Cap. 14 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Bonde de burro! Era desse modo que niteroienses e cariocas chamavam os bondes puxados por muares. Conta J. Demorais em artigo para 'O Estado', que os bondes que serviam Niterói tinham por parelhas muares trôpegos e velhos; por isso eram eles muito mais vagarosos do que os seus congêneres cariocas. As linhas, continua o cronista, eram todas simples; daí a existência, de quando em quando, de uns desvios, onde o bonde esperava o outro que vinha em sentido contrário.

Não raro, um cocheiro mais apressado ou calculando mal o horário, avançava além do desvio, encontrando-se adiante com outro bonde que vinha. Nascia então o seguinte diálogo:

- Volte.
- Volte você.
- Nada: volte você que avançou demais.
- Não volto, já disse, pois você é que está adiantado.

E a questão se ia eternizando, quando uma voz irada de um passageiro ameaçava fazer queixa à direção da empresa. Era água na fervura. Os ânimos dos cocheiros esfriavam e um deles, o mais cordato ou o que não tinha razão, virava a parelha de muares e tocava o bonde até o desvio, para que o outro passasse.

A empresa, para que os usuários pudessem distinguir, no longe, as diversas linhas de bondes, mandou pintar umas tabuletas de madeira, com várias cores. As tabuletas dos bondes de Icaraí eram vermelhas; as de Santa Rosa, verde e encarnado; do Fonseca, verde; do Gragoatá, roxo; de Neves, amarelo; e da Ponta d'Areia, roxo e branco.

Embora as tabuletas fossem presas junto dos vidros das lanternas iluminadas por grossas velas chamadas archotes, elas não eram vistas à noite, a não ser quando o bonde chegava perto do usuário. Por isso, a companhia deu ordens aos cocheiros que parassem à noite em todas as esquinas e, para evitar desastres ou acidentes com pedestres e servir ao mesmo tempo de aviso aos outros cocheiros da mesma linha, forneceu aos mesmos um apito. Pela má qualidade do apito ou pela pouca vocação dos cocheiros, a som tirado dos pequenos instrumentos de sopro lúgubre, soturno, triste. E daí, o "pio da coruja" como o povo apelidou tal assovio.

As Seges de Arruar

Antes, bem antes desses pitorescos bondinhos, existiam as "diligências", fazendo a ligação entre o litoral e os bairros afastados, como Icaraí e Barreto. Também para São Gonçalo, as diligências iam e vinham em dias alternados, partindo de Niterói às 2ªs, 4ªs, e 6ªs feiras, e regressando nos dias ímpares. As diligências eram carros pesadões, com 4 rodas, tirados por 4 cavalos transportando, além dos passageiros, bagagens e as malas dos Correios.

Matoso Maia Forte, em seu livro "História de Niterói", escreveu que o primeiro ensaio de viação urbana por meio de diligências foi inaugurado em 1864, pela firma Vila Real & Cia., entre o Barreto e Icaraí.

Não se sabe ao certo que outras espécies de carruagens existiam em Niterói, mas a Praia Grande conheceu as seges de arruar. Em 1854, na rua da Praia, havia 3 cocheiras com seges de arruar e animais de sela. Diga-se de passagem, que o verbo arruar, no caso, significava passear. Assim, seges de passeio ou para passear. Uma dessas cocheiras, a de Januário Ferreira Moreira, anunciava no Almanaque Laemmert de 1854 que "em sua cocheira havia sempre seges e animais de sangue para trote e andadura." Niterói usou também as caleches de 2 e 4 horas, também chamadas "vis-a-vis", por causa da posição dos bancos colocados um defronte do outro.

As vitórias, berlindas para 4 pessoas, o landau e o coupê, carros puxados por 2 e 4 animais para igual número de passageiros, foram muito usados em Niterói. Mas carro popular na Praia Grande, como no Rio de Janeiro, foram os tílburis, veículos leves, pequenos e de custo baratíssimo. Eram os preferidos pelos padres, médicos e pelos que tinham pressa.

Não se encontrou nenhum vestígio ou existência das célebres e românticas "cadeirinhas"; por isso não se pode afiançar que alguma dama da Vila Real da Praia Grande, no século XVIII, teve a sua "cadeirinha" carregada por escravos de confiança. É, contudo, bem provável que sim. Senhora a quem a fortuna sorriu ou que tinha pai ou marido alcaide ou fidalgo enricado, moradora na Vila Real, pelos fins de uma tarde calmosa, para ir da Rua do Imperador à Rua da Conceição, deveria usar a sua "cadeirinha". Se era moda na Corte, deveria ser também moda na Vila Real.

Mas deixemos, as "cadeirinhas" e demos um salto até 1905, quando o grande Nilo Peçanha governava com mãos sábias o Estado do Rio. O Visconde de Morais havia comprado, havia pouco, a Companhia Ferry, que envolvia também os transportes citadinos. Pressionado por Nilo, o visconde mudou o sistema de tração animal dos bondes que serviam à cidade pelos de tração elétrica. A inauguração foi festiva, correndo, no dia 31 de outubro de 1906, o primeiro bonde elétrico entre a Ponte das Barcas e Icaraí.

Publicado originalmente no jornal O Fluminense em novembro de 1973

Na imagem de capa, bonde elétrico em Icaraí, foto de A. Morrison

Série Niterói em três tempos








Publicado em 21/03/2023

Despacho de Dom João VI Leia mais ...
Carta de Lei Nº 6 de 1835 Leia mais ...
Carta de Lei Nº 2 de 1835 Leia mais ...
Pronunciamento da Mesa do Desembargador do Paço Leia mais ...
Representação do Ouvidor da Comarca Leia mais ...
Escritura de Renúncia de Terras Leia mais ...
Auto da Posse da Sesmaria em 1573 Leia mais ...
Alvará de Criação da Vila em 1819 Leia mais ...
Símbolos de Niterói Leia mais ...