Capítulo 25 da Série "A Niterói que eu vi e a que viram meus avós", de Romeu de Seixas Mattos
Essa praça surgiu, naturalmente, quando a Prefeitura Municipal de Niterói substituiu antigo calçamento de alvenaria bruta que o povo chamava de "Pé de moleque", da antiga Rua da Praia, atualmente com o nome de Visconde do Rio Branco, por paralelepípedos sobre base de areia, e aterrou uma pequena enseada que existia defronte de um grande sobrado de quatro pavimentos, o qual foi demolido para, em seu terreno, ser construída a
Vila Pereira Carneiro.
Feito o referido aterro, substituído o primitivo calçamento e colocados os meios-fios delineando devidamente uma praça, a Câmara Municipal de Niterói, pela Deliberação n. 196, de 13 de dezembro de 1911, sancionada pelo Prefeito Dr. Feliciano Pires de Abreu Sodré Júnior, denominou esse novo largo como
Praça Dr. Azevedo Cruz, largo esse que, segundo a redação da mencionada Deliberação n. 196, ficava em frente à Secretaria de Polícia.
Embora a Repartição de Polícia funcionasse na Rua da Praia naquela época (1903 a 1912 ou 1913), a confrontação dada na Deliberação n.º 196 não era muito fiel, porque o aterro onde foi colocada a nova praça não ultrapassava o alinhamento da antiga Rua de Santa Clara (atual Rua Coronel Miranda) e o prédio da Repartição de Polícia ficava mais adiante, isto é, entre as Ruas de Santa Clara (Coronel Miranda) e de São Carlos, atual Rua Silva Jardim, no nº 17 antigo (onde está, hoje, a garagem do Estado).
Em 1903 o Dr.
Azevedo Cruz era o Chefe de Polícia no primeiro governo de Nilo Peçanha e, segundo penso, já era falecido quando foi sancionada a Deliberação n. 196.
Em tempos idos existiu um pequeno Largo ao lado da parte aterrada, chamado
Largo do Laboratório, que foi ampliado com o aterro da enseada; nesse Largo existia um chafariz público alimentado por uma fonte que ainda existe no Morro da Armação.
Desse chafariz tomei conhecimento pelo documento que abaixo transcrevo, mantendo sua ortografia original, a título de curiosidade:
"Nº 70
Illmo. Exmo. Sr. Quando a Camara Municipal d'esta Cidade tomou posse em 7 de Janeiro de 1857, um de seos primeiros cuidados, foi o de certificar-se por meio de cuidadosos exames do estado dos Chafarizes, bicas, e depositos d'agoas potaveis, existentes n'esta Cidade, de cujas chaves se achava de posse, e sabendo então que a do reservatorio que alimenta as duas bicas da rua da praia existente em um proprio nacional, que se acha na subida d'Armação existia em poder do encarregado d'esse predio, a elle se dirigio, e então soube que o governo geral, pelo Ministerio de Marinha, só tinha posto á disposição do Governo da provincia as sobras d'agoa que afluem áquelle reservatorio, pelo que se havia collocado n'elle uma torneira, sendo a respectiva chave guardada pelo mesmo encarregado. A tempos porem, começou a ser sencivel a falta d'agoas n'essas bicas sem que eu pudesse atinar com a cauza, que alias não me perecia natural, e por isso dirigindo-me ao proprio reservatorio me certifiquei de que os moradores do referido predio nacional, ou para evitarem uma pequena volta que preciso dar para ir ao lugar em que se acha a torneira de que já fallei, ou por outra qualquer razão que ignoro, praticarão o arrombamento do cano que é de telha, e entupirão-no com panos velhos, alguns dos quais estarão pôdres, e assim obrigavão a agoa a retroceder perdendo-se a sua maior parte, e indo só para o reservatorio a que filtrava pelos mencionados panos. Esse assude de nova especie servindo para lavagem de roupa de toda a qualidade, e o telhado do deposito para despejo das agoas de sabão, tornavão os sobejos d'ágoa que é somente a que corria para as bicas tão impuras e danosas que mandei feixar o registro, afim de que a população illudida não se estivesse alimentando com uma agoa por tal modo dannificada, e para que se deem algumas providencias, me dirijo a V. Ex, pedindo que se sollicite do governo geral entrega daquelle reservatorio, afim de que a Camara possa exercer sobre elle a conveniente inspeção. Deos Guarde a V. Ex. Nictheroy, 16 de Outubro de 1858. Illmo. Exmo. Sr. Conselheiro Antonio Nicoláo Tolentino - Presidente da Provincia do Rio de Janeiro - José Duarte Galvão Junior - Prizidente"
Por esse ofício do Presidente da Câmara Municipal de Niterói, que administrava a cidade, ao Presidente da Província pode-se fazer uma ideia das condições precárias de higiene do chafariz do antigo Largo do Laboratório.
Entre 1903 e 1907 (ou mais) conheci residindo em um prédio de dois pavimentos, entre o Largo de Laboratório e a ladeira que dava acesso para o antigo Laboratório da Marinha, o Mestre Belchior, Patrão da Lançha nº 7, lancha que conduzia os oficiais e operários ao antigo Laboratório da Marinha.
Nessa lancha, que transportava os operários das diversas oficinas para os navios da esquadra e ilhas onde existiam repartições da Marinha, eu viajei durante o tempo em que trabalhei como operário da Oficina de Torpedos e Eletricidade, destacado para servir na Estação Radiotelegráfica da Ilha das Cobras com os alemães que vieram instalar o telégrafo-sem-fio nos navios de nossa esquadra.
O Mestre Belchior - muito consciencioso, pois não nos deixava saltar (especialmente a mim, garoto afoito que era) em terra antes de encostar bem a lancha - tinha uma filha de nome Dolores, moça de grande formosura, рossuidora de uma voz de contralto muito aproveitável que, além de formada em piano e canto, completou também o curso da Escola Normal de Niterói, sendo contemporânea de minha prima Antonietta de Seixas Mattos.
O antigo Largo do Laboratório desapareceu quando foi construído o prédio em que esteve instalado o Serviço de Reembolsável da Marinha, extinto em junho do corrente ano.
Atualmente existe ainda um remanescente da Praça Dr. Azevedo Cruz que é hoje construída em forma de 'L' pela parte do início da Rua Visconde do Rio Branco, com início na Ladeira do Laboratório e entre a Vila Pereira Carneiro e o Almoxarifado da PMN, parte que ficou fora da área murada para o almoxarifado.
Essa parte em forma de 'L' - entre a Ladeira do Laboratório que dava acesso ao Morro da Armação e a Rua de Santa Clara (atual Coronel Miranda) onde existe a elevatória final do Distrito Central dos Esgotos Sanitários de Niterói, pertencia à antiga Rua da Praia e surgiu quando a Ponta d'Areia encostou na ilha da Armação, em virtude do Decreto Provincial de n. 291, de 29 de maio de 1842, que autorizou a construir um cais da Armação a Ponta d'Areia, cais que foi construído até à Rua Coronel Gomes Machado.
A Praça Dr. Azevedo Cruz começou a desaparecer quando, em 1912 ou 1913, o prefeito Dr. Feliciano Pires de Abreu Sodré Junior mandou erguer muro em todo o seu contorno e dentro dessa área foram feitos os armazéns para o almoxarifado de 4* Seção de Saneamento de Niterói, chefiada, naquela ocasião, pelo Capitão de Engenheiros Dr. Teixeira de Freitas que em 1930, já no posto de General, chefiava a Casa Militar do Presidente Washington Luís, quando este foi deposto.
Atualmente, nessa área funciona o Almoxarifado da Prefeitura Municipal de Niterói.
O terreno da Praça Dr. Azevedo Cruz estava fora e muito distante da sesmaria concedida ao Índio Arariboia, porque ficava em parte da ilha da Armação e em parte no acrescido de marinha da Ponta d'Areia quando encostou na ilha da Armação, conforme esclareci em outros trabalhos anteriormente publicados.
Publicado originalmente em O Fluminense, em 11 de julho de 1974
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto
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