Cap. 23 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

O Centenário da Elevação da Vila Real a Categoria de Cidade e sua Escolha, com nome de Niterói, para Capital da Província.

1935 não começara bem, pois além de um grande incêndio na Ponta d'Areia, logo no dia 8 de janeiro, estalou uma greve do pessoal da Cantareira, parando os serviços de barca e de bondes. Depois de muitas marchas e contramarchas, a greve terminou no dia 12, e mais uma vez o preço das passagens foram aumentados.

E até 26 de março, a data festiva, Niterói viveu em calma, sem qualquer acontecimento de nota. Nesse dia festejava-se também a mudança do prosaico nome de Vila Real da Praia Grande, tipicamente português, pelo eufônico e significativo vocábulo tupi, Niterói. Tudo aconteceu em consequência do Ato Adicional à Constituição do Império, de 12 de agosto de 1834 e da lei n.º 2 de 26 de março de 1835.

A maior solenidade do dia 26 de março de 1935 teve lugar na Academia Fluminense de Letras, com a presença do Interventor Federal, Comandante Ary Parreiras, e do Prefeito Gustavo Lira. Pela manhã, na Catedral, havia sido celebrada Missa solene pelo Bispo Diocesano, à qual se seguiam, na parte da tarde e da noite, vários festejos socio-esportivos, como o jogo de futebol entre os times do Canto do Rio F.C. e do Fonseca A.C., e o baile oficial, no Clube Central. O niteroiense, contudo, embora o dia fosse de festas, estava longe de se mostrar alegre, antes demonstrava preocupação.

E que a cidade vivia num clima de alta tensão política, com as lutas entre Radicais e Progressistas, dois partidos aguerridos e importantes, disseminados por todo o Estado. A proximidade de eleições para a Assembleia Legislativa causava enorme agitação nos melos políticos e nos Sindicatos de Classe, agitação que se fazia sentir mais fortemente em Niterói. Os pródromos eleitorais tornaram o pleito que se aproximava, mais disputado e renhido.

Para tumultuar ainda mais o período pré-eleitoral, estavam também na disputa dois partidos que fugiam do figurino clássico, Integralistas e Comunistas (Aliancistas). Ferida a eleição, o partido do General Barcelos (Progressista) levou a melhor, mas, nas eleições suplementares, o quadro político mudou, já que o número de deputados estaduais, radicais e progressistas, era igual, o que fazia prever que a eleição do Governador era difícil, senão impossível, a menos que um daqueles deputados se passasse, à última hora, para o partido adverso. Foi, realmente, o que aconteceu. Pela maioria de um voto e à custa de um tiro, o Almirante Protogenes Guimarães elegeu-se Governador.

Por todos esses motivos, os festejos de mais um centenário, decorreram frios, sem o brilhantismo e animação das festas do outro centenário, ocorrido em 1919. Niterói, com minguada receita em torno de 10.000.000$000 gastando com o seu pessoal quase 83 por cento de sua arrecadação, vivia sem crédito, devendo a todo o mundo, inclusive a seus funcionários. Ano de 1935, mês festivo de março, e a Prefeitura não havia pago as folhas do pessoal relativas a novembro do ano anterior (1934) ...

No entanto, Niterói havia progredido bastante entre 1919 e 1935, apesar de sua fisionomia citadina não apresentar, nesses 16 anos, grande diferença para melhor. Existiam no município 2 fábricas de fumo, 3 do tecidos (2 de algodão e 1 de soda), 1 de fósforos, 1 de cerveja, 1 de botões, 4 de móveis, 1 de massa alimentícia, 1 de artefatos de vidro, além de outras de doces, tamancos, ladrilhos e de fogos de artificio.

Havia é verdade, os conjuntos industriais bélicos do Governo Federal e a indústria marítima, no Toque-Toque. A mais importante indústria, afora essas últimas, era a química-farmacêutica do Instituto Vital Brazil.

O niteroiense em 1935 continuava a lutar com a falta d'água, a deficiência da sua rede de esgotos, mau estado do calçamento urbano e os mosquitos que lhe perturbavam o sono. Se adoecesse e não tivesse dinheiro, teria que subir o íngreme Morro de São João para enfrentar as filas dos ambulatórios do único hospital da cidade, o já então Hospital-Escola da Faculdade Fluminense de Medicina, cuja maternidade foi inaugurada naquele ano. Havia, é verdade, o Centro de Saúde, mas como a medicina oficial era voltada para o sanitarismo, cuidando, antes de tudo, de evitar as epidemias e não o tratamento de doenças não transmissíveis, o jeito era o povo procurar o velho hospital, deficiente em tudo, exceto na dedicação e competência de seu corpo clinico, de primeira ordem.

Mas, se o niteroiense estivesse em perfeito estado de saúde e tivesse alguns mil réis no bolso, além da praia e dos clubes esportivos e sociais (o Clube Central reunia a elite) poderia divertir-se indo aos cinemas Eden, Central, Imperial (o melhor deles), Paris, Odeon e Royal, se não preferisse visitar a Primeira Feira de Amostras de Niterói, inaugurada no dia 24 de abril, quando desabou sobre a cidade um terrível aguaceiro que inundou Centro e alguns bairros.

E 1935 ia-se findando, tumultuado e sob "estado de guerra" impostos no País, quando explodiu em novembro a revolta do 3º Regimento de Infantaria, sediado na Praia Vermelha (Rio) e da Escola de Aviação do Campo dos Afonsos, logo, porém, sufocada pelas forças fiéis ao Governo. Niterói, sempre à mercê de ataques vindos do mar, viveu horas de angústia, com o boato que dava como certa a insurreição da Armada. Coube à Prefeitura de Niterói dar a nota de paz e trabalho, inaugurando, festivamente, o calçamento da extensa Rua Dr. March, secundada pelas festas dos ex-alunos do afamado Externato Halfeld, em 1899, pela Professora Corina Halfeld e suas irmãs Maria e Judith.

Finalmente, Almirante Protogenes Guimarães pôde passar o último dia de 1935 no Palácio do Ingá (atual Palácio Nilo Peçanha), com sua família, amigos e auxiliares, com o Estado em paz, como em paz estava todo o País.

1936

O ano começou dando aos fluminenses, no dia 22 de janeiro uma nova Constituição e a posse do novo prefeito da Capital, elemento ligado ao "macedismo, pequena, mas, atuante corrente política dirigida pelo jornalista J. E. de Macedo Soares, já falecido.

Outros prefeitos foram então nomeados pelo Governador Protogenes, entre eles, o de Teresópolis, cuja escolha recaiu no então Major Paulo Torres, que assim iniciava sua vida pública com o pé direito, tanto que chegou, anos depois, ao Ingá e ao Senado, mercê de sua boa estrela e de seus vários atributos pessoais.

Em 1936, o Governo Federal, temente, ainda, dos rescaldos do "Incêndio vermelho", resolveu prorrogar o "estado de guerra" e estendê-lo a todo o Pais, cabendo aos Governadores a sua execução. Mas, Vênus nesse mês se opôs a Marte e no Estado do Rio, era nomeada, para Angra dos Reis, a primeira mulher prefeita do Brasil, Professora Horondina Vilhena.

1936 foi o ano do jogo. Jogava-se tudo em Niterói e em alguns municípios. Jogo do bicho, roleta, bacará, campista, etc., etc. Os cassinos proliferavam. Em Niterói, havia seis deles: um na Rua Visconde do Rio Branco, a dez passos da Praça Martim Afonso. Junto ao clamor das pessoas sensatas, uma voz jovem levantou-se contra a jogatina a do vereador Brígido Tinoco. O moço edil fora Delegado de Polícia no Governo Ary Parreiras e dirigira a Delegacia de Contravenções, desencadeando pertinaz campanha contra o fogo, o que lhe valeu certa popularidade na cidade.

De atitudes sempre elegantes e corretas, o niteroiense Brígido Tinoco (nasceu no Barreto, filho do estimado farmacêutico Mário Tinoco), ocupou sucessivamente, depois de 1937, quando perdeu a vereança, os cargos de secretário da Prefeitura de São Gonçalo e da Prefeitura de Niterói, a cujo Governo ascendeu em 1945. Elegendo-se Deputado Federal pelo PSD, do qual fora um dos fundadores, Brígido Tinoco foi, ao tempo do governo-relâmpago do sr. Jânio Quadros, Ministro da Educação. Reatando com a política depois de dez anos, aos quais serviu com brilhantismo à Justiça do Trabalho, Brígido voltou à Câmara dos Deputados, em 1971, eleita pelo MDB.

E o ano de 1936 findou-se sem mais fatos dignos de registro para a historiografia de Niterói.


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 1 de dezembro de 1973

Na imagem de capa, primeira sede do Instituto Vital Brazil, na Rua Gavião Peixoto, nº 360, em Icaraí. A nova sede foi inaugurada em setembro de 1943.


Série Niterói em três tempos








Publicado em 28/03/2023

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