Cap. 30 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

Disse O Estado, em sua edição de 15 de janeiro que 1958, começou para Niterói muito bem porque no dia 13 passado, não morreu ninguém. Em compensação, nesse mesmo dia foram registradas 46 crianças, das quais 25 eram do sexo feminino. E o ano foi indo assim, quando o niteroiense, acompanhando o brasileiro de todos os quadrantes, explodiu num só grito: Brasil! Viva o Brasil! E que no dia 16 de julho, o Brasil sagrava-se Campeão Mundial de Futebol, na Suécia, acabando de vez com o complexo que vinha carregando desde 1950, quando em casa perdemos para o Uruguai...

Um Campista no Ingá

Uma notícia política encheu os campistas de justificado orgulho: depois de um largo interregno de tempo, voltava ao Palácio Nilo Peçanha (então Palácio do Ingá) como governador do Estado, um conterrâneo. E Niterói compartilhou da alegria dos campistas. O Dr. Miguel Couto Filho renunciara para poder concorrer à senatoria, sendo substituído pelo Presidente da Assembleia, Deputado Togo de Barros.

Candidatura Trabalhista

Foi em agosto que se decidiu, afinal, a candidatura ao governo do Estado do jovem líder trabalhista Roberto Silveira que, em verdade, há muito se vinha preparando para o evento, percorrendo em propaganda de sua candidatura todo o Estado. E foi então que a história do túnel Niterói-Rio tomou incremento com a ajuda da inteligência e prestígio do saudoso Roberto Silveira. Livre por ter renunciado, o Dr. Miguel Couto Filho reuniu-se ao jovem trabalhista apoiando-o ao Ingá, enquanto Roberto Silveira, em troca, o apoiava para o Senado. Foi de tai sorte esse apoio que ex-governador Couto Filho conseguiu derrotar nas urnas o já então Vice-Almirante Ernani do Amaral Peixoto. E que o "Comandante" estava ausente do Brasil, Embaixador que era nos Estados Unidos, e só teve dois meses para percorrer o Estado em campanha eleitoral, quando todo o interior já havia tomado posição política, assumindo compromisso com o Sr. Miguel Couto Filho. Acredito, porém, que se não fosse a ajuda de Roberto Silveira o Comandante não teria perdido a eleição.

Mas a sensacional notícia do ano foi dada pelo PSD que, por indicação de seu presidente lançou a candidatura do ilustre fluminense, Dr. Raul Fernandes, à senatoria. Foi um terrível impacto nas hostes udenistas e do situacionismo estadual. Mas a UDN, de cujos quadros partidários fazia parte o Dr. Raul Fernandes, não aceitou a indicação de seu correligionário.

Para a Prefeitura de Niterói, o Trabalhismo indicou o candidato vencedor, o médico Dr. Wilson de Oliveira, político novo, mas conhecido clínico em Niterói.

O Clube Dramático Fluminense

Em 1958, quase no final, transcorreu o 43° aniversário de fundação do Clube Dramático Fluminense, fundado em Niterói, em 1915. Seu diretor, Professor Daniel Gonçalves, falando à O Estado, lembrou que no clube fizeram seu aprendizado os artistas Ismênia dos Santos, Luís Delfino, Castro Viana, Dulcina de Morais, Zezé Macedo, Amélia de Oliveira, Eduardo Souto, Estefannia Lopes, Olga Louro, Iris Fróis, Joyce de Oliveira, Carlos Couto, Jesus Ruas, Ramos Junior e muitos outros consagrados nos palcos e tevês brasileiras.

Um homem de sete instrumentos

Carlos Couto, homem de sete instrumentos, jornalista, ator, compositor, e produtor de TV - Coisas da Praia Grande -, com este mesmo título teve uma seção nas colunas de O Estado, nos anos de 1957 e 1958. A coluna aponta uma relação de compositores niteroienses dos anos de 1940 e 1950, muitos com músicas de sucesso. De 1940, são: Paulo Medeiros ('Sorris da Minha Dor'); Américo Seixas ('Vida de Bailarina'); Gomes Filho ('Festa Iluminada'); Almanir Grego ('Polichinelo'); Alcebíades Nogueira ('Confiança'); Paulo Borges ('Farrapo'); e Silvio Viana ('Icaraí').

Hélio Rosa, médico e irmão de Noel Rosa; Ivo Martins, Hélio Nascimento, Irani de Oliveira, Luís Carlos Reis, Sílvio Lago, médico e poeta, Cícero Nunes, Américo Seixas, Rosalino Serra, Ari Frasão, Carlos Medeiros, Guilherme Pereira, Oto Borges, Wilmar Braga, Heber Lobato, radialista e jornalista; Mirobeau Pinheiro, Luiz Antonio Pimentel, poeta e escritor; Paulo Medeiros, Walfrido Silva, Francisco Pimentel, médico e poeta; Nélson Souto, Roberto de Andrade, jornalista e homem de teatro; e Paulo Renato são alguns dos compositores de 1950.

Niteroienses de Coração

Cauby Peixoto, admirável cantor que todo o Brasil aplaude, em entrevista a O Estado, num domingo de 1959, disse que nascera no Rio de Janeiro, mas que aos cinco anos de idade, por ter perdido o pai, se mudara para Niterói para casa de uma tia, professora Corina Peixoto. O artista disse que fizera o curso primário no Grupo Escolar Hilário Ribeiro e parte do ginásio no Colégio Salesianos, concluindo-o mais tarde, no Liceu de Artes e Ofícios, no Rio de Janeiro para onde voltara a residir. Mais tarde, já no primeiro ano de Direito, estreou na Rádio Mayrink Veiga, com bastante sucesso.

Foi sua tia Corina quem lhe deu as primeiras aulas de música e lhe ensinou a cantar. Do muito que aprendeu com D. Corina, deu mostras suficientes quando ainda estava no Salesianos, ao ser incluído no coro do colégio. Foi nessa época que ele foi tocado pela religiosidade, chegando até a pensar seriamente em se tornar padre. Com a volta ao Rio de Janeiro, esmaeceuse-lhe a idéia religiosa. Foi nessa ocasião que Cauby teve que fazer nova opção, desde feita entre o breviário e o rádio. E o conhecido artista concluiu sua entrevista assim: "Foi pena que isso acontecesse, pois eu bem que poderia me tornar um José Mojica brasileiro."

Ciro Monteiro, primo-irmão de Cauby, sempre falava com saudades do tempo em que morou em Niterói, da Escola Hilário Ribeiro, onde aprendeu a ler, e da roda boêmia, que frequentava em Niterói, ao se tornar rapaz. Meses antes de falecer, Ciro Monteiro revelou que foi numa tarde-noite, no Restaurante Mira-Mar, numa daquelas mesinhas do mirante, ao ar livre, que ele compôs o seu primeiro samba. E foi também em Niterói que ele aprendeu a "tocar caixa de fósforos" tendo como professor um dos malandros mais temidos do Valonguinho. Na época, Ciro era um rapaz tímido e magérrimo, ao passo que o malandro era, além de musculoso, um verdadeiro artista na arte da capoeira. O amor à nossa música os aproximou o tanto que, quando Ciro estreou na Rádio Mayrink Veiga, entre os que o foram cumprimentar pelo éxito estava o seu amigo malandro, cujo nome Ciro jamais revelou.


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 12 de dezembro de 1973

Na imagem de capa, foto de Cauby Peixoto


Série Niterói em três tempos








Publicado em 30/03/2023

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