Capítulo 33 da Série "A Niterói que eu vi e a que viram meus avós", de Romeu de Seixas Mattos

A citação que fiz no artigo sobre o rio dos Passarinhos, relativa ao aproveitamento de uma galeria de esgotos construída em 1890, no governo do Dr. Francisco Portela, para a qual o aludido rio fora canalizado em 1912, levou-me a esboçar em outro artigo, um sucinto histórico do serviço de esgotos de Niterói, transcrevendo alguns dados técnicos do projeto apresentado pela Empresa de Obras Públicas no Brazil (Brasil com Z, segundo a grafia da época) em atendimento ao Edital de 4 de fevereiro de 1890.

Nesse outro artigo, tratando-se do aproveitamento de uma galeria de esgotos, referi-me também ligeiramente ao primeiro contrato para remoção de matérias fecais, águas servidas e pluviais assinado com o Comendador Francisco Pinto de Mello, em 22 de março de 1872, que foi declarado caduco, por excesso de prazo nele estipulado, em 16 de agosto de 1875 (página n.º 51 do Relatório Provincial de 1876) e fiz algumas considerações sobre o Urubu e o Tigre e o que representavam para a higiene da cidade.

Sendo assim, o Edital de 4 de fevereiro de 1890 era a segunda tentativa que o Governo fazia para libertar Niterói dos inconvenientes do "Tigre". O advento do projeto apresentado pela Empresa de Obras Públicas no Brazil era uma iniciativa que teria obtido sucesso, não fossem os acontecimentos políticos que fizeram paralisar tão útil empreendimento, mas deixando no subsolo da cidade, algumas galerias de grande diâmetro, uma das quais foi aproveitada para canalizar o Rio dos Passarinhos.

Através da leitura da "memória justificativa do projeto de esgotos" apresentada pela Empresa de Obras Públicas no Brazil, vê-se que o assunto foi tecnicamente estudado pelo Sr. T. Tapajós, signatário da memória justificativa daquele projeto.

Naturalmente talvez, naquela época não pudesse dispor da fórmula de Yule que generalizou a equação de Verhust etc.. enfim, dos modernos processos de análises estatísticas atualmente empregados.

Contudo, o autor do projeto de esgotos apresentado pela Empresa de Obras Públicas no Brazil, em obediência ao Edital de 4 de fevereiro de 1890, dimensionou diâmetros, declividades e adotou formas de canalizações partindo dos seguintes dados:

A área do 1º Distrito de esgoto era de três milhões seiscentos e dois a metros quadrados (3.602.000m2) estando nela distribuídos 3.182 prédios, sendo:

Em Niterói propriamente ... 2.135
Em São Domingos ... 404
Em Sant'Ana e São Lourenço ... 640

Além destes havia mais a atender 274 grupos de 5 casas de estalagens que deveriam ter esgotos próprios, o que elevava o total das casas a esgotar a 3.642, sendo destas:

Sobrados ... 218
Térreas ... 2.970
Grupo de 5 ... 274

Não estando feita a estatística da cidade (diziam eles quando apresentaram o projeto em 31 de março de 1890, embora nesse ano tenha havido dois censos - um estadual, que deu para Niterói uma população de 30.822 habitantes, e um geral, que acusou uma população de 34.269 habitantes, que talvez ocorressem posteriormente, ou não estivessem apurados à data da apresentação do projeto), tomaram a média de cinco pessoas por prédio e, assim, chegaram a um total de 17.310 habitantes para os bairros considerados, total esse muito próximo da realidade (como eles pensavam, porque naquela época os referidos recenseamentos incluíam a população de São Gonçalo, que se não havia desmembrado ainda de Niterói.

O 2º Distrito (de esgotos) constituído pelos bairros de Icaraí e Santa Rosa, cuja área era igual a dois milhões duzentos e vinte e sete mil metros quadrados (2.227.000m2) tinha 930 casas e 18 grupos de 5 casas de estalagem. A população era igual a 4.690 almas.

Chegaram assim a um total geral de 4.400 casas e 22.000 habitantes.

Como se vê, não teriam levado em conta, para os referidos cálculos, a população do Barreto. Se o fizessem teriam um total de 4.810 casas, porque o Barreto tinha um número de 410 casas e uma população de 2.050 habitantes, naquela época, e para a cidade de Niterói, nos limites da décima urbana, encontrariam um total de 24.000 almas ou sejam: praticamente 25.000 habitantes.

Calculando um serviço de esgotos para uma população dupla da encontrada, isto é, para 50.000 habitantes, e proporcional a 8.000 prédios (mais ou menos) chegaram aos seguintes resultados:

A distribuição diária das águas que iriam concorrer aos esgotos da cidade abastecida em condições de excelência como iria ser Niterói, ao tempo dos esgotos projetados, podia e devia ser calculada em 135 litros por habitante (Calcularam 200 litros per capita e admitiram que 2/3 influiriam para os esgotos).

Vê-se daí que o líquido expelido para os esgotos, não admitindo perdas, deveria ser igual a 6.750.000 litros por dia. Juntando-se a eles mais dois milhões de litros empregados nos tanques fluxíveis, lavagem de ralos, mictórios, latrinas, chegaram a um total de 8.750.000 litros, ou sejam nove mil metros cúbicos em 24 horas, que teriam de ser recebidos e conduzidos pelo sistema de esgotos a construir, isto é, projetados pela Empresa de Obras Públicas no Brazil.

Nestes nove mil metros cúbicos concorreriam, apenas de matéria sólida putrescível, aproximadamente cinco metros cúbicos.

Tais foram os elementos essenciais que serviram de base para o cálculo a fim de determinar as áreas das seções das galerias primárias, secundárias e ramais de prédios, e bem assim as dimensões dos tanques de recebimento e filtração dos líquidos dos esgotos em causa, cuja construção foi interrompida com a saída do Dr. Portela da Presidência do Estado e com o advento da Revolta da Armada, em 1893.

Nas "Memórias da Rua de Ouvidor" conta Joaquim Manuel de Macedo alguns episódios interessantes sobre o "Tigre" e diz que:

"A edilidade do Rio de Janeiro lembrou-se enfim de banir os tigres. Mas não pensem que lembrar, querer e conseguir fosse obra de poucos dias ou flat de enérgica vontade. Primeiro houve horas marcadas para o saimento e despejo dos tigres, e praias determinadas e exclusivamente concedidas para o despejo deles. Depois usaram-se para os despejos barris que pelo menos se proclamavam hermeticamente fechados, e depois carroças conduzindo em grandes caixas tampadas aqueles mesmos barris.

Finalmente veio como último inexcedível melhoramento: a City Improvements com seus esgotos subterrâneos: não ponho em dúvida a excelência do sistema: nego, porém, que tenha sido preceituosamente executado no Rio de Janeiro. Com certeza a City Improvements não é hermeticamente fechada, frequentemente respira malefícios nas casas, e nas ruas da cidade, faz então lembrar o tempo dos tigres, e, honra lhe seja feita, em tais casos a City Improvements é tigre colossal.

Os tifos e as febres perniciosas têm muito que agradecer aos evidentes defeitos do tal sistema subterrâneo que espalha miasmas subterrâneos."


A observação do autor de "Memórias da Rua do Ouvidor" é interessante porque ele - Joaquim Manuel de Macedo - era formado em Medicina, embora a Medicina daquela época falasse ainda em "miasmas" e não se referisse ainda à teoria microbiana, descoberta per Pasteur mais tarde.

Foi realmente uma pena que os esgotos projetados em início de construção no governo do Dr. Francisco Portela não chegassem a funcionar, não só porque a cidade ficou sujeita aos incômodos do "Tigre" até 1921, como também porque assim ficamos privados de testar o sistema misto de esgotos em nosso meio.

Diz Manuel de Macedo, a título de "blague", que a City não era hermeticamente fechada e que frequentemente "respirava" malefícios nas caras e nas ruas, lembrando o tempo dos tigres etc.

Vê-se, através da leitura da memória justificativa do projeto do Sr. T. Tapajós, que esses inconvenientes estavam sendo estudados tecnicamente, tanto assim que fazia uma longa exposição sobre o sistema de ventilação da rede pública de esgotos, das instalações domiciliares, dos aparelhos sanitários empregados e respectivos ventiladores, usando sistematicamente um sifão desconector entre a rede pública e a domiciliar, que impedia completamente chegassem os gases dos esgotos da rede até as casas.

Tendo o Edital de 4 de fevereiro de 1890 prescrito que a lavagem dos esgotos seria feita com água do mar, a memória justificativa do projeto incluía, também, uma longa exposição, justificando os motivos por que se recusava a empregar tal sistema, tendo em vista as condições das águas da Baía de Guanabara naquela ocasião, porém, isso é assunto para outro trabalho.

O "Tigre" que encontrei em 1903 quando voltei a residir em Niterói, era mais evoluído: não havia mais escravidão, de modo que os despejos não se faziam mais individualmente, estavam a cargo de uma empresa que melhorava as suas condições de atendimento a domicílio, aproveitando a experiência carioca e fazia a remoção das matérias fecais usando barris que se proclamavam hermeticamente fechados e eram levados em carroças de tipo apropriado, mesmo assim ainda conservavam as inconveniências do Tigre, principalmente em casas onde só havia uma entrada, isto é, nas chamadas "casas de rótula".

O Colégio Salesiano, em Santa Rosa, não se utilizava do barril, tinha um serviço próprio de remoção das matérias fecais através de duas carroças de tração bovina compostas de um grande cilindro de ferro, em forma de caldeira, com dispositivo para ser ligado à instalação sanitária do Colégio, aí permanecendo uma enquanto a outra saía para efetuar o despejo na Armação.

Esse dispositivo usado pelo Colégio Salesiano resolvia em parte as inconveniências do "Tigre", porque eliminava o movimento de transporte do barril, o qual agitando a matéria fazia escapar o gás através de pressão, forçando a tampa, por melhor que fosse o seu ajustamento.

Os odores desagradáveis desse gás impunham o uso de defumadores à passagem dos barris por dentro de uma casa, nem sempre resultando uma combinação feliz desses aromas.

Outra desvantagem da circulação dos barris era a possibilidade de acidentes: quando, por enferrujamento dos arcos de ferro ou apodrecimento da madeira, desmontavam-se em horas e locais impróprios: quando caiam das mãos dos carregadores ou chocavam-se com algum obstáculo ou quando, mal arrolhados, ou por escorregar seu condutor, entornavam o conteúdo antes da hora...

Sendo extinta em 1921 a empresa de remoção de matérias fecais, mereceu do nosso querido Lili Leitão um apropriado soneto que consta da sua coleção "Comidas Brabas", onde contava que "Antonico da T., vivendo dela, quando saiu dela, ficou sem recursos e caiu nela".


Publicado originalmente em O Fluminense, em 22 de dezembro de 1974
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto


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Publicado em 31/10/2024

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