Capítulo 12 da Série "A Niterói que eu vi e a que viram meus avós", de Romeu de Seixas Mattos
No projeto de arruamento de 3 de fevereiro de 1820, submetido à aprovação de D. João VI, a Câmara Municipal, presidida por José Clemente Pereira, projetou duas praças no terreno do Campo de Dona Helena, sendo uma - a do Pelourinho (Largo do Capim) - onde atualmente existe o edifício da Prefeitura Municipal de Niterói e a outra, destinada a um "Passeio Público" consagrado à "feliz memória do faustosíssimo dia 13 de maio de 1816", em que o monarca assistiu, com sua família, ao desfile das tropas lusitanas, deu beija-mão, etc., onde atualmente existe a Praça General Gomes Carneiro, também conhecida com a do "Ringue".
Desinteligências ocasionais e pleitos judiciais determinaram o retardamento da efetivação dessa iniciativa. Sanadas tais dificuldades, a essa iniciativa municipal seguiu-se outra, do Governo Provincial, fazendo elevar no mesmo local, uma coluna chafariz de granito, cuja pedra fundamental foi lançada em 19 de novembro de 1845 pelo Presidente da Província, Conselheiro Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, o Visconde de Sepetiba.
Essa obra somente ficou concluída dois anos depois, sob a direção do Engenheiro de Obras Públicas da Província, André Alves Pereira Ribeiro Cirne, sendo inaugurada em 30 de abril de 1847, por D. Pedro II, quando em visita à cidade. O ato foi simples e o monumento é o que ainda hoje se vê, descansando sobre uma escadaria em forma octogonal, embora com algumas modificações.
Durante muito tempo, não se ajardinou o "Largo da Memória" (até 1913), não chegando por isso a ser "passeio público". As águas do chafariz, entretanto, atraíram lavadeiras próximas, que faziam do local uma vasta feira de tinas e de coradouros e, quanto ao mais, só servia de passeio às aves domésticas e aos cabruns da vizinhança.
E tal foi, durante muitos anos, a utilidade dessa praça, segundo me contaram e eu mesmo vi, em 1903.
O Dr. Paulo Alves, primeiro Prefeito Municipal de Niterói, apiedado desse monumento, em 1904, mandou restaurá-lo, colocando em torno lampiões de iluminação a gás e fazendo capinar a praça.
Quando Paulo Alves deixou a Prefeitura de Niterói apresentou ao seu sucessor um Memorial, em que se encontram os seguintes tópicos:
"Só D. João VI portanto, distinguiu e amou esta cidade, fazendo dela a sua estância de verão, o seu retiro e a sua estação de banhos. Fez paradas e revistas, aquartelou tropas na Armação, deu festas, levantou a terra e animou o povo, em cujo seio passava os dias destinados ao repouso e recreio. Foi um amigo e protetor deste então modesto arraial da Praia Grande.
Fez construir aqui duas vivendas, uma das quais ainda existe em ruínas, no bairro de São Domingos. Por tudo isso, a gratidão popular levantou em 1846, no largo que por tal motivo passou a denominar-se da 'Memória', uma modesta coluna de granito, montada por utilidade pública, como reza a lápide, sobre um bebedouro do costume de então.
O deplorável abandono em que encontrei esse monumento, cujos arredores era um vasto vazadouro de imundices e cujo antigo bebedouro servia (permita-se-me o termo) de cloaca, era o mais esmagador libelo de desamor criminoso da cidade à memória de seus maiores.
Pois bem, o monumento agora está limpo, ajardinado e iluminado. Quatro novas placas de mármore com dizeres em bronze foram colocadas. À inspiração de Benevenuto Berna devem-se os belos medalhões contendo o busto do saudoso amigo da cidade e a alegoria ao período selvagem do Brasil, que ornamentam hoje as duas faces da coluna, até então desguarnecidas. Tudo simples e modesto, é certo, mas digno e sincero. Não estará ainda assim, justificada a comemoração ou a festa, como dizem por aí?"
Em 1913, no governo do Prefeito Feliciano Pires de Abreu Sodré Júnior, quando fui fazer o levantamento topográfico da praça que ia ser remodelada e transformada, de fato, em 'passeio público', tirei uma fotografia (que ainda possuo) no lado do instrumento de engenharia e da turma de trabalhadores, em frente ao monumento, na qual se podem ver os desaparecidos lampiões a gás a que me referi anteriormente, aí colocados pelo Prefeito Paulo Alves.
Aparecem comigo, nesta fotografia, os meus auxiliares Oscar Crespo (medidor) e Antônio Borges (auxiliar de medição), Carmino de Oliveira e Vicente Rodrigues, todos já falecidos.
'Passeio Público', propriamente dito, só foi o Largo da Memória depois de 1913, quando Sodré o transformou em parque ajardinado e ornamentado com pavilhões, fontes artísticas, rinque de patinação, etc.
O monumento também foi restaurado, foram retirados os lampiões de gás, a parte relativa aos bebedouros, voltando para ele o medalhão de D. João VI, conservando-se as placas de mármore colocadas em 1847; as que Paulo Alves mandou fazer não mais voltaram.
Remodelada a praça em 1913, colocaram no monumento, duas placas com os seguintes dizeres:
"Esse jardim foi construído pela prefeitura e inaugurado em 31 de dezembro de 1913, sendo presidente do estado o Dr. Francisco Chaves de Oliveira Botelho e prefeito municipal, o 1º Tenente Engenheiro Militar Feliciano Pires de Abreu Sodré Júnior".
Na face oposta do medalhão de D. João VI, foi colocado um medalhão com a efígie de D. Pedro II. Da comemoração do prefeito Paulo Alves, nada ficou que a recordasse.
Celebrando-se em 1919 o centenário da criação da Vila Real de Praia Grande, realizaram-se na praça vários atos cívicos e religiosos, (ilegível) a memória de D. João VI por alguns instantes sobre a cidade e no noticiário dos jornais.
Nessa ocasião foi colocada no monumento uma placa de bronze com os dizeres seguintes:
"1819-1919 - O povo de Niterói, comemorando o primeiro centenário da criação da Vila Real da Praia Grande mandou colocar esta placa, sendo Presidente do Estado o Dr. Raul de Moraes Veiga e Prefeito Municipal, o Dr. Enéas de Castro".
Durante muito tempo, o Largo da Memória, atual Praça General Gomes Carneiro, foi realmente "passeio público", e povo de Niterói ali se reunia nos domingos e feriados, especialmente nos dias de Carnaval, até que, após a Revolução de 1930, na administração do Prefeito Júlio Limeira da Silva, foi cometido o primeiro atentado contra essa obra de arte, transformando-se as fontes artísticas em fontes luminosas, obra em desacordo com o conjunto, havendo sido retiradas dessas fontes as estátuas de mármore que aí existiam, estátuas que mais tarde o Prefeito Alberto Fortes mandou colocar na Praça Enéas de Castro (no Barreto) e que agora se acham na Praça Martim Afonso (atual Arariboia).
Em 30 de agosto de 1957 recebi o Memorando nº 33/1957, transcrito aqui:
"Sr. Chefe da Divisão de Viação e Obras Públicas:
Ficam convidados, de ordem do Sr. Prefeito, para uma reunião a ser realizada neste Gabinete, a 3 de setembro próximo, às 15 horas, com a presença do chefe da firma Orlando Macedo, do Rio de Janeiro, os engenheiros dessa Divisão: J. M. Castro Júnior, Pedro Carlos Tavares da Silva, Agrícola E. Oliveira Pena, Mário Souto, Oswaldo de Noronha, Péricles Simenando Ribeiro, Junior Brandão, J. B. Cattete e Silva, Jacintho Villela Filho e Romeu de Seixas Mattos, o primeiro na qualidade de chefe.
a) Argemiro Macedo Soares Gabinete - Chefe de Gabinete. Confere com op original. S. Aux. 31-8-1957 Ο. Oliveira"
No dia e hora marcados compareci a essa reunião, que foi presidida pelo então Prefeito Alberto Fortes, meu antigo colega do Colégio Brasileiro, dirigido pelo Dr. Carlos Alberto.
Compareceram também os demais engenheiros convocados e o Sr. Orlando Macedo, este acompanhado de uma excelente equipe de Relações Públicas e de um aproveitável serviço de propaganda, munido de alto-falantes, projetores cinematográficos, etc.
Explicando o motivo da reunião, disse o Sr. Orlando Macedo que, estando em evidência e em plena atividade, no Rio de Janeiro, aí promovendo e desenvolvendo o progresso da cidade, resolveram também estender esse benefício à cidade de Niterói, cidade que ele iria modernizar, tornando-a digna de uma capital de Estado.
Considerando a importância desse advento, digno de uma consagração, ele oferecia à cidade um monumento para ser colocado em praça pública, de forma a perpetuar essa memória. Alguém da sua equipe propôs, logo, que o local escolhido fosse o Largo da Memória, sendo de lá retirado o monumento de D. João VI, "já ultrapassado".
Durante alguns instantes, imperou na sala aquele "suspense"... Não havendo quem protestasse, tomei a iniciativa de esclarecer a inconveniência dessa realização, tendo em vista o que D. João VI representava para Niterói, e sugeri que fosse escolhido outro local.
Embora sem se manifestar a respeito, o Dr. Alberto Fortes encerrou a reunião e escolheu outro lugar, porque tal monumento, oferecido pelo Sr. Orlando Macedo, foi colocado na parte aterrada da Rua Visconde do Rio Branco, ao lado da Praça Martim Afonso e aí permaneceu durante algum tempo, até extinguir-se o prestígio do Sr. Orlando Macedo, não sabendo o fim que levou.
Esse monumento - segundo a descrição de um paredro ilustre, que fazia parte de equipe do Sr. Orlando Macedo - embora singelo, pois o vulgo ignorante veria nele apenas uma vela de navio sem mastro, era rico em simbolismo, pois a curva daquela vela simbólica era de equação transcendente representativa de fenômenos importantes, cuja memória perpetuava.
De material pouco durável, pois o monumento era feito de folha de flandres, se não houvesse sido retirado, pouco tempo resistiria.
No fim do ano de 1958, o prefeito Dr. Alberto Rodrigues Fortes resolveu remodelar a Praça General Gomes Carneiro e, para isso, mandou demolir o rinque de patinação e o coreto onde se realizavam retretas, o ginásio próprio para bailes públicos, retirar as grades artísticas e os quatro pavilhões existentes nos vértices da praça, etc... e assim desapareceu o "passeio público" idealizado no tempo do D. João VI e executado pelo Dr. Sodré em 1913.
Nas testadas das Ruas Aurelino Leal e Barão de Tefé, foram feitas as marquises que transformaram o antigo Passeio Público em Estação Rodoviária.
Uma grande placa de bronze com a efígie do Barão de Tefé, que se achava na fachada de um prédio demolido para a construção de um edifício, foi transferida para um bloco de alvenaria construído em frente à testada da Rua Barão do Tefé, abaixo desta placa foi colocada outra com os dizeres seguintes: "Praça General Gomes Carneiro. Remodelada no governo do Prefeito Alberto Fortes - Janeiro de 1958".
Do antigo passeio público, construído pelo Prefeito Feliciano Sodré apenas restaram, nesta remodelação feita pelo Prefeito Alberto Fortes, os quatro leões de cara aborrecida e as quatro estátuas de mármore representativas das quatro estações do ano.
Dos quatro artísticos (ilegível) de mármore que de frente das mesmas estátuas foram retiradas, apenas três foram colocados no terraço ao lado do Theatro Municipal João Caetano.
Publicado originalmente em O Fluminense, em 16 de maio de 1974
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto
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