Capítulo 21 da Série "A Niterói que eu vi e a que viram meus avós", de Romeu de Seixas Mattos

Tendo em vista o que disse Mattoso Maia Forte no seu livro "Notas Para História de Niterói", no capítulo "A Capital da Província" (página 83), vou aproveitar o cruzamento dos lados de numeração ímpar das Ruas de São João e da Rainha (atual Visconde de Itaboraí) como elemento remanescente de um passado ligado ao advento do Ato Adicional (Lei de 12 de agosto de 1834) e a consequente nomeação de Joaquim José Rodrigues Torres, o Visconde de Itaboraí, para Presidente da Província recém-criada.

Disse Mattoso:

"O presidente da província fez a sede do seu governo na Vila Real da Praia Grande onde convocou a primeira reunião da assembleia provincial, que se realizou em 1º de fevereiro de 1835, depois dos deputados ouvirem a missa do Espírito Santo na igreja matriz de São João Batista, edificada no largo desse nome, no alinhamento da rua da Rainha (Visconde de Itaboraí). Nas proximidades, na esquina dessa rua com a de São João, o prédio, ainda hoje de pé, servia, nos primeiros anos, de palácio do governo".

Segundo as afirmativas de Mattoso Maia, os deputados ouviram missa na Matriz de São João Batista e o prédio, que ainda existe na esquina, serviu de palácio do governo "nos primeiros anos".

Sendo assim, torna-se necessário esclarecer que a Matriz de São João Batista a que se refere Mattoso é a desaparecida igreja construída por José Clemente Pereira e não a atual Catedral de São João Batista, edificada mais atrás, para substituir a anterior.

Quanto ao prédio da esquina, não tenho dúvida que foi sede do Governo Provincial, porém penso que não o foi nos primeiros anos da criação da Província do Rio de Janeiro. Assim penso porque: Examinando-se as plantas da cidade de Niterói, levantadas pelos Oficiais Engenheiros Vicente da Costa e Almeida Pedro Rettegarde Júnior, Fred Koeler e pelo Tenente da Armada Nacional Joaquim Raimundo de Lamare, em 1833, e por uma outra planta que consta na margem do Mapa da Província do Rio de Janeiro, levantada no governo do Brigadeiro João Paulo dos Santos Barreto (que penso ser de 1838), nós vemos que nessas plantas essa esquina não tem a indicação da existência de prédio e sim de terreno baldio.

Além disso, as notas fornecidas pela Professora Thalita de Oliveira Casadei, Presidente do Instituto Histórico de Niterói, tiradas do Volume da Correspondência do Presidente da Província com o Ministro do Império, com data de 20-10-1834, nas quais se refere Rodrigues Torres (Visconde de Itaboraí) ao palácio de São Domingos, cedido pela Casa Imperial para residência do Presidente da Província (vide artigo nosso 'Uma esquina de rua I', publicado em O Fluminense de 21-6-1974) parecem confirmar nossa suposição.

Examinando-se a construção que ainda hoje existe nessa esquina (Rua São João e Rua Visconde de Itaboraí) vê-se que o telhado dessa construção divide-se em duas partes, sendo uma mais alta, a da esquina, e outra, a mais baixa, a da parte posterior do prédio.

A diferença de alturas do telhado pode ser proveniente de acréscimo feitos no prédio, para adaptá-lo às necessidades de um palácio governamental e as conveniências de uma escola que aí também funcionou.

O edifício que foi Palácio do Governo da Província e, mais tarde, Liceu de Humanidades, Escola Normal e Escola Anexa, posteriormente, foi dividido primeiro em dois prédios, com os números 91 e 93, da Rua de São João.

O prédio n. 91 da Rua de São João foi adquirido em 28/8/1936 pela Associação dos Empregados no Comércio de Niterói e Antônio Martins Dourado e sua mulher, que o houveram do espólio de sua sogra e mãe, D. Maria Idalina Moreira Pereiга.

A sede anterior da Associacão dos Empregados no Comércio de Niterói era na Rua Barão do Amazonas nº 566.

Adquirido o prédio n. 91, a Associação dos Empregados no Comércio ocupou o pavimento superior com os seus departamentos e dividiu o pavimento térreo em várias economias, nas seguintes condições:

Na parte com testada para a Rua Visconde de Itaboraí, onde existia o quintal do prédio n. 91. foi construído um prédio (que tem o n.º 411), funcionando nele uma oficina de serralheiro. A seguir vem uma escada que dá entrada para o pavimento superior.

Depois, uma colchoaria com o nº 415, uma loja de artigos religiosos sob o n.º 417, ουtra escada de acesso ao pavimento superior, uma casa de móveis no n.º 421, uma loja de rádio no 423, um açougue e, na esquina, o Café e Bar Rio Madri.

Ao lado do bar e já na Rua de São João, foi aproveitada a entrada na qual existia uma escada que dava acesso ao sobrado, para instalacão de uma lojinha de relógios.

O prédio n.º 95 da Rua de São João, eu não consegui apurar a quem pertence, depois que deixou de ser escola, sei apenas que está alugado a um senhor de nome Machado, que a parte térrea está dividida em um salão de jogo de sinuca e um estabelecimento comercial com o nome de "Adega do Machado", sendo a parte superior ocupada pelo mencionado senhor.

No quintal desse prédio de nº 95 é que, segundo penso, estava o tal alpendre que foi consertado, conforme uma das notas avulsas que recebi da Professora Thalita e que a seguir trаnscreνο:

Arquivo Nacional IJJ9 376

Volume da Correspondência do Presidente da Província com o Ministro do Império

3/9/1838
João Caldas Vianna ao Ministro
Desde que se criou o Governo Presidencial desta Província em 1834 пеnhum só traste se há comprado para mobiliar a casa que serve de residência aos Presidentes dela. - José Mariano da Silva vendeu alguns móveis.

Móveis para o Palacete de São Domingos.

Informação - Nesta capital não há nem jamais houve edifício Nacional que servisse de Casa de residência aos Presidentes desta Província que sempre ocuparam casa particular por aluguel anual que ora é de 744$000.

(1841)
Planta e orçamento de um edifício para residência dos Presidentes de Provincia com capacidade conveniente para acomodação de respectiva Secretaria e Tesouraria. 6/12/1841
Carneiro Leão
Foi feita por Rivière - 100:730$000

Conforme o pedido - ser o edifício absolutamente retirado e que a sua construção fosse a ordinária do País, de paredes e cimalhas de alvenaria, portais de pedra de cantaria, portas almofadadas, forros e assoalhos de madeira, saguão e pátio ladrilhado de lajedo de granito.

21/7/1843

"Desde que se instalou nesta Província o Governo Presidencial, em 1834, nunca com o Palácio da Presidência se gastou um ceitil em mobiliá-lo até os fins de 1838, quando o Governo mandou dar 900$000 рага comprar cadeiras de jacarandá etc. Pede 5 contos para preparar hospedagem Monarca.

Despesas com o asseio e ornato do Palácio deste Governo - 1852 - mau estado em que se acha o Palácio preparado há 10 anos pouco mais ou menos.

O P. Darrigue Faro diz: ordenei a pintura, visto que já estava até mesmo indecente.

Arquivo Nacional IJJ9 381

3/11/1858
O P. Nicolau Tolentino fala sobre compra de mobília para o Palácio por ocasião da próxima visita de S.S. M.M. I.I. a Niterói.

20/9/1859
O Pres. Inácio Silveira da Motta
Aluguei do prédio que serve de Palácio do Gover.
2:400$000

O M. da Guerra ocupa parte do prédio com repartição a seu cargo.
Aluguel da casa e mais gratificação ao guarda-mobília.

IJJ9 382

15/5/1860 - 400$000 conserto no telhado e alpendre da casa que serve de Palácio da Presidência (o alpendre era forrado de zinco e pintado a óleo).

IJJ9 383

11/4/1861
ordenado do Presidente: 7:000$000
aluguel da casa: 2:700$000

30/9/1861
O Palácio da Presidência acha-se interiormente desprovido de móveis, louças e outros objetos indispensáveis e para essa compra, a quantia de 1:500$000.

25/10/1861
Achando-se muito deteriorado o edifício onde estava o Palácio desta Presidência, que fora alugado ao Comendador Manoel Goncalves Pereira Duarte e hoje pertence aos herdeiros deste, tomei a resolução de entregá-lo aos proprietários para lhe mandar fazer os consideráveis reparos de que carece e de alugar o prédio de propriedade do Barão de São Gonçalo sito à Rua da Fonte, em São Domingos, para servir àquele fim, correndo o respectivo aluguel na razão de 3:000$000 anuais, de amanhã em diante, dia em que cessa o do edificio ora entregue aqueles herdeiros.


Como se vê, trata-se de notas esparsas e sucintas, difíceis até de identificar, desde que se não tenha conhecimento de outros elos da cadeia histórica.

Assim é que no tempo de Mem de Sá e Arariboia a expressão - "banda de além" satisfazia para certos casos, até que mais tarde se tornou necessário ajuntar outras referências.

Então "Palácio de São Domingos", "Palácio da Presidência da Província" e outras eram referências de grande evidência até que, com o correr dos tempos, veio a tornar-se inexpressiva.

De 1816 a 1903 todos sabiam que Palácio de São Domingos era o Palácio de D. João VI, até que em outubro de 1861 o prédio da Rua da Fonte (atual Presidente Pedreira), de propriedade do Barão de São Gonçalo, foi alugado e para lá transferido o Governo da Província, sendo esse edifício chamado por alguns de Palácio de São Domingos e por outros de Palácio do Ingá, nome que depois foi também atribuído ao atual Palácio Nilo Peçanha.

A meu ver, baseado nos elementos que têm chegado ao meu alcance, presumo que o Governo da Província do Rio de Janeiro esteve localizado, nos primeiros tempos, no Palácio de D. João VI, de lá mudando-se (não sei quando) para o prédio na esquina da Rua da Rainha (Visconde de Itaboraí com a Rua de São João, onde ficou até outubro de 1861, quando foi transferido para o prédio alugado ao Barão de São Gonçalo, isto é, o prédio onde funciona a Escola "Aurelino Leal".

Posteriormente, no prédio da esquina da Rua da Rainha com São João funcionou durante muito tempo o Liceu de Humanidades, Escola Normal Anexa, esta na parte térrea do prédio.

Era Diretor da Escola Normal o Sr. Antônio Marciano da Silva Pontes, e da Escola Normal o Sr. Antônio Marciano da Silva Fontes, e da Escola Anexa o Sr. Felisberto de Carvalho.

Em 1885, meu pai - Manoel Gonçalves de Mattos - após concluir o Curso da Escola Normal de Niterói, em 1883, foi nomeado Professor da Escola Anexa para substituir Prof. Felisberto de Carvalho, ali permanecendo como professor até a extinção da Escola Anexa, em 1889 ou 1890.

Estudaram na Escola Anexa meus tios Júlio e Carlos Martins de Seixas, meus primos Mário, Ernesto e João Ferreira da Costa e muitos outros jovens que, mais tarde, venceram nas artes e na literatura, como poderemos citar o Dr. Epaminondas Mourão Pereira de Carvalho (filho de Felisberto de Carvalho), advogado ilustre, fundador da Academia Fluminense de Letras, e Joaquim Veiga, ator admirável que vi representar contracenando com Leopoldo Fróes e, na opereta "O Conde de Luxemburgo", fazendo o Brissard", cantava em dueto com atriz, cujo nome não me ocorre e com grande sucesso, A "Valsa dos beijos", sempre bisada com entusiasmo popular. Joaquim Veiga era parente do inesquecível médico Dr. Mullulo da Veiga.

Publicado originalmente em O Fluminense, em 29 de julho de 1974
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto
Na imagem de capa, foto do Jardim São João. No alto à esquerda é possível ver o prédio citado no artigo, na esquina das ruas São João e Visconde de Itaboraí. Repare que a praça ainda não era cortada pelo logradouro.


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Publicado em 18/10/2024

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