Cap. 31 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

O Tostão contra o Milhão

1961. Fins de agosto. O Presidente Jânio Quadros inopinadamente renuncia à Presidência da República, para onde fora levado por uma maioria esmagadora de 6 milhões de brasileiros, batendo seu ilustre oponente, o pacato, sadio e equilibrado General Henrique Teixeira Lott. O País inteiro ficou estarrecido com a insólita atitude do Presidente Jânio Quadros.

Em Niterói, enquanto se processavam as demarches para que João Goulart pudesse assumir a Presidência, crescia a ofensiva dos vereadores contra o prefeito Wilson de Oliveira, já completamente desprestigiado politicamente desde a morte de Roberto Silveira. E em poucos dias mais a Câmara Municipal aprovava o impedimento do prefeito.

Novo Prefeito

Na madrugada de 13 de setembro assumia a Prefeitura o vice-prefeito Dalmo Oberlaender, que encontrou o pagamento dos funcionários em grande atraso. E mal o prefeito ia pondo a Casa em ordem, ocorreu o incêndio do Gran Circus Norte-Americano. Ao tempo, o Hospital Antônio Pedro, que passara a pertencer à municipalidade, estava praticamente fechado, não possuindo em sua farmácia nem gaze ou mercurocromo. Para ajudar o prefeito Oberlaender nessa terrível conjuntura, começaram a chegar a Niterói, de todos os cantos do país e até do estrangeiro, dinheiro e remédios, graças aos quais e à dedicação do corpo médico do hospital pôde o prefeito prestar a devida assistência à maioria das vítimas do incêndio.

Depois desses terríveis eventos, já saneadas em parte as finanças municipais, é que o prefeito Oberlaender começou a executar o seu programa de obras, do qual constava o prolongamento da Rua Belisário Augusto, em Icaraí, o recapeamento asfáltico da extensa Avenida Estácio de Sá e a construção da Rua Americo Oberlaender, justo preito a um antigo e saudoso médico que se notabilizou por exercer a Medicina como um sacerdócio.

Um ano trágico

1961 foi mesmo um ano trágico para o Estado do Rio, mormente para sua capital. Principiou com a morte do Governador Roberto Silveira que, embora não tivesse nascido em Niterói, aqui morou e estudou desde os 6 anos de idade. Antigo morador de Pé Pequeno, o pranteado Roberto Silveira amava Niterói como seu torrão natal e a ela, quando governador, prestou muitos bons serviços. Ainda lamentado a morte prematura do grande líder trabalhista, Niterói foi palco de uma tragédia, na tarde de 17 de dezembro, uma tarde quente e bonita. Havia matinée no Gran Circus Norte-Americano, com a casa lotada, cheia de crianças. A hora tantas, ouviu-se um grito terrível partido de centenas de boca aflitas: "FOGO! FOGO!"

Duzentas e vinte e uma pessoas, a maioria crianças, morreram carbonizadas ou pisoteadas pela multidão em pânico. Outras 609 ficaram feridas ou queimadas. Um débil mental, contrariado porque não conseguira entrar de graça no circo, ateou fogo e uma parte da lona velha e seca que cobria o picadeiro. Niterói nunca assistira a tão grande tragédia.

Mas nem tudo em 1961 foi trágico ou triste, pois Niterói assistiu também a inauguração de dois bonitos Grupos Escolares construídos pelo Governador Celso Peçanha, que também aumentou o número de salas-de-aula dos Grupos Escolares Noronha Santos e Meneses Vieira, assim como a ampliação do edifício da Assembleia Legislativa. E antes de findar 1961, Niterói estava ligada às praias oceânicas de Piratininga, Itaipu e Itacoatiara, por uma estrada asfaltada.

Dilúvio sobre Niterói

O dia 21 de janeiro de 1962 fora quentíssimo, com os termômetros marcando 39 graus à sombra. Além de quente, o dia fora abafado, com grandes nuvens pretas encobrindo o céu. Não eram ainda 2 horas da madrugada quando o primeiro trovão explodiu bem em cima de Santa Rosa, Icaraí, Cubango e Fonseca, seguidos de outros trovões. Os relâmpagos pareciam querer incendiar a terra inteira, correndo pelo céu negro em todos os sentidos, riscando o negrume. E logo a chuva forte começou a cair. Pelas seis horas, a água já cobria todo o Campo de São Bento; dele, de fora, só as copas das árvores.

A Rua Dr. Domingues de Sá, Mariz e Barros, 5 de Julho, Avenida Sete e outras mais transformaram-se em caudalosos rios, invadindo residências e casas comerciais. Os "Trolleys" pararam; a luz elétrica falhou, os telefones emudeceram. E a água caindo em catarotas... Nisto, surgiu na Rua Dr. Domingues de Sá, um barco; dentro dele, remando, ia um rapaz de capa de borracha, como se estivesse no mar. Era um leiteiro na sua faina diária que nem o aguaceiro impedia. Só se viu a grama dos canteiros do Campo de São Bento. Já eram passadas as 5 horas da tarde do dia 22 de janeiro - "Nunca choveu tanto em Niterói, disse a O Fluminense (23 de janeiro) D. Jerônima, antiga moradora da Rua Gavião Peixoto, bem defronte ao Campo de São Bento."

O último prefeito eleito de Niterói

O dia 31 de janeiro de 1963 encontrou um novo prefeito, aliás, o último prefeito eleito de Niterói, o Dr. Silvio Picanço, que achou a casa em ordem, algumas obras importantes em andamento e o pagamento do funcionalismo efetivo em dia. Nesse mesmo dia, tomava posse como Governador do Estado, o Dr. Badger Silveira, irmão do desafortunado Roberto Silveira, eleito em pleito memorável.

Em sua administração, o prefeito Silvio Picanço, médico de renome em Niterói, obteve auxílio dos governos do Estado o Federal. Com o primeiro, o prefeito executou um intenso programa de iluminação pública em ruas do Saco de São Francisco e Vital Brazil, começou e concluiu a ligação das Ruas General Andrade Neves e Visconde do Rio Branco, no Valonguinho, para a qual teve que desapropriar duas casas nessa última rua. Essa ligação (Rua S. Sebastião) melhorou sensivelmente o tráfego entre Santa Rosa e Icaraí e o centro da cidade.

Graças à ajuda do governo federal, o prefeito Picanço iniciou as vultosas obras do canal da Av. Ari Parreiras, ao mesmo tempo que, com o Ministério da Educação, assinava convênio pelo qual o Hospital Antônio Pedro se transformava em Hospital Escola (da Faculdade Fluminense de Medicina), o que aliviou bastante as finanças do município e deu suficiência material ao nosocômio.

Preocupado com as finanças da Prefeitura e com a melhoria do serviço público, o prefeito Silvio Picanço conseguiu que o Corpo de Bombeiros de Niterói fosse incorporado à Polícia Militar, no governo Badger Silveira. Ao renunciar ao mandato em 26 de outubro de 1964, deixou o prefeito Picanço os pagamentos em dia e várias obras iniciadas, como iluminação a vapor de mercúrio das Praças Martim Afonso, Enéas de Castro, Largo do Marrão, Campo de São Bento e parte da Praia de Icaraí.


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 13 de dezembro de 1973

Na imagem de capa, foto do incêndio do Gran Circus Norte-Americano, em 17 de Dezembro de 1961.


Série Niterói em três tempos








Publicado em 31/03/2023

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