Cap. 26 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
Em Niterói, apesar da guerra, nem tudo tinha o sabor amargo, de sangue, de decadência. No turbulento 1942 houve dias de paz, de amor ao próximo e a Deus. Entre os dias 27 e 30 de agosto realizou-se o Primeiro Congresso Eucarístico de Niterói, em comemoração do jubileu áureo da Diocese, organizado pelo saudoso bispo D. José Pereira Alves, uma das melhores e maiores expressões do clero brasileiro. Foram quatro dias de festa para os fluminenses.
Ao Congresso compareceram o representante do Papa Pio XII D. Aloisi Masella; o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme; Bispos fluminenses e de outros Estados, autoridades civis e militares, tendo à frente o Interventor Federal e sua esposa, D. Alzira Vargas do Amaral Peixoto; o Prefeito Brandão Júnior, Secretários de Estado e numerosas Associações religiosas.
1943 foi um ano difícil para os brasileiros por causa da guerra. Os jornais noticiavam que o Brasil mandaria uma Força Expedicionária para os campos de batalha, ao lado dos aliados. Para a FEB, o Estado do Rio deu 491 jovens, dos quais 87 eram filhos de Niterói. Com a guerra, Niterói viveu dias de angústia e de sofrimento. E veio o blackout, com o litoral, desde o Saco de São Francisco, às escuras. E o ano de 1943 terminou com esta capital assistindo a mais uma exposição de Belas-Artes, no salão do Clube de Regatas Icaraí e IV Salão de Fotografias Artísticas.
Os Nossos Pracinhas
1944 marcou a ida dos nossos pracinhas para a Itália e a invasão da Europa pelos exércitos aliados comandados pelo General Eisenhower. Nesse mesmo ano começaram os exercícios obrigatórios da Defesa Civil para todos os cidadãos. Niterói assistiu a um deles, em julho. A uma determinada hora, as sirenes de aviso soaram. A cidade inteira parou; os bondes e automóveis estacaram onde estavam e as pessoas tiveram que procurar em minutos onde se refugiarem.
Os que estavam nos cinemas ficaram quietos, com as salas de projeção às escuras. Apenas trafegavam ambulâncias e carros das autoridades encarregadas do exercício. Quem quisesse acender um cigarro teria que fazê-lo de modo a que não projetasse luz nem para frente e nem para os lados. E o povo ordeiro de Niterói tornou o exercício mais fácil, por sua compreensão e obediência. Uma alta autoridade militar americana que, convidada especialmente, assistia ao exercício, falando depois à imprensa elogiou a disciplina do niteroiense.
A Academia Niteroiense de Letras
Antes de terminar o ano de 1944, surgiu auspiciosamente a Academia Niteroiense de Letras para abrigar a quantos, homens e mulheres de inteligência e cultura, residiam ou trabalhavam efetivamente em Niterói. Dentre os intelectuais que acudiram ao chamamento do Desembargador M. de Toleto Pizza, idealizador e principal incentivador da ANL, estavam: Lars Villela, Macário Picanço, Arídio Martins, Marcos Almir Madeira, Luiz Palmier, Monsenhor João de Barros Uchoa, Valfredo Martins, Geraldo M. Bezerra de Menezes, Lealdino Alcântara, Maurício Caminha de Lacerda, Desembargador Guaracy Souto Malor, Brigido Tinoco, Alberto Torres, Jeferson d'Ávila, Ramon Benito Alonso, Ruy Buarque Nazareth, Rubens Falcão, Santa Cruz Lima, Raul de Oliveira Rodrigues, Heitor Gurgel, Sylvio Lago, Vasconcelos Torres, Horácio Pacheco e outros.
1945, O Ano da Paz
A primeira grande notícia desse período foi dada por José Américo de Almeida, que fora ministro de Vargas, em 1930. Em entrevista ao "Correio da Manhã", o autor de "Bagaceira" disse que "era hora de mudar, que era necessário acabar com o Estado Novo e que enfim era mister convocar eleições gerais, em todo e País". Em resposta, os "queremistas" (partidários de Vargas) com o líder comunista Luiz Carlos Prestes à frente, iniciaram no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e em Niterói, comícios relâmpagos pedindo "Constituinte com Vargas".
Outra notícia de relevo que iria abafar a primeira, foi a rendição incondicional assinada pelos alemães. O mundo inteiro vibrou. Em Niterói, a "França Livre" do Brasil, o povo que já havia começado a trabalhar, parou e foi para as ruas dar largas à sua incontida alegria. Nas sacadas dos edifícios das ruas do centro surgiam bandeiras dos Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e do Brasil e os niteroienses em passeatas pelas ruas e avenidas, davam vivas aos países aliados e o término da guerra. Nesse mesmo mês de maio de 1945 começava a construção do primeiro edifício da Avenida Amaral Peixoto o "Arariboia".
Dois meses depois, em julho (dia 9), uma notícia bem triste para os fluminenses e em particular para Niterói: falecia o bravo Almirante Ary Parreiras. Seu enterro foi dos maiores a que a cidade assistiu.
A 4 de setembro, as barcas saiam para o Rio de Janeiro apinhadas de gente desejosa de assistir ao desfile do 1º Contingente da FEB, que regressava à Pátria, coberto de glória. Os "Pracinhas" tiveram apoteótica recepção popular.
Fim da Guerra e de uma Época
Antes do ano de 1945 terminar, duas bombas atômicas punham fim à guerra do Pacífico, entre os Estados Unidos e o Japão. No Brasil, o Estado Novo perdia terreno, dia a dia. Em outubro chuvoso, no dia 24, chegava ao fim o regime implantado em 1937, com a deposição de Getúlio Vargas pelas Forças Armadas. Nesse mesmo dia, horas antes, no Ingá, o Comandante Ernani do Amaral Peixoto passara o governo ao Dr. Alfredo Neves, desincompatibilizando-se para concorrer às eleições marcadas para 1946.
O poder da balança de Temis
E os governos federal e estadual foram parar às mãos do Presidente do Supremo Tribunal Federal (Ministro José Linhares) e dos Tribunais de Justiça dos Estados. No dia 29 desse mesmo mês, assumia, no Ingá, o Desembargador Abel Magalhães que nomeou para a Prefeitura de Niterói, o engenheiro Sabino Mangeon. No dia 2 de dezembro, realizaram-se as eleições para a Presidência da República e Congresso Nacional, saindo vencedor, na primeira, o General Erico Gaspar Dutra, candidato do PSD e com o apoio de Vargas.
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 6 de dezembro de 1973
Na imagem de capa, ilustração da sede da Academia Niteroiense de Letras
Série Niterói em três tempos