Cap. 19 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Manoel Benício foi quem focalizou o problema. Niterói, escreveu ele para O Estado, ao que se sabe, tem 89 quilômetros quadrados de área. Mas, terá mesmo? Pergunta ele. Benício duvida, "porque, em verdade, oficialmente o município nunca foi medido e nem mesmo tem limites legalmente fixados". E ironicamente, termina o artiguete, perguntando: "Quem sabe quantos quilômetros tem Niterói"?

Benício, em outro artigo para o mesmo jornal, disse que "os limites da Praia Grande deveriam ser os mesmos da sesmaria de Arariboia". Mas, logo, como historiador cuidadoso, esclarece que "as medições dessa sesmaria, desde a primeira, haviam sido cumultuadas propositadamente, por interessados em prejudicar os índios". Por isso ele propunha, para um estudo criterioso, como ponto de partida, "que se seguisse a divisão feita pelo espírito observador, permanente e eclesiástico das freguesias". Em suma, o articulista sobrepunha aos limites encontrados pelos representantes dos poderes civis, aqueles outros, a seu ver mais corretos, organizados pela Igreja, quando instituiu a freguesia de Vila Real.

E Benício concluía dizendo que "Niterói deve ter a superfície somadas das freguesias alinhadas por José Clemente (São João Batista de Icaraí. São Gonçalo, São Sebastião de Itaipu), esclarecendo que deveria ser excluída a freguesia de São Gonçalo, por se ter tornado município".

Dezoito anos mais tarde, em 1937, a angustiosa pergunta de Benício veio a ter uma resposta oficial, no "Anuário Estatístico do Brasil" publicação do IBGE, o que dá para Niterói a superfície de 71 km2; 18 quilômetros menos do que a focalizada pelo jornalista. Em 1970, um pouco antes do recenseamento realizado nesse ano, o Departamento Estadual de Estatística, em uma sinopse, deu para Niterói a superfície de 130 km2. E o leitor curioso acabará perguntando: "Afinal em que ficamos? Nos 39km2 de Benício, nos 71km2 do Anuário ou nos 130km2 da Estatística do Estado"? De pé, desafiante continua a pergunta que Benício fez em 1919: "Que tamanho tem Niterói"?

A resposta só será dada quando se fizer o levantamento aero topográfico do município. É um serviço caro, mas necessário, como é o da Carta Cadastral, de que a Prefeitura niteroiense se ressente.

A Arcádia Fluminense

A pré-história da Academia Fluminense de Letras teve lugar no Cartório Peixoto, habitualmente frequentado pelos jovens intelectuais niteroienses e por outros do interior quando de passagem ou a passeio por Niterói. Lá, após o expediente do dia, Peixoto, double de tabelião e de homem de letras, reunia na chambre rouge (uma salinha forrada de vermelho) amigos e companheiros para cavaquear (bater papo) como se dizia.

E foi numa dessas descontraídas conversas que surgiu a ideia da criação de uma Academia de Letras, para o que uma lista de adesão ficou à disposição dos interessados. Em pouco tempo, o livro ostentava as assinaturas dos intelectuais: J. Cortes Júnior, Homero Brasiliense Soares de Pinho, Salomão Cruz, então apenas com 19 anos, Álvaro Leite Bastos, Artur Neves da Silva, Antônio de Morais Lamego, Franklim Coutinho, Bernardina de Almeida, A. Serpa Pinto, Altino Pires e vários outros. A 22 de julho de 1917, reuniram-se os fundadores na Associação Comercial, para a leitura e aprovação dos estatutos, nos quais constava um artigo inusitado: a admissão de sócios aspirantes.

Aprovado o diploma legal, no dia 14 de julho de 1918, comemorando a Tomada da Bastilha, eram escolhidos os patronos das 40 cadeiras e eleitos os Imortais. Mais um ano, e a Academia Fluminense de Letras fazia o seu début instalando-se solenemente no salão nobre da Escola Normal, a 11 de agosto de 1919, por ocasião das festividades do centenário de Vila Real, sendo orador oficial o acadêmico J. Cortes Júnior. Conquanto vencedora no campo intelectual, a novel academia só veio a ter sede definitiva em 1934, quando o interventor Ari Parreiras resolveu mandar cumprir a lei "Feliciano Sodré" que determinava fosse a Academia instalada no corpo central do Palácio da Biblioteca e Arquivo Público.

O Palácio da Justiça de Herodes para Pilatos

Quando Niterói voltou a ser capital do Estado, a Justiça não teve onde se alojar condignamente; por isso o Tribunal da Relação foi instalado precariamente em um velho prédio, e a Justiça local numa sala de fundos, imunda e escura da Escola Normal e que antes servia de cafua para a guarda dos utensílios de limpeza da escola. Tempos depois, conseguiu o Presidente do Tribunal mudar o órgão para o pavimento térreo do prédio da Secretaria Geral do Governo do Estado, inaugurando-o no dia 28 de junho de 1919, minense até que, no governo Alfredo Backer, foi iniciada a construção de um edifício para abrigá-la.

Ficava em frente ao palácio destinado Assembleia Legislativa, em terreno sito no Campo Sujo. Coube ao Presidente Raul Veiga terminar a obra e dar posse do edifício à Justiça do Estado, inaugurando-o no dia 28 de junho de 1919, com a instalação soleníssima do Júri Popular. O primeiro réu julgado, no já chamado Palácio da Justiça, foi Demócrito Francisco da Rocha, acusado de ter assassinado um português, dono de um botequim, que não lhe quisera vender fiado uma bebida. A defesa esteve a cargo do jovem advogado Acúrcio Torres, que conseguiu a absolvição de seu constituinte.

Passam-se os anos, o Estado progride, Niterói se expande e ganha ano a ano, mais população. O Palácio da Justiça torna-se pequeno para a tarefa. Várias reformas e aumentos são feitos no edifício, em pura perda, porém. A Justiça local está cada vez mais espalhada. O Tribunal vive em salas apertadas. Há necessidade de outro edifício. E o governador Geremias Fontes inicia, em 1970, o novo Palácio da Justiça, amplo, moderno e funcional, que deveria ficar pronto em três anos. Pena, lamentável mesmo, foi que para a construção desse palácio se sacrificasse a mais bonita praça (da República) de Niterói, onde estava o mais imponente monumento niteroiense.

Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 25 novembro de 1973

Na imagem de capa, o Palácio da Justiça - Fórum - na Praça da República, inagurado em 1919.


Série Niterói em três tempos








Publicado em 23/03/2023

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