Cap. 18 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
Mas, nem só anúncios de remédios, casas comerciais, médicos e advogados, dos editoriais, sueltos, reportagens e crônicas havia nos jornais niteroienses de então. O que de mais pitoresco acontecia na cidade, em seu dia-a-dia, vinha sempre publicado na seção de 'A Pedidos'. O Fluminense de 28 de setembro de 1919 publicou nessa seção o seguinte: "Protesta-se contra certa senhora residente numa casa de cômodos, na Rua Marquês do Paraná, entre as ruas Coronel Gomes Machado e Dr. Celestino que tem por hábito comer galinhas que os outros engordam. Se a dita senhora continuar, vou dar queixa no Distrito Policial. Quem avisa, amigo é."
Um outro curioso aviso da mesma seção do jornal, em sua edição de 16 de dezembro, dizia: "O proprietário da Farmácia União convida seus fregueses em atraso virem saldar suas contas em débito, sob penas de, no próximo número deste jornal, publicar seus nomes por inteiro e de os pôr na lista dos caloteiros".
Outro aviso: "J. Alonso Rodrigues & Rodrigues, com casa de pasto à Rua da Conceição, vem a público pedir providências às autoridades da Seção de Higiene da Prefeitura contra o mau cheiro da Travessa Mauriti, que fica nas imediações de sua casa comercial, esclarecendo que esse cheiro é proveniente de desasseios que há na travessa, ora transformada em um mictório público".
Em meio a tantas comemorações e homenagens, não poderia faltar um toque musical, máxime com o ressurgimento auspicioso da Sociedade Sinfônica Fluminense e o novo fardamento e instrumental da "Lira Guarani" com sede na Rua General Castrioto, 219.
A Comissão Promotora das Festividades do Primeiro Centenário de elevação do Povoado de São Domingos à categoria de Vila, após ouvir dezenas de hinos, escolheu a música que seria o Hino do Centenário, de autora de Felício Toledo e letra do Dr. Sena Campos. Dessa letra, um pouco longa demais, as seguintes estrofes dão bem a mostra da arte poética de seu autor.
"Valente Arariboia
Da campa surge Herói!
Vencendo o inimigo, alçaste
Troféu a Niterói.
E assim, o Praia Grande
Teceu-te o berço a Glória
Teu nome em letras de ouro
Refulge na nossa História".
"O bela Vila Real,
O sedutora plaga.
Que em leve harpejo de ósculo
A Guanabara afaga.
Se justa, no altar da Pátria
Vem grata e reverente
C'roar de verdes láureas
João Sexto, José Clemente".
Depois de tantas festas, Niterói já centenária, recomeçou a sua vidinha de sempre, encantada com quantos se encantavam com suas belezas naturais e lendo sofregamente as notícias vindas da Capital Federal, referentes ao novo Presidente da República, Epitácio Pessoa, em quem o povo niteroiense, como o carioca, em sua maioria, não votara, preferindo o grande Rui Barbosa. "Tio Pita", irreverente, mas carinhoso apelido popular, de tal modo agiu na presidência que dela saiu sem deixar ódios ou malquerenças.
Niterói e sua outra metade, o Rio de Janeiro, decepcionadas com a extrema contingência verbal do brilhante baiano, após as eleições que perdera para Epitácio Pessoa, nesse mesmo ano de 1919, cantaram no carnaval seguinte (1920) como desabafo político- eleitoral, o gostoso "chorinho" de Sinhô, cujos versos criticavam o silêncio de Rui Barbosa. Nesse carnaval, nas ruas cariocas e niteroienses, o povo cantou:
"A Bahia não dá mais coco
Pra botar na tapioca
Pra fazer um bom mingau
Pra enganar o carioca".
"Papagaio louro
Do bico dourado,
Tu que falavas tanto
Como é que agora estás calado..."
"Não tenhas medo,
Coco de respeito,
Quem quer se fazer, não pode,
Quem é bom, já nasce feito".
E, com mais alguns dias, agosto de 1919 acabava e a primavera chegava tornando Niterói mais linda, mais requestada, mais romântica.
336 Anos Depois...
Niterói festejou também, a 26 de março de 1935, como veremos com detalhes em capítulo posterior, o centenário da escolha da Vila Real da Praia Grande, com o nome de Niterói, para capital da Província, fato ocorrido em igual dia e mês de 1835.
Contudo, Niterói só neste ano de 1973 é que comemorará, pela primeira vez, o centenário de sua fundação. Mas, contemos a razão desse grande atraso.
Em março de 1909, Niterói já tinha, então, 336 anos de fundada, um consanguíneo do Arariboia, José Luís Arariboia Cardoso, achando injusto que o povo e a Câmara niteroienses não festejassem como Magna Data da cidade o dia de sua fundação e, sim, o da elevação à Vila do antigo Povoado de São Domingos, conseguiu do então prefeito Leoni Ramos que fosse exumado do arquivo da Câmara Municipal um projeto de lei de autoria do Vereador Otávio Kelly (1) estabelecendo como o
Dia de Niterói, o dia da mudança do chefe temiminó para as "barrancas vermelhas". Aprovado o projeto e transformado na Deliberação n.º 126, de 10 de março de 1909, o dia 22 de novembro desse mesmo ano foi festivamente comemorado.
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 24 novembro de 1973
Na imagem de capa, Missa campal no Largo da Memória, depois Praça do Rink, em 1919, em comemoração do centenário de criação da Vila Real de Praia Grande.
Série Niterói em três tempos