Cap. 13 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

A primeira grande festa a que o Povoado de São Domingos da Praia Grande assistiu foi quando da visita do Príncipe Dom João, visita que marcou um tento na vida do povoado com sua elevação à Vila Real. Depois, foi a festa de Dom Pedro I que, com seu gênio folgazão, gostava de música e de danças.

A Praia Grande vibrou como nunca. Já o filho, D. Pedro II, ao visitar pela primeira vez a Vila Real, era apenas um meninote não afeito a festas e festanças. Por isso, não foram retumbantes os festejos organizados em sua homenagem, como foram os prestados a seu pai e avó. Afora essas digamos festas imperiais, Niterói só voltou a assistir a festas públicas de arromba, quando das comemorações do primeiro centenário da Vila Real, em 1919.

Em 1935, a 26 de março cabiam bem em comemoração à efeméride, grandes festas públicas, que todavia não se realizaram por dois motivos especiais: o primeiro foi o feitio tímido e taciturno, pouco dados a festas, do então Interventor Federal, Comandante Ary Parreiras, que vivia preocupado em fazer máximo de economia nos gastos públicos. O segundo motivo, o mais decisivo, foi o clima de agitação política em que estava mergulhado o Estado.

Nos tempos coloniais e do império, o povo divertia-se mais dentro de casa, nas festas e reuniões familiares, do que na rua, afora a espaventosa época do entrudo. Havia, é verdade, as festas religiosas, os Te Deum solenes e as procissões, como a de São Pedro, que tanto renome deram no passado a Niterói. E como havia procissões no final do século XIX! No mínimo, percorriam as ruas niteroienses tantas procissões quantos santos oragos das igrejas e capelas. E as que eram realizadas para conjurar calamidades públicas, como a seca ou as chuvas torrenciais!

E as soleníssimas procissões da Semana Santa! A do Enterro era a mais afamada delas e saía da Capital, descia a rua de São João até a rua da Praia e voltava pelas ruas da Conceição e Visconde do Uruguai. Nas festas profanas, a mais popular e ruidosa foi sempre o carnaval, que até o segundo quartel do XIX, chamava-se "entrudo".

O "jogo d'entrudo" que nos veio de Portugal, perdeu no Rio de Janeiro suas mais rústicas características e, aos poucos, de festa proibida, vigiada, tornou se a maior festa do povo brasileiro, máximo do carioca, fluminense, baiano e pernambucano. Também intramuros, uma parte mínima do povo niteroiense divertia-se no Theatro Santa Theresa e depois nas salas dos cinemas (cinematógrafos, como se dizia) do começo da atual centúria. O mais eram os bailes e os "assustados" familiares e dos clubes esportivos. Também não havia casamento, aniversário e batizado nos fins do século passado, sem festas e "comes-e-bebes", já que era hábito dos Joãos, Josés e Pedros assim comemorarem suas datas natalícias, de esponsais etc.

Havia, no Barreto, um certo João de Sá, negociante forte, morador em uma soberba casa assobradada, com um imenso quintal e grande jardim na frente que todos os anos dava em homenagem ao santo seu xará e padrinho, festas que duravam mais de dois dias e duas noites, pois começavam na manhã do dia 23 de junho e só terminavam madrugada alta do dia 25. O que esse homem gastava em fogos, comidas e bebidas nessas folganças, daria bem para alimentar, por 24 horas ou mais, todos pobres que moravam no bairro.

Ah! as festas juninas! Os jogos de prenda e de advinhações! E os fogos de artifício! Foguetes chorando lágrimas de fogo na amplidão do céu escuro, onde luziam centenas de falsas estrelas, os balões de São João!

O Entrudo

O "Correio da Província do Rio de Janeiro", jornal que saía às 2ªs., 4ªs, e 6ªs feiras e que custava 120 réis, em seu número de 29 de janeiro de 1845, publicou um edital assinado pelo fiscal Teotônio Neri da Silva, da Freguesia de São João Baptista, da Imperial Cidade de Niterói, no qual faz saber que ficava "proibido e jogo do entrudo, publicamente no centro do município e qualquer pessoa que o jogasse, incorreria na pena de Rs:2$000 a Rs:8$000, e não tendo ou não querendo pagar a multa, sofreria de 2 a 8 dias de prisão. Sendo escravo sofreria 8 dias de cadeia, se seu senhor não o mandasse castigar com 50 açoites; devendo uns e outros infratores serem conduzidos pelas rondas até à presença do Juiz de Paz, para os julgar à vista das partes e testemunhas que presenciassem a Infração. As laranjas d'entrudo que forem encontradas pelas ruas e estradas seriam inutilizadas pelos encarregados das rondas".

Clube de Danças

Na rua da Praia, 122, existiu, na segunda metade do século XIX, a "Sociedade Apolínea" fundada em 30 de maio de 1846, cujo fito principal era o "recreio dos sócios por meio da música e da dança". Nos saraus realizados, "todos os primeiros e terceiros sábados de cada mês" uma orquestra de dez professores animavam as danças da época: o minueto, quadrilha, polea, schottische e a valsa.

As Cavalhadas na Praia Grande

Eram muito apreciadas pelo povo niteroiense e carioca as Cavalhadas de São Gonçalo, então próspero distrito da Vila Real da Praia Grande, nos idos do XIX. Essa Cavalhada era um arremedo dos antigos torneios e justas da Idade Média. Em campo, prestes ao combate, as duas hostes rivais Cristãos e Mouros. Vestidos a caráter e empunhando compridas lanças, saudavam os assistentes, que os recebiam entusiasticamente. Os mouros eram sempre es provocadores; por isso, um deles adiantava-se e, para dar coragem aos companheiros, dizia errático: "Ilustres Guerreiros Invencíveis! Contra os cristãos a guerra para nós se faz preciso. Jurai, pois, pelo Alcorão, cumprir o nosso lema - vencer ou morrer pelo Profeta e por nossa Santa Causa".

Os guerreiros cristãos aceitavam o repto, dizendo, em linguagem gongórica, que a Cruz de Cristo venceria, como sempre, o Crescente do réprobo Maomé. Seguiam-se os combates, as escaramuças, jogos de destreza e agilidade. A vitória era sempre dos cristãos, e os mouros vencidos confessavam-se prisioneiros, pelo que espoucavam as girandolas, repicavam os sinos, assinalando o término da luta. As Cavalhadas seguia-se o não menos popular jogo da argolinha, quando os cavaleiros a galope procuravam enfiar em suas lanças pontiagudas as argolinhas presas em postes de madeira.

Tais jogos eram altamente sugestivos e agradavam ao povo tanto que muitos cariocas deixavam a Corte para vir apreciar as façanhas da gente da "terra da goiaba". E foi nessa fiúza que, no sábado de aleluia de, 1844, cerca de duzentos cariocas tomaram a barca "Especuladora" com destino a Niterói. Partiram ansiosos por chegar a tempo de escolher os melhores lugares a fim de apreciar as famosas Cavalhadas. O destino, contudo, assim não quis: mal a barca largou do Cais Pharoux, explodiu, causando a morte de muitos passageiros e ferimentos em outros.

Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 17 de novembro de 1973

Na imagem de capa, Procissão em louvor a N.S. Auxiliadora, 1900, Rua Santa Rosa, Acervo Colégio Salesianos.

Série Niterói em três tempos








Publicado em 21/03/2023

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