Cap. 33 - 'Niterói em Três Tempos', por Heitor Gurgel

O Dr. Norival de Freitas, com sua larga experiência de parlamentar, sua inteligência, dinamismo e perfeito conhecimento dos mais prementes problemas da cidade, foi um dos melhores, senão o melhor vereador que a Câmara Municipal de Niterói já teve. Nas eleições seguintes de 1950, Norival candidatou-se à deputação federal, mas não conseguiu eleger-se. Foi o seu canto de cisne.

Entre os mais fiéis seguidores de Norival de Freitas estavam os dois Barõesinhos que a ele se ligaram, se afeiçoaram e serviram com dedicação, sem contudo nada obterem, não em paga da dedicação, mas em retribuição a amizade e lealdade tantas vezes demonstradas e comprovadas. Nem um simples emprego público arranjaram...

De alguns amigos do Dr. Norival, conta-se que eram exímios na falsificação de atas eleitorais, no roubo de urnas e na "arte" de gravidar as urnas, nelas introduzindo cédulas a mais do que o número de votantes, anulando assim a votação da seção que lhes fora adversa. Por essas e outras alquimias eleitorais, Dr. Norival arranjou inimigos e desafetos perigosos, como o João Cantarino, "miilista" fervoroso apaixonado, que, se aproveitando certa vez da ida do Deputado Norival de Freitas à cidade de Saquarema, pagou a um sicário para matá-lo. A propósito, diz Brígido Tinoco (in "A Vida de Nilo Peçanha") que o eminente campista, ciente do ocorrido, desaprovou a conduta do correligionário, mandando exonerar as autoridades policiais indicadas por Catarino.

Dr. Homero Pinho

Um dos mais destacados "Norivaldistas" dos primeiros tempos foi o Dr. Homero Brasiliense Soares de Pinho, filho do Juiz, depois Desembargador Pinho Júnior, da Justiça fluminense. Nascido em Parati, mas criado em Niterói, Dr. Homero Pinho dirigiu, com acerto e descortínio por um pequeno período de tempo, a Prefeitura de Niterói. Mais tarde, candidatou-se à deputação federal, sendo derrotado nas urnas, pelo que, em boa hora, trocou a política pela magistratura, ao se classificar em concurso para Juiz de Direito do então Distrito Federal (Rio de Janeiro). O Dr. Homero Pinho exerceu com brilho e sabedoria todas as altas funções da Justiça, tendo chegado à Presidência do Tribunal Eleitoral em agitado tempo de transição política. Como Corregedor da Justiça e como Presidente do Tribunal deixou ele na magistratura carioca um nome e uma obra. Dele se pode dizer que a derrota na política ensejou a vitória de Têmis.

Os "Barõesinhos"

D. Emília Luiza de Magalhães Melo, a Baronesa de Goitacazes, teve dois filhos gêmeos que na pia batismal receberam os nomes de Antônio José e José Antônio de Melo. Foram eles criados com muito carinho e luxo como acontecia com os filhos dos potentados. Moravam, mãe e filhos, numa soberba chácara (I) na Venda da Cruz, no centro da qual se erguia um enorme casarão com muitos quartos, salas, salões e alcovas. Um dia (os gêmeos eram ainda bem pequenos), a chácara foi vendida a um cidadão inglês que nela instalou um colégio, logo considerado, por seu corpo docente e instalações, como um dos melhores educandários de Niterói.

Após terem aprendido com a mãe a contar, ler e escrever, os gêmeos foram matriculados nesse colégio, o Anglo-Brasileiro, dirigido por Mister Aldridge (II), para onde iam e vinham sempre acompanhados por um pajem. Anos mais tarde, Antônio José e José Antônio passaram a estudar como internos em outro famoso colégio, o Ateneu Fluminense, dirigido por ex-padre (II), armênio de nascimento e homem de grande cultura humanista. Ora, como os gémeos da Baronesa se vestiam muito bem, eram muito bem educados e jamais saíam à rua sem acompanhante, o povo do lugar logo os apelidou de "Os Barõesinhos”. Diga-se de passagem que eles então residiam na Rua Dr. March, em um soberbo palacete que a fidalga mandara construir (III) e onde ela recebia seus numerosos amigos em magníficas festas, que marcaram época.

Entre os habituais comensais e visitas da titular, estavam Nilo Peçanha, o Visconde de Moraes e os Drs. Oliveira Botelho e Alfredo Backer, e, mais tarde, o jovem Deputado Federal Norival de Freitas, este mais por causa dos gêmeos. Nilo Peçanha jamais passava pela Rua Dr. March sem fazer uma parada, por mais ligeira que fosse, para abraçar a sua velha amiga. Tudo isso concorreu para o apelido dos gêmeos que, longe de ter sentido irônico, demonstrava a estima e admiração do povo pela Baronesa e seus dois filhos.

A velha fidalga não viu com bons olhos os seus meninos deixarem o grande Nilo Peçanha, seu querido amigo de tantos anos, para seguir o moço Norival de Freitas e certo dia os chamou às falas. Mas os gêmeos disseram não à Baronesa, um não respeitoso, mas convicto. Eles tinham opinião formada e, apesar de jovens, sabiam bem o que desejavam. E a titular, ante a explicação dos filhos, resolveu que seria ela mesma a contar a Nilo Peçanha a conduta política dos gêmeos. E o fez não lamentando o procedimento dos filhos, mas explicando-os. Nilo, homem vivido que também em moço divergira dos seus em questões políticas, sorriu e consolou a velha amiga.

Mas tudo passa nesta vida e um dia os gêmeos tiveram que abrir os olhos e encarar a vida frente a frente, sozinhos, sem acompanhantes. A mãe morrera e, o que foi pior, falecera em estado de quase pobreza. Uma ruinosa questão judiciária acabara com os restos da fortuna da Baronesa de Goitacazes. Os Barõezinhos, gastos os últimos centavos, meteram a cara no mundo para ganhar, com o suor de seus rostos, o pão-nosso-de-cada-dia, esquecendo-se do berço de ouro em que foram embalados.

Instruídos, muito bem apessoados, inteligentes, sempre bem vestidos, não foi difícil para eles arranjar trabalho à altura de seus conhecimentos. Um fez-se jornalista e o outro, depois de ter sido bancário, tornou-se corretor de imóveis, no Rio de Janeiro. Eu conheci já maduros, pobres e sofridos, mas com aquele mesmo APLOMB e elegância que herdaram do berço. Foram sempre, na riqueza e na adversidade, uns verdadeiros Barõezinhos.

(1) Após a saída do Colégio Anglo-Brasileiro a chácara, conhecida como Chácara do Dr. Rego Barros, foi vendida à União que nela instalou o 3º R.I.

(II) Deixando Niterói, Mister Aldridge fundou, na Praia de Botafogo, no Rio de Janeiro, um outro educandário - o Colégio Aldridge, do qual foi aluna a hoje Senhora Alzira Vargas do Amaral Peixoto.

(III) - Etienne Ignace Brasil, ex-padre e ex-diretor do Ateneu Fluminense, formou-se depois em advocacia, exercendo a profissão com enorme brilho no Foro do Rio de Janeiro, respeitado por todos por sua grande cultura e integridade moral e ainda mais pela verrina de sua pena com a qual atacava ou melhor se defendia das diatribes que lhe assacavam, por seu passado religioso.

(IV) Nele está instalado o Grupo Escolar Macedo Soares.


Publicado originalmente no jornal O Fluminense em 16 de dezembro de 1973

Na imagem de capa, Homero Pinho, poeta, advogado e prefeito interino, em 1923. Em fotografia da revista Ilustração Fluminense, edição de Novembro de 1923.


Série Niterói em três tempos








Publicado em 14/04/2023

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