientando a esperteza deles que, ao mesmo tempo que expunham suas razões à Câmara, recorriam a Sua Majestade.
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 16 de novembro de 1973. Na imagem de capa, ruínas da Chácara do Vintém - Bairro de Fátima
Série Niterói em três tempos