Cap. 20 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
Niterói já almoçara e retomara seu trabalho quando um terrível estrondo abalou o centro da cidade, causando pânico geral. E logo uma espessa nuvem negra subiu ao céu para os lados da Armação, denunciando o fogo devastador. Em pouco, toda a cidade sabia que um grande incêndio, motivado pela explosão de um depósito de inflamáveis, ameaçava toda a ilha. O povo que se encontrava por dever do oficio ou por lazer no centro comercial correu para a Rua Visconde do Rio Branco a fim de melhor assistir ao terrífico espetáculo.
Um novo estrondo fez com que os menos afoitos saíssem correndo para as ruas mais afastadas da orla marítima, temerosos de que as horríveis explosões que se sucediam pudessem atingir as ruas mais perto do mar. E pelo resto do dia 28 de novembro de 1920, o fogo crepitou forte nas dependências da Marinha de Guerra.
No dia seguinte, verificou-se que numerosas casas das ruas próximas à Ponta d'Areia ficaram destelhadas, com paredes rachadas e vidraças partidas pelas violentas deslocações do ar produzidas pelas explosões. Extinto o incêndio é que se veio saber que a catástrofe poderia ter sido maior se fossem atingidos os depósitos maiores da Marinha. Felizmente também o total de mortos e feridos ficou muito aquém da cifra dada nas primeiras horas. Mesmo assim, dezenas de famílias tiveram que por luto.
O Fluminense de 20 de dezembro de 1920 publicou o Orçamento Municipal da Prefeitura de Niterói para o exercício seguinte pelo qual a receita orçada atingia Rs: 3.085.309$000 e a despesa, a Rs: 3.085.163$000. Na época, o tesoureiro da Prefeitura ganhava anualmente Rs: 6.000$000; um 3º Oficial, Rs: 5.600$000 e um contínuo, Rs: 2.400$000. De Impostos e taxas municipais, uma barbearia de primeira classe iria pagar, em 1921, Rs: 12$000, um botequim, Rs: 21$000, uma confeitaria-padaria, Rs: 36$000 a Rs: 40$000 e um hotel com comida, Rs: 48$000 a 60$000. Um caminhão pagaria Rs: 50$000 a Rs: 55$000 (dependendo da força do motor); um carro de passeio de 2 rodas, Rs: 40$000, e com 4 rodas, Rs: 60$000; porém, só as rodas fossem de pneumáticos, Rs: 35$000 para os carros de 2 rodas e Rs: 50$000 para os de 4 rodas. Uma vendinha na zona rural (Jurujuba, Pendotiba, Charitas) pagaria Rs: 10$00.
O Imenso Dr. March - Não, leitor amigo, não tire conclusões apressadas, pois a qualificativo em epígrafo não significa que o Dr. March fosse demasiadamente gordo e alto. O que nele era imenso era o coração, a prestabilidade, o amor ao próximo. "Pai dos Pobres", foi como O Fluminense o qualificou, ao noticiar, a 30 de agosto de 1922, a grande homenagem que a Federação Espírita Fluminense iria prestar em sua sede no Barreto, ao caridoso médico, que fizera de sua profissão um verdadeiro sacerdócio.
Quando ele morreu, o Barreto inteiro e os bairros circunvizinhos cobriram-se de luto: nunca houve, disse o jornal, morte mais sentida na zona norte da cidade. Após a missa de sétimo dia, o povo dirigiu um abaixo-assinado, com cerca de 5.000 assinaturas, à Câmara Municipal, pedindo que fosse dado à rua onde morara o abençoado médico, o seu nome. A Câmara, anuindo ao pedido, deu à antiga Rua dos Timbiras o nome de Rua Dr. March. Foi essa a maneira que o povo, em sua singeleza e sinceridade, encontrou para demonstrar aos porvindouros a sua imensa gratidão ao grande médico dos pobres, Dr. Guilherme Taylor March.
Como as Rosas de Malherbes - Niterói estava em festas. Tomava posse, nesse dia 2 de janeiro de 1923, na Presidência do Estado, o Dr. Raul Fernandes uma das mais legítimas expressões da inteligência e cultura fluminenses, que fora eleito em pleito memorável. Dez dias depois, Niterói tomava luto, luto cívico. O Presidente da República decretara a intervenção federal no Estado vingando-se, assim, dizia-se, de Nilo Peçanha que fora seu opositor nas eleições presidenciais realizadas em 1922. No entanto, esse mesmo Presidente da República redimiu-se depois de todos os seus erros, ao ficar com o Brasil em questões nas quais estavam em jogo vultosos interesses estrangeiros. Guardemos, pois, o seu nome: Dr. Artur Bernardes.
Houve quem na época, fizesse restrições à conduta do Dr. Raul Fernandes que, logo que soube do decreto de intervenção, apressou-se em deixar o Palácio do Ingá, sem esboçar um gesto sequer para salvaguardar o mandato que o povo lhe confiara.
A Ilha do Caju Novamente - Foi a 28 de fevereiro de 1925 e O Estado, em sua primeira página, noticiava em tipos grandes o tétrico acontecimento. A Ilha do Caju havia-se transformado de novo num terrível vulcão vomitando fogo e morte. O incêndio, de enormes proporções, começara na chata "Europa" que ancorada a poucos metros do cais da ilha, se incendiara quando descarregava gasolina. O vento forte levou as chamas para o armazém onde estavam depositadas 3.000 caixas com dinamite, do Ministério do Exército.
A explosão foi aterradora e sacudiu a cidade inteira, quebrando vidraças, rachando paredes, incendiando prédios na Armação e matando gente. Seus terríveis efeitos se fizeram sentir até em São Domingos. Inúmeras foram as vítimas e os prejuízos materiais. Três dias depois ainda foram encontrados corpos dilacerados entre os escombros. Niterói comoveu-se até às lágrimas e seu povo contribuiu com forte soma em dinheiro para as vítimas da catástrofe.
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 28 novembro de 1973
Na imagem de capa, Aspecto da Ilha do Caju tirado momentos após a explosão ocorrida em março de 1935 (Revista da Semana).
Série Niterói em três tempos