Capítulo 31 da Série "A Niterói que eu vi e a que viram meus avós", de Romeu de Seixas Mattos

Mattoso Maia Forte, in "Notas para história de Niterói" (1º edição), não fez um trabalho específico sobre "O Cabaceiro e a desaparecida praia com esse nome"; fez apenas algumas referências, aqui e ali, a propósito dos referidos acidentes.

Vou transcrever aqui esses elementos reunidos e acrescentar aquilo que esteja ao meu alcance, tentando melhores esclarecimentos para o assunto.

Na página 30 das "Notas" de Mattoso, na parte relativa à primeira visita de D. João VI em maio de 1816, encontra-se o seguinte:

"D. João VI, temendo pela segurança das fronteiras meridionais do Brasil, mandara vir de Portugal uma lusida divisão de seus exércitos, aquartelando-a na Armação, e ainda em casas do proprietário Manoel José de Souza Silva (avô do Sr. Oscar Guanabarino), sitas no Cabaceiro (1), desaparecidas com a abertura da Rua São Luís, ora Visconde de Morais".

No rodapé da mesma página diz ele, a propósito do Cabaceiro:

"(1) O Cabaceiro era o local que se estende desde a base do morro do Hospital até as proximidades da Rua Visconde de Morais. Pampulha era todo o local que faz frente para a antiga ponte de São Domingos."

Existe mais no referido trabalho de Mattoso Maia, na página nº 66:

"Nesse tempo havia ainda em São Domingos, entre a atual Rua Guilherme Briggs e o mar, um morro de pequena elevação. O local era conhecido por "Pampulha".

Na página 185, no capítulo referente a melhoramentos urbanos etc., encontramos:

"Pouco depois foi iniciada a construção de outra ponte no Pampulha, local que se estendia pela praia, abaixo da Travessa Guilherme Briggs até a praça Leoni Ramos. Nessa época o vetusto casarão que aí existe, fronteiro no mar, não tinha sido ainda construído, havendo nesse local, entre a praia e essa travessa, o pequeno cômoro do João Homem. A nova ponte foi, depois, substituída por uma de pedra, que serviu a outra companhia, e que ainda se vê, prolongando-se pelo mar, ao lado da velha ponte da companhia Ferry".

No capítulo "Aspectos Físicos", no final da página 136 e no começo da página 137, novamente menciona Mattoso o Cabaceiro:

"A enseada de Niterói, a Praia Grande, forma-se entre as pontas do Gragoatá e da Armação e no seu contorno estão as praias do Gragoatá, com cais de cimento armado; de São Domingos, desde as oficinas da Cantareira até a ponte do antigo Pampulha; o cais e praia, antigamente conhecidos por Cabaceiro; a do Valonguinho, que se lhe segue e vai até o edifício do "Hotel Imperial" e a praia Grande, propriamente, que vai daí até a base do morro da Armação".

Baseado em vários documentos, tais como: os dizeres da demarcação da linha de sertão do lado das barreiras vermelhas, feita pelo piloto Manoel Vieira, em 27 de novembro de 1639; a planta do Dr. Lossio de 1805 e outras; em processos de aberturas de ruas e aterro de pântanos etc.. cheguei às seguintes conclusões:

1º) - Que um determinado ponto do caminhamento seguido pelo piloto Manoel Vieira na demarcação de 27 de novembro de 1659, que naquela época ficava num caminho de carro, provavelmente de tração bovina porque nas imediações havia o plantio de cana, caminho esse que mais tarde tomou o nome de "caminho de elma", conforme consta na planta que suponho seja de 1872, agora fica na Rua General Osório esquina da Travessa Correia.

2º) - Que um outro ponto citado no referido caminhamento, que em 1659 era um formigueiro situado no canavial de Violante Soares de Souza (descendente de Arariboia), posteriormente ficou situado próximo ao Beco de São Brás, em terreno alagadiço, conhecido em tempos idos como "Praia dos Cabaceiros", que se estendia naquela época até a rua Nova de São Domingos, atual Rua General Andrade Neves.

3º) No início da Rua Fresca, atual Passo da Pátria - onde havia um grande atoleiro, produzido pelas águas de uma fonte existente nesta rua, que foi aterrado entre 2 de outubro de 1879 e 30 de dezembro do mesmo ano, conforme consta a pág. nº 30 do Relatório do Diretor de Obras referente no ano de 1879 - caía o ponto do literal que existiu em 1568 situado a 200 braças a partir do prolongamento até o mar da linha de sertão no rumo de leste e quarta de sudeste do lado das barreiras vermelhas. Desse ponto das 200 braças o referido litoral de 1568 (que procurei reconstituir através do exame do terreno e pelos dizeres da demarcação citada anteriormente) caminhava aproximando-se da Rua Nova de São Domingos (hoje General Andrade Neves) e pelo Beco de São Brás, passando entre esses logradouros públicos e a linha do Pampulha até chegar ao ponto de 580 braças que caiu na antiga Rua de Praia, atual Visconde do Rio Branco na curva em frente à sede do Clube Canto do Rio. Esse trecho do litoral de 1568 entre 200 e 550 braças desenvolvia-se pela desaparecida "Praia das Cabeceiros".

4º) - Que sendo assim e desaparecido Pampulha era uma libe situada fora do aludido litoral de 1568, cujo desmonte forneceu terra para aterrar e pântano ali existente. Em 1903 cheguei a ver o que restava desse morro no terreno de uma fábrica de vidros situado na Rua Guilherme Briggs, antiga Rua dos Cabeceiros, fábrica que não existe mais.

5º) - Que o Palácio de D. João VI, demolido em 1904, e descrito por mim em artigo que "O Fluminense" publicou em 21 de junho do ano corrente, ficava também fora do litoral que existiu em 1568.

6º) - A casa que dizem ter pertencido a José Bonifácio, parte da qual foi demolida em 1911 para ampliação do antigo Largo de São Domingos (atual Praça Leoni Ramos), construída em acrescido de marinha, também estava fora do litoral que existiu em 1568.

7º) - Também раrа alargamento da Praça Leoni Ramos, prolongamento da antiga Rua da Praia, foi feito um grande recuo no terreno onde funcionaram as oficinas da Companhia Cantareira e Viação Fluminense (CCVP), sendo que o restante do terreno será absorvido, por sua zez, pelo Projeto Praia Grande.

8º) - As duas pontes mencionadas por Mattoso Maia na página 125 das "Notas рагa história de Niterói" - a de pedra da Companhia Ferry (está nas plantas da cidade aparece como de São Domingos) - são remanescentes que desaparecerão com o advento do "Projeto Praia Grande".

9º) - Que o antigo "Caminho de Baixo" conforme consta na planta que suponho de 1872, tomou o nome de Rua Guarani e agora tem o nome de Rua Alexandre Moura, conforme a Deliberação nº 195 de 13 de dezembro de 1911, sancionada pelo Prefeito Dr. Feliciano Sodré.

10º) Que a Igreja do Gragoatá, isto é, a Ermida de São Domingos, construída por Domingos de Araújo, em cujo alpendre compareceram em 1671, aos 27 dias do mês de agosto os descendentes de Arariboia, entre os quais Violante Soares de Sousa, viúva do Domingos de Araújo e o respectivo tabelião, para doarem o terreno onde Antônio Correia de Pina (o Pai Correia) construiu a Igreja de N. S. da Conceição, sito no cruzamento das atuais Ruas Dr. Celestino, da Conceição e Visconde de Sepetiba - também ficava em terreno de acrescido de marinhas, isto é, fora do litoral de 1568.

Quanto à referência de Mattoso Maia Forte, contida no final da página 138 e começo da 137 relativa à Praia Grande, tenho a dizer que Mattoso se baseou na planta de 1833, levantada pelos oficiais engenheiros Vicente Costa e Almeida, Pedro Rettegarde Júnior, Fred Koeler e pelo tenente da Armada Nacional Joaquim Raymundo de Lamare, que indica aquela enseada como "Saco da Praia Grande", dividindo-a em Praia de Manoel Alves, Praia Grande e Valonguinho.

Sucede porém que essa planta, a meu ver, nesse ponto tem uma série de incompatibilidades com elementos contidos na legislação provincial, que me levam a crer que a indicação de Praia Grande não foi profundamente estudada, não levando em conta que a Ponta d'Areia não existia em 1568, que a sua evolução produziu duas enseadas e que o antigo litoral que existiu em 1568 talvez fosse a "verdadeira" Praia Grande, porque de fato era extenso, tanto assim que através dele mediram as três mil braças craveiras correspondentes a uma légua ao longo do mar, concedida na sesmaria pertencente ao Índio Arariboia.

Se consultarmos documentos precedentes à concessão de outras sesmarias anteriores a de Arariboia, veremos que existem referências a duas "Praia Grande" - uma que distinguiram como sendo em frente à Laje, e outra (a do Arariboia) a que se referiram como sendo na "Banda de Além".

Baseado nesses elementos, eu suponho que a verdadeira Praia Grande se refere ao antigo litoral que existiu em 1568 e não ao local onde a planta de 1833 e Mattoso Maia indicaram, mas isso é assunto para ser abordado em outro trabalho.

Dirigindo-se em ofício à Assembleia da Província, dizia a Câmara Municipal de Niterói.

"Snrs. d'Assembleia Provincial. A Câmara Municipal da Imperial Cidade de Niterói, reconhecendo a utilidade que resultava da continuação da abertura da rua de São Luís, desde a do Ingá até a da praia do Cabaceiro, conseguiu a concessão dos proprietários dos terrenos por onde essa abertura se tenha de efetuar, e tem feito já alguns trabalhos à custa de seus cofres; (ilegível), reconhecendo a necessidade de aterrar quanto antes dois pântanos que existem perto dessa rua, e que, com muita economia podem sê-lo com o aterro que dels sair, e não estando suas rendas em relação à despesa que de pronto é de mister fazer-se; resolveu pedir-vos a consignação da quantia de 11:000$000 dada desde já para ajuda da mencionada abertura, e aterro, quantia esta muito inferior, em verdade, a que é preciso desprender; porém suficiente adjutório no pensar da Câmara. Deus Guarde aos Snrs. d'Assembleia Provincial, Niterói 16 de dezembro de 1859. "

O mencionado Ofício nº 78 foi assinado pelos vereadores: Galvão Júnior - Gomes - Castro - Вaptista - Tavares - Fróes - Dr. França Júnior, na mesma data do transcrito acima...

Este ofício da Câmara Municipal refere-se à abertura da rua São Luís entre a rua do Ingá e a praia dos Cabaceiros. Trata-se do trecho onde houve um grande corte em pedra, entre a atual rua Tiradentes (antiga do Ingá) e a rua General Andrade Neves (antiga Rua Nova de São Domingos).

Atualmente, esta antiga rua de São Luís, depois Rua Visconde de Morais, vai desde a rua da Praia, atual Visconde do Rio Branco, até a antiga Rua da Fonte, hoje Presidente Pedreira.

Julgo interessante transcrever o docume seguinte:

"O doutor José Joaquim do Carmo, Diretor da Fazenda da Província do Rio de Janeiro. Faço saber que, havendo Joaquim Antonio Gonçalves, sua mulher e do cedido gratuitamente terrenos de sua propriedade da Rua São Luís, entre a Rua do Cabeceiro e o Beco São Brás, para abertura daquela rua, em conformidade com a Lei Nº 99 de fevereiro de 1857 e despacho do Exmo. Sr. Vice-presidente da Província datado de 25 de setembro próximo passado, lhe mandei passar o presente título a fim de poderem gozar da isenção de décima urbana, por tempo de vinte anos, a partir da década do referido despacho dos prédios que edificarão dentro dos limites do mencionado terreno. 'Diretora de Fazenda da Província do Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1865'".

Como se vê através deste documento, o terreno onde foi aberta a antiga Rua São Luís, nesse ponto, foi doado por Joaquim Antônio Gonçalves e sua mulher, em troca de isenção da décima urbana durante vinte anos, para os prédios que construíssem.

Deduz-se, também, que o advento dessa rua é posterior a outubro de 1865, da leitura desse documento evidentemente.

Segundo o Indicador de Ruas "MIRAN - fl/72, pág. 54 - a Rua Visconde de Morais chama-se Professor Hernani Melo, do início até à rua General Andrade Neves, daí em diante conservou o nome de Visconde de Morais.

Na página nº 188 do referido guia, há uma indicação sobre o Largo do Cabaceiro, situado na Rua Visconde do Rio Branco, início da Rua Guilherme Briggs, São Domingos.

Trata-se de um local onde existe uma grande tamarineira dentro do Largo, aliás um largo muito pequeno.

Conforme as referências de Mattoso Maia Forte e do Indicador de Ruas "MIRAN" 71/72, remanescentes que chegaram aos dias atuais são esse diminuto largo e a Praia dos Cabaceiros, assim chamada pelo povo essa parte do cais em frente ao trecho da Rua Visconde do Rio Branco que vai do ponto fronteiro à sede do Clube Canto do Rio até o início da rua Guilherme Briggs (antiga rua do Cabaceiro), isso ainda por pouco tempo, porque toda a linha de cais ao longo da antiga rua da Praia (atual Visconde do Rio Branco) e rua Alexandre Moura está sendo aterrada de acordo com o "Projeto Praia Grande".

Então, quando o aterro estiver concluído, não será notado o remanescente que chegou aos nossos dias, desaparecendo a antiga Praia dos Cabaceiros, que se estendia até próximo da rua Nova de São Domingos (atual Rua General Andrade Neves), como desapareceram os cabaceiros (árvore da família das Bignoniáceas também chamada cuieira) que deram nome os aludidos acidentes.


Publicado originalmente em O Fluminense, em 14 de dezembro de 1974
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto


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Publicado em 31/10/2024

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