Cap. 32 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel
Foi dos anos 1920 a 1950 que os retratados nestes ligeiríssimos perfis se tornaram populares em Niterói, ganhando assim o direito de figurar nestes artigos que trata da história e do dia-a-dia da capital fluminense. Evidentemente, muitas outras pessoas tiveram atuação marcante na vida e na política niteroiense nesse mesmo longo período de tempo, mas nenhuma talvez tenha tido o destaque popular das que aqui são focalizadas.
Deputado Norival de Freitas
Um dos mais atuantes, prestigiosos e populares políticos de Niterói e que por mais largo tempo esteve no cartaz foi o advogado Norival de Freitas que, nas horas vagas, dedicava-se com amor e pertinência às pesquisas históricas, o que lhe valeu ser membro influente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Até a segunda década do século presente, um dos maiores chefes políticos de Niterói foi o Dr. Luis Carlos Fróis da Cruz, cuja casa, onde se localiza hoje o Colégio Plinio Leite (I) vivia sempre cheia de gente, de manhã à noite. Cabos eleitorais, políticos do mesmo partido e dos partidos adversos, candidatos a emprego público, professores e alguns constituintes.
Lá pelas 10h30min, deixava o Dr. Fróes da Cruz sua residência e se dirigia para seu escritório de advocacia e depois para o Foro, acompanhado por dois Oficiais de Justiça, Giordano Bruno, que tinha o apelido de "Lambidinho" e Paula Reis, o mais elegante de quantos frequentavam a Casa da Justiça. Gozavam ambos da confiança do então Juiz Federal, Dr. Leon Roussolières (II) e eram tidos e havidos por homens valentes e destemidos, além de respeitáveis "cabos eleitorais" da paróquia.
Foram esses servidores da Justiça do Estado que encaminharam o então jovem causídico Norival de Freitas, na escabrosa e difícil estrada da política. Formado pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, da qual o Dr. Fróes da Cruz era diretor e residindo perto dele, em Niterói, foi fácil ao inteligente moço aproximar-se do mestre e vizinho. Estreitadas as relações entre ambos, passou o Dr. Norival a frequentar-lhe a casa, todas as manhãs, ajudando-o a atender ao público, após o que com ele saía para o Foro, carregando-lhe a volumosa pasta. Essas convenientes amizades foram benéficas para o Dr. Norival, muito o ajudando na conquista, pela primeira vez, de uma cadeira de Deputado Federal.
Orador fluente, possuindo boa voz e perfeita dicção, Norival de Freitas reuniu atrás de si uma quantidade apreciável da mocidade fluminense e que estava ansiosa por se mostrar. Ora, Nilo Peçanha dominava a política do Estado havia mais de vinte anos e os jovens achavam que era tempo de mudar. E foi para mudar e dar mostras de sua independência que os moços elegeram Norival de Freitas três vezes consecutivas para a Câmara Federal.
Depois, Norival envelheceu e não mais acertou seus passos pelo diapasão da juventude, perdendo assim o seu apoio e consequentemente o prestígio eleitoral entre os moços fluminenses, máxime os de Niterói. Sobreveio a Revolução de 1930. Norival, como todos os políticos brasileiros, ensarilhou armas até 1934, quando o país se constitucionalizou. Realizadas as eleições para a Constituinte, Norival de Freitas elegeu-se de novo para a Câmara Federal ali permanecendo até 10 de novembro de 1937, isto é, até o advento do Estado Novo.
Contam os íntimos do já falecido Doutor Norival de Freitas, que se não era uma vestal em questões político-eleitorais, estava, contudo longe de ser aquilo que seus temíveis adversários proclamavam: que, meses antes das eleições marcadas para dezembro de 1945, foi ele consultado por pessoa ligadíssima ao Ingá, então ocupado pelo Comandante Amaral Peixoto, sobre sua adesão ao PSD, o já então vigoroso Partido Social Democrático. Tendo combatido de peito aberto o Estado Novo, Norival não quis aceitar o convite, preferindo o Partido Republicano, dirigido por Artur Bernardes.
Houve uma época em que o Dr. Norival polarizou a oposição a Nilo Peçanha, de quem aliás sempre fora adversário. E por fazê-lo, foi obrigado a ser um dos chefes do "bernardismo", corrente política dos partidários de Artur Bernardes à Presidência da República, eleição na qual Nilo Peçanha também se apresentara candidato (para o quadriénio 1922-1926). Essa atitude de Norival causou-lhe enorme desgaste político porque, embora não pareça, o niteroiense é francamente regionalista.
Ora, trocar Nilo Peçanha por Feliciano Sodré, que nascera em Barra de São João, para a Presidência do Estado, como fizera Norival, vá lá; mas trocar o grande campista e para a Presidência da República, por outro candidato, que nem ao menos sabia exatamente onde ficava a Praia Grande, era demais.
E esse prejuízo Norival só veio a sentir-lhe os efeitos em 1947, quando seus adversários exploraram amplamente em comícios, palestras e conversinha ao pé do ouvido, a troca de Nilo por Bernardes. E a campanha vingou de tal sorte que Norival achou prudente retirar sua candidatura à Câmara Federal, contentando-se com a vereança em Niterói. Processadas as eleições, a votação alcançada pelo antigo líder da mocidade fluminense decepcionou de tão pequena que fora.
(I) Antes de ser ocupado pelo Colégio Plínio Leite, o antigo casarão do Doutor Fróes da Cruz foi sede do Bispado de Niterói, nele residindo o Bispo D. Agostinho Benassi que se notabilizou por seu amor à pobreza.
(II) Um dos filhos do Dr. Leon Roussoslières, Antônio, foi durante muitos anos, o titular do Cartório do 6º Oficio de Notas, em Niterói. Foi também Chefe de Polícia nos primeiros meses da Interventuria Amaral Peixoto, indicado pelo "macediamo", pequena mas atuante corrente política chefiada pelo Jornalista (Diário Carioca) José Eduardo de Macedo Boares, já falecido.
Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 15 de dezembro de 1973
Na imagem de capa, foto de Norival de Freitas.
Série Niterói em três tempos