por Manuel Benício, em 07 de setembro de 1919
Há ainda muitos documentos ignorados e inéditos a respeito de nossa Independência, por estas Câmaras e Repartições do Brasil. Os que abaixo reproduzimos nos parece fazer parte do rol dos esquecidos. Eles afetam particularmente a parte que a Vila Real da Praia Grande tomou e representou durante o período da Solapa e propaganda para nos desligar do Reino português.
Na ordem em que os publicamos, desvendam-se os nossos esforços e sacrifícios para fim tão patriótico, naqueles tempos. Oferecemo-los aos estudiosos da história natal, com ligeiros e apressados comentários.
"Eu, o Dr. João Ignacio da Cunha, fidalgo, cavaleiro da Casa Real, digo Real Cavaleiro das Ordens de Cristo e Torre e Espada, Desembargador de Agravos da Casa de Suplicação e Intendente Geral da Polícia e etc... Faço saber os que o presente Edital virem, onde ele notícias tiverem, que em execução às Reais ordens que acabo de receber de Sua Alteza o Príncipe Regente, expedidas pela Secretaria do Estado dos Negócios do Reino. Faço público a todos os moradores da banda d'Além (1) que para benefício e utilidade pública e geral nas presentes críticas circunstâncias, desde já se recolham a esta cidade ou se retirem seis léguas para o interior do País, pondo em segurança todos os seus haveres, gados, víveres, o que espera dos mesmos moradores, não só por obediência às Reais ordens, como também em sinal de Patriotismo e zelo a bem da causa pública. E para que chegue a notícia de todos, mandei afixar o presente Edital nos lugares mais públicos, tanto da banda d'Além, como nesta cidade. Rio de Janeiro, 2 de Fevereiro de 1822 - João Ignacio da Cunha".
O edital mandado afixar pelo Dr. João Ignacio da Cunha, Intendente da Polícia rezava também o seguinte:
"Desde já fica interinamente proibida e vedada, até segunda ordem, a comunicação por quaisquer barcos, canoas e fateixas desta cidade ou de qualquer uma outra parte para os sítios da Praia Grande, Armação, São Domingos, e suas imediações, debaixo de pena de ser inutilizada e metida a pique pelas Barcas Canhoeiras, lanchas e escaleres da ronda qualquer das referidas embarcações que em contravenção desta ordem pretenderem passar para os indicados sítios, sendo além disto, responsáveis seus respectivos donos por semelhante infração." (2). Datado de 2 de Fevereiro de 1822.
Este edital só produziu efeito durante dez dias, pois a 12 do mês e ano acima referido, o mesmo Intendente Policial, comunica que "tendo cessado a causa porque mandou vedar a comunicação entre a Cidade e os sítios da Praia Grande, ficava livre a recíproca comunicação entre os seus habitantes desta cidade e aos da banda d'Além e desde já se podem recolher às suas antigas habitações."
Tais prevenções da parte do Governo ligavam-se, naquele tempo, à oposição que os generais Avilez, Lego, Madureiras e outros faziam contra a nossa Independência, seis meses depois proclamada.
Outro documento curioso é o seguinte:
"O Deus da Natureza fez a América para ser independente e livre. O Deus da Natureza conservou no Brasil o Príncipe Regente para ser aquele que firmasse a independência deste vasto continente. Que tardamos? A Época é esta. Portugal nos insulta... a América nos convida... a Europa nos contempla... o Príncipe nos defende... Cidadãos! Soltai o grito festivo... Viva o Imperador Constitucional do Brasil o Senhor Dom Pedro I. E nada mais se continha no Edital que do mesmo aqui fielmente copiei e assinei neste Registro da Comarca da Vila Real da Praia Grande, em 25 de Setembro de 1822" - Miguel José Corrêa.
Este edital propagandista de nossa Independência foi espalhado com caráter oficial, quase secreto, por todas as Câmaras do Brasil, muito antes do dia 7 de Setembro de 1822. A Câmara Municipal da Vila Real da Praia Grande recebeu 25 exemplares impressos destes editais para distribuí-los entre as suas congéneres. Compreende-se isto pelo ofício abaixo que devia encampá-los:
"Dirijo a Vossas Senhorias os exemplares impressos que me foram enviados pela Chancelaria do Reino para se registrarem na Câmara das Vilas de sua jurisdição e me remeterem Certidão da entrega e registro na conformidade das Cartas Régias que acompanharão os mesmos exemplares. Deus Guarde etc". Rio de Janeiro 13 de Agosto de 1822. Aos Juízes de Fora e Oficiais da Câmara. Vão 25 exemplares para cada uma Câmara".
Portanto, já em agosto, a propaganda oficial, embora reservada, da Independência era um fato documentado e com audiência de Pedro I e da Chancelaria do Reino que assinava as Cartas Régias. Reproduzimos o edital em questão porque nos parece que o original impresso não existe mais nem nos arquivos das Câmaras nem nas Bibliotecas do Brasil.
O que se nota nele de curioso é a linguagem exaltada, patriótica, quase gongórica e pontuada de reticências ameaçadoras...
É que naquele tempo, havia Caramurus e Reinóis; hoje todos são republicanos, cá e lá...
Notas (1) Grifamos e anotamos a frase Banda d'Além afim de chamar atenção dos que se preocupam em saber se a aldeia de Arariboia era ou não era da Banda d'Além da Corte. Os cariocas por muito tempo nos chamavam moradores da Banda d'Além, frase patronímica que barganharam pela de Praia Grande. "Você é um Praia Grande, diziam, pejorativamente, em vez de praia-grandense.
(2) Semelhantemente sucedeu durante a revolta da Armada, dentro de nossa baía; apenas os governos ou os que queriam governar esqueceram-se de mandar afixar editais. Os editais eram balas contra as embarcações que tentassem a travessia das baías de Niterói e Guanabara. Também, como no tempo da Revolta de 1893, houve um grande êxodo de nossa população de 1822 para os subúrbios distanciados.
Parte das tropas do General Avilez acantonavam-se na Armação e Barreto, onde se renderam mais tarde, seguindo daí para Portugal.
Publicada originalmente no jornal O Fluminense
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto
Imagem de capa, "Entrada da baía de Guanabara, vista de Niterói", Marc Ferrez, 1890 circa
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