Cap. 22 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
A bela e o poeta - Em 1930, o Rio de Janeiro foi sede do Concurso Internacional de Beleza Feminina, concurso que levou à Capital Federal moças de quase todos os Estados e de vários países. No Estado do Rio, O Estado foi o promotor do certame do qual foi vencedora a Senhorita Maria Nazareth Lamego Vigiani, Miss Niterói. Para dar cobertura à eleição de Miss Estado do Rio. A Noite, o grande vespertino carioca, que assumira a direção geral do concurso, mandou Niterói o jovem jornalista e poeta Raimundo Magalhães Júnior que, entusiasmado com a serena beleza de Miss Estado do Rio, dedicou-lhe um Soneto que O Estado publicou, em sua edição de 29 de julho:
"Jeovah, buscando raras emoções.
Quis fazer um milagre de beleza
Que enfeixasse os esplêndidos florões
Da graça, da elegância e da nobreza.
Superando as mais altas expressões
Os prodígios sem par da natureza.
Deu-vos da formosura as seduções
E o porte augusto de ideal princeza.
Por Zeus! A vossa heráldica figura,
Expressão de beleza excelsa e pura.
No grande prélio estético triunfou:
Com tanto encanto e tanta majestade
Não sois mulher: sois mais. sois divindade.
Sois uma fada que se humanizou"
A Revolução de 1930
1930 principiara e corria sem maiores sobressaltos, quando, em outubro, a ronceira paz que cobria o Brasil esboroou-se. A receita cambial do País, cuja maior parcela era sustentada pelo café, começou a dar sinais de extrema fraqueza, desde o ano anterior, consequente ao terrível crack havido nos Estados Unidos com ruinosos resultados para a nossa economia cafeeira.
O Estado do Rio, que tinha também parte de seu orçamento alicerçado no imposto de exportação de seu café, sentiu sobremodo essas consequências danosas. A isso tudo, junte-se o mal-estar gerado pela derrota nas urnas do candidato Getúlio Vargas, da oposição. Inconformados com a derrota, os políticos ligados a Getúlio revoltaram-se contra o poder constituído, levantando tropas regulares e organizando batalhões de partidários, com os quais marcharam rumo ao Rio de Janeiro.
Era a revolução que explodia. Niterói viveu dias angustiosos tão logo o governo federal, sob a chefia de Washington Luís, fluminense de Macaé, que fez sua vida pública em São Paulo, sem confiança no Exército, chamou às fileiras os reservistas, o que precipitou a adesão das tropas aquarteladas no Rio de Janeiro e de sua população.
Em proclamação dirigida ao povo brasileiro, os revoltosos disseram que iam pôr o Brasil de pé. E puseram mesmo. O Gigante adormecido acordou, em 1930. Politicamente, Niterói que assistira à revolução entre medrosa e decepcionada, retomou sua costumeira vidinha desde que o Ingá foi entregue pelos revolucionários a um emérito Jurista, o Professor Plinio Casado.
O Muda-Muda - Por isso ou por aquilo poucos meses depois, o Dr. Plinio Casado era substituído pelo General Mena Barreto que tampouco se manteve no Governo, dando lugar ao Coronel Pantaleão Pessoa que, por sua vez, teria a substituí-lo o Comandante Ary Parreiras, nomeado a 12 de dezembro de 1931. Com essa nomeação, a aguerrida ala dos Tenente deu-se por satisfeita quanto à curul governamental do Estado do Rio. Assim, em pouco mais de um ano, o Estado viu-se governado por três representantes da Revolução de 1930.
A Catedral de São João Baptista - Na manhã de 14 de março de 1931, era entregue ao povo, completamente remodelada e restaurada a Catedral Metropolitana. O Bispo D. José Pereira Alves rezou missa solene acolitado por Monsenhor João de Barros Uchoa, incansável batalhador da obra e presidente da comissão que angariou fundos para a realização do grande empreendimento. Monsenhor Uchoa, no dia seguinte, embarcava para Campos em cuja Catedral ia exercer o cargo de Vigário.
Explosão da Ponta da Armação - Abril ia a findar quando ocorreu nova explosão nos depósitos de munição da Armada, onde existiam grandes quantidades de rupturita, dinamite, balas e bombas. Felizmente os Bombeiros, ajudados pela marujada, conseguiram apagar rapidamente o fogo. Mesmo assim, houve vítimas e o deslocamento do ar, provocado pela explosão quebrou vidraças das casas residencial próximas.
Visita Meteórica - Na tarde de 8 de abril de 1931, estiveram em Niterói, o Principe de Gales e seu irmão, o Príncipe Jorge que dias antes haviam chegado ao Brasil. Os ilustres visitantes foram recebidos pela colônia britânica com um coquetel no Rio-Cricket. Não passou de hora e meia a estada de S.S.A.A. em Niterói. O tempo de um scoth...
Um Natal feliz - foi de fato Natal feliz para a classe médica niteroiense e até mesmo fluminense, com a colação do grau da primeira turma de médicos da Faculdade Fluminense de Medicina, ambicioso sonho do Dr. Antônio Pedro que, no entanto, por ter falecido no final do ano anterior, não viu a tão desejada solenidade. O orador foi o doutorando Vasco Barcelos que depois, como sanitarista, iria prestar muitos bons serviços à Saúde Pública do Estado, como funcionário e, mais tarde, como titular da Pasta.
O Bélico 1932 - A vida da cidade ia aos poucos se normalizando, sob o comando do Prefeito Gustavo Lira que substituíra o Dr. Gastão Braga, quando, a 11 de julho, estalou o movimento revolucionário constitucionalista em São Paulo. O niteroiense passou dias de rádio, colado no ouvido, sintonizado para as estações de rádio paulista à espera de ouvir novidades que as estações cariocas, sob censura, não davam. Nesse mês, Niterói, como o Brasil inteiro, cobria-se de luto com a morte de Santos Dumont, O Pai da Aviação.
No Ingá, o Comandante Ary Parreiras governava o Estado como governaria a sua casa, tomando conta de tudo, olhando as despesas, fazendo economias e economizando ele mesmo as verbas palacianas, já que fazia suas refeições em casa para onde se vinha a pé, dispensando o automóvel oficial.
Festas Religiosas - 1933 foi um ano de festas na Igreja Católica em Niterói. No adro da Igreja do Colégio Salesiano, em meio a uma solenidade que atraiu grande número de sacerdotes e de católicos, D. José Pereira Alves, Bispo Diocesano, leu o Decreto Pontifício aclamando Nossa Senhora Auxiliadora Padroeira de Niterói. Mês e meio antes comemorara-se o cinquentenário da chegada ao Brasil dos primeiros salesianos e sua posterior vinda para Niterói. Foi o Bispo D. Pedro Maria de Lacerda, do Rio de Janeiro, quem aconselhou aos seguidores de D. Bosco a virem para Santa Rosa lecionar à juventude fluminense. Também em 1933, os salesianos festejaram outra data, a das Bodas-de-Ouro do Colégio.
1933 terminou com os brasileiros em paz e Niterói assistindo a uma cerimônia religiosa pouco comum. Era trasladada em soleníssima procissão, da Catedral para a Igreja do Rosário, a imagem de Nossa Senhoras das Necessidades, que fora trazida de Lisboa, em 1656, pelo Brigadeiro Balthazar J. de Abreu Cardoso, o mesmo que iniciara a construção da capela sob a invocação dessa Santa, na colina onde está a igreja. Na oportunidade, foi realizada a bênção do altar pelo Núncio Apostólico D. Aloisi Masella.
1934, Constitucional - Nos primeiros dias desse ano, Niterói foi homenageada pela Marinha de Guerra, com o lançamento ao mar, nos estaleiros do Arsenal de Marinha, na Ilha das Cobras, de uma corveta com e nome de
Niterói. A 16 de julho foi enfim promulgada a nova Constituição Federal votada pelo Congresso Nacional. Em sessão extraordinária, foi eleito pelo Parlamento o Dr. Getúlio Vargas para o período de 1934/1938.
Em setembro de 1934 era inaugurado o Instituto de Proteção à Infância, em prédio próprio, na Rua Visconde de Morais, realização do abnegado e saudoso médico Dr. Almir Madeira.
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em dezembro de 1973
Na imagem de capa, os fundos da Catedral São João Baptista, em foto tirada do Morro da Detenção (Pedreira ou Caixa D' água).
Série Niterói em três tempos