Cap. 25 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Ainda com o povo e as classes conservadoras apalermadas com o inopinado golpe de 10 de novembro do ano anterior, 1938 começou com dificuldades várias para o novo regime, oriundas, em parte do agravamento do custo de vida, de enorme repercussão popular.

Para o Estado do Rio, o princípio do ano foi de pesar, com o falecimento do Almirante Protógenes Guimarães, após longa e cruel doença. Niterói, que acompanhara de perto todo o drama vivido pelo Almirante, sentiu a sua morte, por ele mesmo e por sua desdita.

A 11 de maio, o Brasil inteiro parou de respirar por alguns segundos, preso às notícias sobre o ataque de alguns afoitos integralistas ao Palácio Guanabara, residência oficial do Chefe do Governo, ocorrido pela madrugada. Mas, aos poucos, o povo ficou sabendo, e com alegria, que fracassara o assalto e que o Presidente Getúlio Vargas e seus familiares nada haviam sofrido além do susto. E o povo voltou a respirar aliviado.

E 1938 foi fluindo entre a incompreensão de uns poucos e a esperança da maioria em dias melhores, já que Vargas muita coisa boa prometia ao povo. E o Estado Novo, que ganhara novas forças e prestígio popular com o fracassado golpe, pôde terminar o ano em paz.

O Prefeito Niteroiense

Em 1939 Niterói foi aos poucos se acostumando com o moço Interventor e com o seu prefeito (João Francisco de Almeida Brandão Junior), homem carrancudo, pouco simpático, de pouco falar e desconfiado ao extremo. Não se conhecia ainda o seu programa de obra, mas sabia-se que ele tinha a mão pesada sobre os que deviam ao erário municipal; que lia e relia tudo quanto envolvesse aumento de despesa, dedicando especial atenção às concorrências públicas e tomadas de preço.

Uma limpeza em regra começara a ser feita na Prefeitura. O Homem, dizia-se nos corredores e saguões da Prefeitura, mas parece Chefe de Polícia do que Prefeito... O fato é que a Prefeitura começou a tomar jeito e a pagar em dia seus compromissos.

O Estádio Caio Martins

Em 1939 realizou-se o sonho dos desportistas niteroienses, com a inauguração do Estádio Caio Martins. Sua história é simples. Em 1936 um grupo obteve autorização para explorar, em Niterói, as corridas de cachorros. E célere um cinódromo foi precariamente construído em Santa Rosa. Mas, contra a função levantou-se a Associação Protetora dos Animais e a corrida de galgos michou. O cinódromo ficou sem utilidade até princípios de 1939, quando o interventor fluminense resolveu transformá-lo em um estádio de futebol; construindo dois lances em cimento armado de arquibancadas e murado o campo, que foi convenientemente gramado. Depois foi construída a piscina olímpica.

Mas quem foi Caio Martins? - perguntará o leitor. Caio Martins foi um escoteiro mineiro - que faleceu em princípios de 1939, procurando salvar a vida de uma dezena de companheiros. Era, pois, um herói. Dois clubes niteroienses foram os usufrutuários do campo de futebol e da piscina: o Canto do Rio FC e o Clube de Regatas Icaraí. Graças a isso, pode o primeiro disputar o campeonato carioca de futebol (por ter campo próprio), onde fez boa figura, e o segundo, devido à piscina olímpica, pôde treinar suas equipes de natação de tal modo que, durante sete anos seguidos, ganhou o campeonato de natação infanto-juvenil carioca.

A Segunda Guerra Mundial

Em agosto de 1939 eclodiu a Segunda Guerra Mundial ensanguentando a Europa, África e Ásia, com os exércitos alemães invadindo a Tchecoslováquia, sem declaração de guerra formal numa conflagração que só iria terminar em 1945.

Um Toque de Sensibilidade

Depois de um 1940 em paz e sem maiores novidades, 1941 começava bem, no Estado do Rio. Em janeiro era inaugurado o Museu Antonio Parreiras, com a aquisição pelo governo do Estado da casa, atelier e telas do grande pintor. E no resto do ano, Niterói assistiu às inaugurações de três belos Grupos Escolares e o início da construção de outros três, na cidade. Mas em novembro de 1941, a guerra chegava à América, com o inopinado ataque aéreo japonês à base aeronaval de Pearl Harbour, que levou os States para a carnificina.

E la se foi a paz caseira...

1942. A paz caseira que o Brasil desfrutava terminou e ele foi arrastado à guerra, por causa dos navios mercantes nacionais afundados pelos submarinos alemães. O niteroiense, como os brasileiros em geral, foi para as ruas protestar contra o insólito ato de banditismo nazifascista e dar largas ao seu patriotismo inflamado. E vieram dias de aflições, de choro e medo. Era o sofrimento que chegava ao povo, a esse mesmo povo que daria à Pátria, meses depois, para a FEB (Força Expedicionária Brasileira) o que de melhor tinha: sua juventude.

E com a guerra, o Brasil passou a fornecer víveres aos navios de guerra americanos e ingleses que comboiavam os navios mercantes brasileiros e de outras nacionalidades que chegavam aos portos nacionais. E com isso começaram a nos faltar gêneros de primeira necessidade. Também era pequenina a nossa frota de cabotagem, como deficiente era igualmente o nosso sistema rodoviário interligando as zonas produtoras aos centros consumidores. Dessas deficiências nasceu o combatido "câmbio-negro" e as intermináveis filas de consumidores nas portas dos açougues e mercearias.

Novo Epiteto para Niterói

Logo após o afundamento dos nossos navios, os estudantes, que sempre nas horas difíceis para a Pátria têm sido dos primeiros a acudi-la, programaram para a Capital da República (Rio de Janeiro) um grande comício de protesto. Mas, como ainda estivéssemos "neutros", a Polícia Federal não deu consentimento para sua realização. E os moços vieram então a Niterói falar a um outro moço que governava o Estado. Vieram e venceram. 22 de junho de 1942. Às 21 horas o amplo anfiteatro da Faculdade de Direito estava superlotado; na rua, ouvindo os alto-falantes, outra multidão se comprimia defronte ao prédio da Rua Presidente Pedreira. Dentro do edifício, estudantes dos quatro cantos do País começaram a protestar contra o torpedeamento dos navios brasileiros e a pedir declaração de guerra ao Eixo Berlim-Roma.

Presidindo a solenidade, o Interventor Federal, que nunca escondera suas preferências pela causa aliada, abriu o grande comício dirigindo um férvido apelo à mocidade estudantil e ao povo para que cerrassem fileiras em torno do governo para o combate aos inimigos de amanhã. O orador oficial da União Nacional de Estudantes, promotora do conclave, focalizando o apoio do Comandante Amaral Peixoto e sua intrepidez cívica, chamou-o de "Comandante da Mocidade Brasileira". Outro orador, estudante em São Paulo, depois de verberar em termos candentes a proibição da Polícia Federal, disse que o comício dos estudantes só pôde ser realizado "naquela abençoada França Livre, que era a cidade de Niterói".


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 5 de dezembro de 1973

Na imagem de capa, o cinódromo de Santa Rosa


Série Niterói em três tempos








Publicado em 28/03/2023

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