Capítulo 29 da Série "A Niterói que eu vi e a que viram meus avós", de Romeu de Seixas Mattos
Quando, por volta das treze horas do dia 13 de outubro de 1974, li "O Fluminense", tive a notícia do falecimento de José de Oliveira Campos Júnior, uma das figuras mais tradicionais de Niterói, conhecido por todos como "Campos da farmácia" e por mim apenas como Juca Campos, porque, ao nos conhecermos, não tinha ele ainda a sua tradicional farmácia e era aluno do "Colégio Spencer", do Professor Eugênio Jorge, posteriormente fabricante do explosivo "Stygia".
Eram seus colegas, nesse colégio e nessa época tão distante (cerca de 70 anos), os três filhos do falecido leiloeirο Osório da Silveira - Neguinho, Capículo e "Seu Bando" - meus comраnheiros de folguedos no Jardim de São João, além de outros cujos nomes não me ocorrem agora, que mais tarde atingiram o sucesso na vida profissional.
Eu frequentava o "Colégio Brasileiro", do Professor Carlos Alberto, e tinha como colegas uma plêiade de jovens notáveis que evoluíram e prestaram grandes serviços a Niterói e ao Brasil, tais como: Carlos e Pergentino Guimarães (irmãos do Almirante Protógenes Guimarães, que foi Governador do Estado), Flávio Fróes da Cruz, João Gonçalves da Fonte, Alberto Carvalho. Alberto Fortes, Benevenuto Soares, Edésio Silveira e seus irmãos Edmar e Edegário, Nereu Guerra, seu irmão e suas irmãs, Luiz Fernandes Pinheiro, Antônio da Costa Velho, Paulo e Djalma Marcenes, Aurélio Leite e sua irmã Cândida, meus primos Mário, Marieta e Olga da Costa Areas, Haydée Brasil (moça de grande beleza) e outros mais, de nomes que me escapam по momento.
O Colégio "Spencer" era situado na antiga rua da Praia (atual Visconde do Rio Branco) entre as ruas de São Pedro e São João. O "Colégio Brasileiro" ficava nessa mesma rua da Praia, mas entre as ruas de São João e Marechal Deodoro.
No quintal do "Colégio Brasileiro", no ano de 1903, foi tirada uma fotografia dos alunos, do diretor Carlos Alberto e de sua esposa e filhas, também professoras do colégio. Além do Diretor e dos professores, estavam no primeiro plano as alunas, com uma larga fita verde e amarela a tiracolo, e nos outros planos, os alunos, entre os quais eu e os já citados anteriormente.
Esta fotografia tenho grande interesse de encontrá-la ainda, em poder de algum desses antigos colegas ou de suas famílias, porque a que eu possuía foi destruída pelos cupins, privando- me desse testemunho da minha infância e da minha vida escolar.
Juca Campos nasceu em Niterói, 90 dias antes de mim, aliás 91 dias, porque o ano de 1892 foi bissexto.
No princípio deste século, seu pai, José de Oliveira Campos, possuía uma loja de ferragens, instalada em frente ao Tesouro, isto é, na rua Visconde do Uruguai, esquina da rua Marechal Deodoro.
Em janeiro de 1912, o Juca Campos, já diplomado em farmácia, for nomeado Quimico da Prefeitura Municipal de Niterói pelo então Prefeito Dr. Feliciano Pires de Abreu Sodré Júnior, onde eu já trabalhava como topógrafo desde 16 de março de 1911.
Na administração do Prefeito Sodré e na revisão do projeto de esgotos pelo Dr. Manoel Ribeiro de Almeida, foi nomeada uma Comissão para estudar o tratamento dos esgotos a serem lançados em três pontos da Baía de Guanabara, isto é, nos pontos finais dos Distritos Norte, Central e Sul. Compunham a Comissão os Doutores: Álvaro Frederico de Bormann Borges, Diretor de Higiene Municipal (primo de minha mãe), Cardoso Fontes, A. Godoy (Armando ou Alcides, não estou certo), médicos notáveis e membros do Instituto Manguinhos.
Para experiência e fornecimento de amostras para análises bacteriológicas, foi montada, na subida do Hospital São João Batista, uma fossa biológica para receber e tratar os esgotos desse hospital e também uma outra foi instalada na Ilha do Viana.
Nessa estação de tratamento em miniatura, no Hospital São João Batista, embora topógrafo da PMN, eu tomei parte como eletricista (que tinha sido), para montar um grupo conversor trifásico e dínamo de baixa voltagem (32 volts) para as experiências do tratamento eletrolítico dos esgotos e produção do cloro.
Na da Ilha do Viana, o Dr. Braconot, Engenheiro da firma Lage & Irmãos, se encarregava do tratamento eletrolítico dos esgotos naquela ilha.
Havia também, na Diretoria de Higiene Municipal, que funcionara na rua de São Pedro, esquina da rua Visconde do Uruguai, ao lado da Câmara Municipal, um laboratório de análises considerado, naquela época, o mais bem montado do país, dispondo de um microscópio ótico que aumentera 5.000 diâmetros, belanços de alta precisão, cubas circulares de platina de alto custo e de todos os tamanhos, desde dois centímetros até vinte centímetros de diâmetro, com alturas que aumentavam em função do diâmetro, e todo o material necessário para tal desiderato.
Nesse laboratório trabalhava o Juca Campos, e eu lá estive muitas vezes, em objeto de serviço ou em visita de cortesia e de curiosidade científica.
Trabalhando no laboratório de análises da PMN, com os doutores A. Godoy e Cardoso Fontes, membros do Instituto de Manguinhos, Juca Campos terminou com grande sucesso o curso daquele estabelecimento científico, sendo talvez um dos primeiros farmacêuticos a conseguir ingresso em um curso em sua maioria frequentado por médicos.
Infelizmente, porém, esse laboratório desapareceu, embora tivesse um destino útil, pois foi doado ao Instituto Vital Brasil, e o Juca Campos desviou-se talvez de sua rota, onde poderia ter-se tornado um grande especialista.
Após a epidemia de gripe "espanhola", isto é, em novembro ou dezembro de 1918 o Juca Campos inaugurou a sua depois tradicional "Farmácia Campos", não sabendo eu se deixou então o serviço da Prefeitura Municipal de Niterói.
A farmácia era, a princípio, um ponto de reunião de seus amigos, ponto de convergência de intelectuais. Tornando-se revolucionário desde 1922, Juca Campos tomou parte ativa em alguns episódios interessantes e esteve preso, e a sua farmácia passou a ser também um QG intelectual revolucionário em Niterói.
Em 1928, Juca Campos, já casado e com filhos, residia na rua Saldanha Marinho nº 117, sendo portanto meu vizinho, uma vez que minha casa faz esquina com essa rua.
Juca Campos tinha, na Serra de Friburgo, na Estação de Boca do Mato da Leopoldina Railway, uma casa de veraneio, onde uma vez pernoitei por haver perdido a hora do trem, em serviço de reparo da 1ª Linha Adutora do abastecimento d'água de Niterói.
Nessa ocasião ele aguardara uma visita do Comandante Ari Parreiras, então Interventor em exercício no Estado do Rio.
Há alguns meses encontrei-me, pela última vez, com esse amigo de infância, na rua Visconde do Uruguai, em frente à casa do falecido Dr. José Vitorino da Costa, belo palacete situado no nº 256, hoje subdividido, e em cujo jardim foi construído o edifício "Visconde do Uruguai".
Conversamos longo tempo, recordando um passado que se distancia no vasto oceano do tempo.
A conversa começou sobre a casa do Dr. Vitorino e acabou em torno das nossas atividades e nossas lutas: eu lhe pedi que escrevesse sobre aquela odisséia dos tempos do laboratório de análises e ele me fez um elogio a respeito da minha conduta como funcionário público, por ele sempre observado, especialmente da sua casa de veraneio, de onde ele pudera ver os meus sacrifícios e do pessoal que comigo trabalhava, para manter nas melhores condições possíveis o abastecimento de água a Niterói, naquela época.
Separamo-nos emocionados, combinando novas conversas que não puderam ser realizadas, sem sabermos que aquele era o nosso último encontro de amigos que desde a infância se aproximaram por uma comunhão de ideais e de sentimentos, amigos que nunca se atormentaram pela inveja, o ciúme, o despeito ou outro qualquer sentimento subalterno.
Emocionado ele, porque na nossa conversa sobre prédios antigos, veio à baila aquele onde conheceu a sua falecida esposa, D. Ofélia Siqueira Campos. E eu, porque verifiquei que o meu esforço anônimo e dedicação ao trabalho de toda a minha vida não tinha "passado em branca nuvem", fora notado por um espírito independente, incapaz de bajular.
Que repouse em paz José de Oliveira Campos Júnior, o "Campos da Farmácia", meu amigo Juca Campos, que continuará vivendo a vida subjetiva, na lembrança daqueles que o estimaram e nos remanescentes de suas proveitosas atividades.
Publicado originalmente em O Fluminense, em 25 de outubro de 1974
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto
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