Cap. 27 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
O Estado do Rio durante o governo do Marechal Eurico Dutra foi governado por dois interventores, um governador interino e por outro eleito por todos os partidos (coalizão). No dia 12 de fevereiro de 1946 era nomeado para a interventoria fluminense o Comandante Lúcio Martins Meira que governou meses, sendo substituído pelo Coronel Hugo Silva, que também foi governo meses apenas.
Para a Prefeitura, o Comandante Meira nomeou, o médico José de Moura e Silva, que nem tempo teve de assenhorear-se da administração, sendo substituído pelo General Manoel Antunes de Castro Guimarães (no governo Hugo Silva) que iniciou o ano de 1947 com o ato justo, estabelecendo a denominação de Feliciano Sodré à avenida que os revolucionários de 1930 tiraram para dar o nome de um dos seus, o Capitão Jansen de Melo.
Nas vésperas do Carnaval, quando se aprostava para comparecer ao baile do Clube Central (que habitualmente frequentava) foi o Interventor Hugo Silva substituído por um grande fluminense, o Dr. Alvaro Rocha, que, no mesmo dia, nomeou para a Prefeitura niteroiense o engenheiro Breno de Abreu Sodré. Durou 17 dias o governo Alvaro Rocha, que deixou o Ingá com o coronel Edmundo de Macedo Soares e Silva. E Niterói passou a ter novo prefeito, o Comandante Celso Aprigio de Macedo Soares Guimarães, um prefeito bastante trabalhador.
Assim, em menos de 2 anos, de outubro de 1945 a fevereiro de 1947, dirigiram o Estado 1 bacharel (Abel Magalhães); um Oficial da Marinha (Lúcio Meira); dois Oficiais do Exército (Hugo Silva e Edmundo de Macedo Soares), enquanto dirigiam a Prefeitura de Niterói 2 engenheiros (Sabino Mangeon e Breno de Abreu Sodré), 1 médico (Moura e Silva), 1 Oficial do Exército (Castro Guimarães) e 1 Oficial de Marinha (Celso Aprigio).
Niterói viu o carnaval de 1947 como os demais, mais de salão que de rua e uma quaresma debaixo de chuva. Ia março acabando quando uma tragédia ocorreu no mar com mortos e feridos. A lancha "Cubango", da Frota Carioca, superlotada, incendiou-se ao se aproximar do cais, no Rio de Janeiro, os passageiros que sabiam nadar atiraram-se ao mar e se salvaram; outros foram salvos pelas boias jogadas das barcas Icaraí e Niterói que estavam atracadas no cais. O incêndio destruiu completamente a embarcação. A maioria dos feridos e dos mortos residia em Niterói.
Setembro de 1947 seria um mês de festas para a Câmara Municipal de Niterói, fechada desde 1937. Para receber os novos edis, a Casa passou por uma reforma em regra que foi da pintura geral do prédio à raspagem e enceramento do assoalho. E, na Ata lavrada pela Mesa, nesse dia, constam os nomes dos novos vereadores: Silvio Picanço, Newton Guerra, Jorge Sador, Alvaro de Barros, Teófilo Braga Rodrigues, Moacir Dario Ribeiro, Onacir Pereira da Silva, Tobias Barreto, Alvaro Caetano de Oliveira, da UDN (União Democrática Nacional) e mais, Palmir Silva, Alédio Oberlaender, Enéas Cruz Nunes e Hernani Silva, do PTB-PSD, além da Sra. Edith Castex de Oliveira e Teotônio Francisco Vieira, do PL, Norival de Freitas, do PR, Jamil Sabrá, do PSP e, finalmente, o médico Francisco Pimentel, do PRP.
Um Natal triste
Véspera de Natal. O povo niteroiense se apresentava para comemorar festivamente o nascimento de Jesus Cristo. A alegria reinava em todos os lares, pobres e ricos. Todos se afanavam na compra de presentes para os seus entes queridos. Nas casas, já se viam armados o Presépio e a Árvore de Natal. Mas no dia 23, Niterói pôs luto, luto pesado, por seu querido Bispo, D. José Pereira Alves. O ilustre prelado, dias antes de morrer, como que advinhando que seu fim estava próximo, escreveu uma carta ao Padre Antônio Macedo e a Monsenhor João de Barros Uchoa, pedindo-lhes que amparassem sua velha mãe. D. José morreu pobre, como pobre vivera. O Natal de 1947 foi bem triste para Niterói. Por isso, a tradicional Batalha de Confetes que o jornal O Estado realizou na noite de 31 de dezembro, foi nesse ano um fracasso.
Comunistas fora da lei
Logo nos primeiros dias de 1948, os jornais abriram colunas para noticiar a cassação dos mandatos dos deputados eleitos pelo Partido Comunista. E, de fato, dias depois perderam o mandato os deputados estaduais fluminenses: Walquírio de Freitas, Lincoln Oest, José Brigagão, Celso Torres, Horácio Valadares e Pascal Daniello. Sem imunidades, os cassados acharam melhor trocar Niterói pelo interior e por outros Estados e quando a Política despertou não encontrou nem um só...
O carnaval de 1948 foi sangrento. Na segunda-feira apareceu gravemente ferido a golpe de machado, no interior de sua residência, à rua Gal. Castrioto, um jovem casal recém-chegado de Minas Gerais, Abel e Araci Abelha. Desconfiando desta, por serem os seus ferimentos superficiais enquanto os de Abel eram profundos e mortais, a Polícia conseguiu do Juiz Criminal a decretação de sua prisão preventiva. Enquanto se processavam as demarches com o magistrado, Araci fugiu. Descoberta, muito tempo depois, no Rio de Janeiro, ela foi finalmente presa. O crime abalara a cidade, não só porque se revestiu de crueldade, como porque a Polícia custou muito encontrar uma pista.
Diariamente, durante cerca de um mês, numerosos suspeitos foram detidos, em pura perda, porém. Um dia deu um "estalo de Vieira" no Delegado que presidia o inquérito e Araci acabou na prisão. Aliás, o experimentado repórter de 'A Noite', em Niterói, o Jornalista Aristides Melo, vinha chamando a atenção da Polícia para as contraditórias declarações de Araci. E foi por uma delas que os policiais puderam esclarecer o caso.
E março terminou com a exoneração, a pedido, do Prefeito de Niterói, Comandante Celso Aprigio de Macedo Soares Guimarães que, no mesmo dia, foi substituído pelo Dr. José Inácio da Rocha Werneck, político filiado à UDN. Era o começo do rompimento do Governador Macedo Soares com o PSD e o PTB. A substituição de um prefeito apolítico por um político militante traduzia bem a intenção do Governador.
E antes de findar o mês, soube-se no Palácio Episcopal que o Papa havia transferido o Bispo de Mariana, D. João da Mata Amaral, para o Bispado de Niterói.
1948 findou com a absolvição de Araci Abelha, pelo Tribunal do Júri. Causou espécie ao povo a rapidez com que andou o processo de Araci, entre sua prisão e o julgamento. O promotor, não se conformando com a absolvição, disse à Imprensa que iria recorrer da sentença, ne forma da lei, mas, o prazo esgotou-se e a apelação não se configurou.
Baleia em Niterói
O carioca de 1858, com D. Pedro II à frente, foi a Copacabana para ver duas enormes baleias que ficaram encalhadas no areal. Diga-se de passagem, que para se ir então a Copacabana era preciso viajar de carruagem ou a cavalo, umas duas ou três horas. Niterói, quase um século depois, no Ano da Graça de 1949, teve também a sua baleia para ver e apreciar. O fato ocorreu na madrugada de 18 de fevereiro e logo a notícia se espalhou, com brevidade.
Os bondes, ônibus e automóveis foram poucos para transportar os que desejavam ver de perto o cetáceo, apontado como a maior baleia jamais vista pelo homem. Aconteceu que uns rapazes do Audax Yatch Clube estavam pescando um pouco além da entrada da barra, lá para os lados da Praia de Adão e Eva, quando avistaram baleia e a arpoaram. Embora o "Pisco" fosse um barco forte e feito para enfrentar o mar grosso e seus tripulantes adestrados marinheiros e pescadores, não foi fácil puxar a balela até as águas tranquilas de Jurujuba, dada a resistência oposta pelo grande peixe.
As horas tantas, o cetáceo conseguiu enfim livrar-se do arpão e foi para o mar alto, embora perdendo bastante sangue. Três dias depois, a baleia apareceu morta em Macaé. Mas os niteroienses que souberam cedo da notícia - e foram centenas deles - puderam chegar a Jurujuba a tempo de assistir à parte de grande luta entre os pescadores e baleia.
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 7 de dezembro de 1973
Na imagem de capa, a Barca Cubango (Arquivo Público do Estado de São Paulo)
Série Niterói em três tempos