Capítulo 20 da Série "A Niterói que eu vi e a que viram meus avós", de Romeu de Seixas Mattos
Em 1903 - quando voltei a residir em Niterói - havia uma pequena praça no cruzamento dos lados impares das Ruas Visconde do Uruguai e Marechal Deodoro, ruas que se chamaram anteriormente de El-Rei e do Imperador, respectivamente, de acordo com o plano de arruamento de José Clemente Pereira, submetido à aprovação de D. João VI em 5 de fevereiro de 1820.
Com frente para a pequena praça (desaparecida mais ou menos em 1921) e ladeada pela Rua Marechal Deodoro, existiu um grande prédio, que em tempos idos fora a sede da Assembleia Provincial, depois um grande teatro - A
Phenix Nictheroyense - até que em 1891 abrigou um estabelecimento de panificação e posteriormente (na época da minha observação) era a "Cocheira do Barbosa".
Nessa ocasião, apesar das transformações por que passara esse prédio, eu pude ver ainda os remanescentes do Teatro Phenix que restavam: o palco nos fundos, 25 frisas e camarotes, as grandes e grossas colunas que sustentavam a cobertura de vão muito amplo.
Na tal praça desaparecida, na qual o antigo Teatro Phenix fazia testada, existia uma grande tamarineira, mais ou menos no cruzamento dos lados ímpares das ruas referidas acima, ou seja na esquina.
Essa tamarineira, na época de minha observação, já era secular e tinha um tronco nodoso muito grosso, altura considerável e dava frutos ainda.
A cocheira do Barbosa era uma das melhores cocheiras que existiram em Niterói, mas mesmo assim não resistiu à concorrência das outras, a ela inferiores.
Tinha os melhores carros fúnebres e de aluguel, para acompanhamento de enterros, casamentos, etc., os mais elegantes e convencidos cavalos - de crinas ondulantes e caudas espetaculares - que nas ocasiões de enterros ou casamentos traziam, sob os arreios, rendas pretas ou brancas, conforme o caso, etc.
Os cocheiros dirigiam os veículos completamente uniformizados, com uniforme característico que se compunha de: botas altas, sobrecasaca e cartola pretas geralmente, em algumas vezes de cor cinza, cartolas sempre altas, tendo de um lado um emblema, que se compunha de uma roseta com um leque superposto, tudo de cor preta. Nos cocheiros de carros de enterros, além do emblema, as cartolas traziam uma fita de fumo preto.
Entretanto, a "Cocheira do Biloca" cujos carros eram mais modestos, com pinturas envelhecidas, os uniformes dos cocheiros mais "surrados" e os cavalos tão magros que o povo dizia que eles "comiam milho na garrafa" não sei se devido aos preços mais baratos que cobrava, resistiu mais tempo que a cocheira do Barbosa, conseguindo chegar até o advento do automóvel.
A cocheira do Biloca funcionava num prédio da Rua Visconde de Itaboraí, de nº 309, onde atualmente está a loja da C.V.B. (COVIBRA), posteriormente transferida para prédio menor, onde guardava somente os carros, situado no mesmo quarteirão, mas do lado par da rua, mais próximo à Rua Marechal Deodoro.
Havia outras cocheiras menores em Niterói, entre elas, a da empresa funerária que funcionava na esquina da Rua de São Lourenço com Marquês do Paraná, em cujo tereno havia um "olho d'água" remanescente das primitivas fontes que abasteceram a cidade, fonte hoje desaparecida, que ficava no também desaparecido Largo do Chafariz.
Em 1921 demoliram o legendário prédio que fora Assembleia Provincial, Teatro Phenix e Cocheira do Barbosa construíram os atuais prédios de nºs 343, 347, 349, 351, 353 e 359 da Rua Visconde do Uruguai e os de nºs 63, 65, 67, 69, 71 e 79 da Rua Marechal Deodoro, fazendo desaparecer a praça aí existente e derrubaram a secular tamarineira.
O prédio nº 341 da Rua Visconde do Uruguai, de dois pavimentos, ainda hoje existente, ficava fora desse conjunto, pois havia sido construído no alinhamento da Rua d'El-Rei (Visconde do Uruguai). Em tempos idos, foi Quartel de um batalhão da Guarda Nacional e depois residência da família de ascendentes do falecido médico Dr. Jerôrimo Dias.
No prédio nº 63 da Rua Marechal Deodoro, situado na esquina dessa rua com a Visconde do Uruguai, esteve durante muito tempo estabelecida, isto é, até depois de 1935 ou 1936, a "Casa Vitória", loja de fazendas muito conceituada. Nesse prédio existe agora o "Bar Restaurante Estado Novo".
Na manhã do dia 28 de outubro de 1967, essa esquina foi posta em evidência quando uma pessoa morreu e outras ficaram feridas, resultado da colisão violenta de ônibus da linha Fonseca-Cidade, chapa RJ 419-01, da Viação Fluminense, com o da Viação Galo Branco, chapa RJ 616-87, que serve àquela localidade gonçalense, na confluência das Ruas Visconde de Uruguai e Marechal Deodoro. No local morreu o barbeiro Rubem Figueiredo, casado, 49 anos, residente em São Gonçalo, que comprava jornal numa banca existente naquela esquina, sendo atingido na calçada.
Na tarde daquele sábado, eu estive no local e verifiquei, então, que o pilar esquerdo de cantaria, porta do canto quebrado prédio nº 63, da Rua Marechal Deodoro, estava deslocado e pondo em perigo o telhado do aludido prédio.
Naquele momento me veio a lembrança daquela esquina que eu conheci em 1903, quando voltei a residir em Niterói, recordei-me daquela colossal tamarineira que existiu no lugar mais ou menos correspondente ao daquele pilar deslocado e desaprumado, que, pelas suas dimensões, teria resistido com maior sucesso a tão violento choque.
Essa esquina parece estar marcada pela fatalidade porque quase ao findar o mês de fevereiro de 1973, naquela revisão geral feita pela C.Β.Ε.Ε. na rede de iluminação elétrica da cidade, um pesado poste de cimento armado despencou do guindaste que o sustinha, demolindo a marquise do prédio já referido; posteriormente, outro ônibus deu uma batida nesse ponto, sem grandes estragos, felizmente.
Publicado originalmente em O Fluminense, em 24 de junho de 1974
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto
Tags: