Capítulo 17 da Série "A Niterói que eu vi e a que viram meus avós", de Romeu de Seixas Mattos
Comentar tópicos de jornais, livros e revistas foi um processo de motivação que adotei, há muito tempo, desde que me dediquei ao estudo da história de Niterói.
Assim, um trecho qualquer selecionado dos aludidos elementos desperta minha atenção para certos fatos, aviva-me a lembrança de coisas passadas e me dá ensejo de prestar alguns esclarecimentos que se tornam úteis, oportunos e até mesmo necessários.
Dispondo já de um "stock" bem elevado de casos, irei divulgando-os à proporção que se apresente essa possibilidade.
Para hoje escolhi um recorte de "O Fluminense" do dia 16 de abril de 1971, que estampa a reclamação dos moradores da "rua Dr. Américo Oberlaender" relativa à falta de placa de nomenclatura da rua e defeitos na numeração dos respectivos prédios, uma "coisa", segundo dizem: "Começa com 100, depois vem 400, e volta para 200...".
A resposta da Prefeitura Municipal de Niterói é no sentido de atender, quanto à colocação da placa, e de sugerir que os interessados requeiram a correção da numeração dos seus prédios.
Quanto à falta de placa de nomenclatura da rua em questão, sua necessidade é evidente, tanto assim que a P.M.N. prometia atender.
Aproveitando a oportunidade, vou contar um caso do meu conhecimento, ocorrido na travessa sem placa onde morava o desenhista Vidinha, de gloriosa memória.
Vidinha - tipo interessantíssimo sob vários aspectos, que merece até um trabalho especial de descrição, tendo em vista o elevado número de casos engraçados de sua agitada vida, era desenhista da C.Β.Α.Ε.Ν., de insignificante salário, que faltava frequentemente ao serviço para poder conseguir, no trabalho particular, o necessário que faltava à sua modesta manutenção e boemia.
Para facilitar e orientar sua freguesia, Vidinha colocou, no início da travessa onde residia, uma simples placa de madeira (por ele desenhada) com as palavras: "DEs. Vidinha".
Atendendo, provavelmente, a pedidos políticos ou dos moradores da travessa, a Prefeitura, quando veio realizar os melhoramentos solicitados, interpretou "Des" abreviação de Desenhista como sendo de Desembargador e colocou então, na mencionada travessa, uma placa (oficial) com o nome de "Desembargador Vidinha"...
Vidinha, satisfeitíssimo pelos melhoramentos - com aquela fisionomia serena e brejeira de um "blagueur" de classe, com aquele sorriso irônico e algumas vezes sarcástico, que lhe era peculiar, com os olhos verdes e brilhantes que expressavam sua hilariante convicção e ressaltavam no amarelo pálido e nipônico de sua fisionomia alegre dizia irradiando sua "verve": "Agora todo mundo me chama de Desembargador, eu estou muito importante, posso até cobrar mais caro pelos meus desenhos..."
Quanto aos defeitos existentes na numeração e apontados pelos reclamantes naquela rua, torna-se necessário prestar alguns esclarecimentos para que se possa compreender a causa dessa anomalia.
A numeração geral de Niterói, isto é, a atualmente existente, foi iniciada no segundo semestre do ano de 1911 e durante o ano de 1912, na administração do Prefeito Dr. Feliciano Pires de Abreu Sodré Junior (já falecido), pela Segunda Seção de Saneamento que tinha como principal incumbência o reforço do abastecimento d'água de Niterói, e que era chefiada pelo Dr.
Flávio Lyra da Silva, engenheiro de notável capacidade, vivo ainda hoje, com mais de 87 anos.
Segundo o critério técnico adotado na Administração Sodré, foi admitida a hipótese de que em cada lado da rua existisse um prédio, com a testada mínima de 5 metros, nele residindo seis pessoas, abastecidas com duzentos litros d'água "per-capita", e que 2/3 dessa água refluíssem para os esgotos em doze horas.
Assim, foram revistos os projetos para o reforço do abastecimento d'água e dos esgotos sanitários, embora posteriormente o Código de Posturas, no art. 18 da Deliberação n.º 222, aprovado em 8 de agosto de 1912, tivesse admitido o limite mínimo de testada de 4 metros para os prédios de um só pavimento e 5 metros para os de mais de um pavimento.
Sendo assim, foi estabelecido para a numeração das ruas o seguinte
1º Numerar como se existisse um prédio em cada cinco metros, levando um número ímpar os prédios situados à esquerda do sentido seguido pela numeração, e um número par os prédios que estivessem à direita.
2º Nas ruas com a direção meridiana, o sentido da numeração seria de Norte para Sul e nas de orientação perpendicular a numeração seria de Oeste para Leste.
3º Que a largura das ruas que cruzassem com a rua que estivesse sendo numerada seria considerada como se fossem prédios a numerar, porque assim haveria sobra de números para compensar os casos em que houvessem testadas de menos de cinco metros.
Seguindo esse critério, para se ter a numeração de um prédio recém-construído ou de um cuja numeração se deseje verificar, basta dividir a distância entre o meio da testada do prédio em questão e o ponto de origem ou começo da numeração por 2.50m para que se obtenha o número que se procura, se o prédio estiver à direita do sentido da numeração, e, se estiver à esquerda, subtrair do número encontrado uma unidade. Assim teremos: distância 100 / 2,50 = 40 - 1 = 39. por exemplo
Quando no período de 9 de dezembro de 1919 a 17 de março de 1921, exerci o cargo de Inspetor de Obras, chefiando a Seção de Obras Particulares da P.M.N., organizei um jogo de ábacos em diversas escalas, para numeração de prédios com maior facilidade e economia de tempo, bastando superpor o ábaco numa planta de rua desenhada na mesma escala do ábaco para se obter imediatamente a numeração desejada.
Sendo assim, quando eu informava o requerimento de licença para a construção de um prédio novo, indicava logo o número que caberia a esse novo prédio.
A rua que hoje tem o nome do Dr. Américo Oberlaender surgiu primeiramente com um trecho central, com acesso por uma outra rua. Mais tarde recebeu um prolongamento na parte final e, depois, foi trazida até a Rua de Santa Rosa, através do terreno onde existiu a residência do Dr. Oberlaender, hoje desaparecida.
Dessa maneira, essa rua teve com tais transformações, várias origens de começo da numeração: por tal motivo, surgiu a anomalia descrita no recorte em causa.
A numeração de um prédio é coisa que envolve responsabilidades, várias, que pode ocasionar um pedido de indenização por perdas e danos, por isso a Prefeitura Municipal de Niterói atendeu aos moradores da rua quanto à colocação da placa, que era medida justa e necessária, e sugeriu que os interessados requeressem a correção da numeração de suas propriedades.
Atualmente a Rua Dr. Américo Oberlaender está devidamente calçada, possui alguns edifícios de vários pavimentos, penso que a sua numeração foi devidamente corrigida, e já tem placa de nomenclatura, embora em local pouco visível, no início da rua.
Terminando, quero dizer algo sobre o Dr.
Américo Oberlaender, que tive o prazer de conhecer ainda estudando medicina, e em cuja companhia eu e meu falecido primo César Gonçalves de Mattos remávamos em caiaques e em barcos dos clubes de regatas daquela época tão distante.
Formado em medicina, o Dr. Américo Oberlaender prestou à causa pública relevantes serviços, atuando ao lado de seu sogro - o benemérito "médico dos pobres" Dr. Sousa Soares - nas frequentes epidemias de varíola, peste bubônica e febre amarela que, no começo deste século, ainda assolavam Niterói.
Além disso, Dr. Américo Oberlaender deixou uma descendência também ilustre, onde podemos citar o igualmente médico Dr. Alédio Oberlaender - atuante Vereador à Câmara Municipal de Niterói - e o advogado Dr. Dalmo Oberlaender, ex-Prefeito da nossa cidade, que trouxeram até nós e levarão mais longe, pois são ainda jovens, o brilhante troféu que receberam de uma gloriosa olimpíada iniciada pelo saudoso Dr. José Victorino da Costa, avô também de outros netos ilustres que, como esses referidos acima, levarão mais longe o fogo sagrado das vitórias conquistadas e dos serviços prestados.
Quando li a nota a que me reportei para o trabalho de hoje, pensei em apresentar sugestão para que se prestasse uma homenagem ao falecido Dr. Américo Oberlaender, ao ser colocada a placa que leva seu nome, e recorda sua memória naquela rua de Santa Rosa, mas não me foi possível fazê-lo, naquela ocasião.
Publicado originalmente em O Fluminense, em 13 de junho de 1974
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto
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