Capítulo 37 da Série "A Niterói que eu vi e a que viram meus avós", de Romeu de Seixas Mattos
Divisões territoriais, formas de governo e processos de sucessão eram, nos primórdios de nossa história, inteiramente diversos dos de hoje.
A transmigração da Família Real Portuguesa para o Brasil trouxe novo impulso para a região; foi criada a Vila Real da Praia Grande, depois a Província do Rio de Janeiro, feita a Independência tivemos o I e o II Império, finalmente a República.
A cidade de Niterói teve um longo período de vida vegetativa, um lento processo de desenvolvimento palco de lutas que se perderam na noite do esquecimento.
Com a Proclamação da República, foi escolhido para ser o primeiro Presidente do Estado do Rio de Janeiro o Dr.
Francisco Portela.
Nascido no Piauí em 22 de Julho de 1834, filho de João Antônio Vaz Portela e Luísa Pereira de Carvalho, veio muito jovem ainda para o Rio de Janeiro, onde estudou com muito sacrifício, formando-se em medicina com 23 anos apenas. Em 1859 instalou-se na cidade de Campos, tornando-se famoso como médico humanitário e amigo.
Em Campos iniciou também sua vida jornalística, escrevendo no "Monitor Campista", defendendo os interesses da coletividade e os ideais republicanos. Com o pseudônimo de
Radymira deixou obras filosóficas como: "A Visão da Eternidade", "A Caridade", "O Lago dos Santos", "Sexta-feira Santa", "Saudades e Esperança", concluindo em 1876 um "Epítome de Filosofia Racional e moral", que não chegou a ser publicado.
Em 1883 mandou instalar luz elétrica na sua fazenda em Campos, melhoramento inaugurado pelo Imperador D. Pedro II, tornando pioneira, assim, a cidade de Campos, em toda América do Sul, a ser iluminada eletricamente.
Deputado estadual em 1864, retornou à Assembleia da antiga Província do Rio de Janeiro em 1889, desta vez eleito pelo Partido Republicano. Também em 1889 havia sido eleito vereador em Campos, porém, proclamada a República, foi escolhido, em caráter provisório, para governar o já então Estado do Rio de Janeiro; eleito para o mesmo cargo, em 1891, renunciou logo depois, com o Marechal Deodoro da Fonseca.
Como Presidente do Estado do Rio de Janeiro, o Dr. Francisco Portela foi o criador do Corpo de Bombeiros de Niterói, atual Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiros, levou estradas de ferro aos principais municípios, incentivou a criação e desenvolvimento das indústrias, ampliou a rede escolar, intensificou as obras de abastecimento de água, contratadas em 11 de junho de 1885, e publicou em 4 de fevereiro de 1890 um edital de concorrência para o serviço de esgotos.
Atendendo aos termos do edital de 4 de fevereiro de 1890, a Empresa de Obras Públicas no Brazil (Brasil com Z, conforme a grafia da época) após realizar os estudos necessários para execução das obras de esgotos de matérias fecais, águas servidas e pluviais da cidade de Niterói, propôs ao Governo Estadual tomar a si a execução dessas obras, submetendo à alta consideração do governo todos os planos que organizou e que constavam no seguinte:
I - Memória descritiva e justificativa dо projeto;
II - Planta geral da cidade e seus arrabaldes, compreendendo o respectivo plano cotado, com o traçado da rede de esgotos;
III - Perfis longitudinais de três galerias principais - a da cidade, a de São Domingos e a de São Lourenço;
IV - Seção tipo das principais galerias;
V - Tipos de flushing-tanques;
VI - Tipos de ventiladores com entradas de inspeção de ralos e caixas de lavagens;
VII - Tipos de casas com o sistema completo de esgotos;
VIII - Planos completos de desinfecção, casa de máquinas, etc.
Pela Lei Provincial nº 2953, de 10 de janeiro de 1888, o Governo da Província ficou autorizado a contratar o serviço de esgotos.
Sendo assim, suponho que o edital de 4 de fevereiro de 1890 foi baseado nessa lei e que assim também fosse feita a aceitação da proposta apresentada, uma vez que não encontrei expediente a esse respeito, embora muito o procurasse.
Que houve aceitação da proposta eu não tenho a menor dúvida, porque as obras começaram e existem no subsolo de Niterói algumas galerias de grande diâmetro, tanto assim que uma delas, de forma circular de 0.46m de diâmetro, que corria ao longo da Rua Diamantina (atual Marquês do Paraná), foi aproveitada, em 1912, para canalizar o Rio dos Passarinhos.
Vitorioso na Capital da República o movimento revolucionário de 23 de novembro de 1891, que provocou a renúncia do Marechal Deodoro e a consequente ascensão ao poder do Vice-Presidente Marechal Floriano Peixoto, agitou-se a oposição fluminense para depor o Governador Portela e constituir novo governo, fato não isolado no Estado do Rio, pois ocorreu nos demais.
Em virtude disso, na manhã de 10 de dezembro de 1891 resignava o Governador Portela, passando o exercício do cargo ao seu substituto o Vice-Presidente Dr. Getúlio das Neves. Deste, o governo passou para o Presidente do Senado Dr. Dermerval da Fonseca que o transmitiu ao Presidente da Câmara - Dr. Licínio Barcelos. Na realidade, nenhum dos substitutos legais do Governador aceitou o encargo de ficar à testa do governo estadual.
Sendo assim, deu-se a acefalia de um governo que de fato já não existia.
Não havendo mais autoridade legitimamente constituída, houve grande confusão, sendo designado pelos chefes revolucionários um Chefe de Polícia o Dr. Alfredo Madureira, permanecendo em calma a cidade.
No dia 11 de dezembro de 1891 tomou conta do poder o Contra-Almirante Dr. Carlos Baltasar da Silveira, designado pelo Governo da União.
Terminou o episódio com a volta ao regime legal com a Constituição de 9 de abril de 1892 e a imediata eleição pela Constituinte do mesmo Contra-Almirante para Presidente do Estado, e do Dr. Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho para Vice-Presidente, ambos em caráter provisório.
A 3 de maio do mesmo ano, assumiu o governo, eleito pelo sufrágio popular, o Dr.
José Tomás da Porciúncula.
Além disso, em 6 de setembro de 1893, estourou a
Revolta da Armada Nacional, chefiada pelo Almirante Custódio José de Melo, com repercussões seríssimas na vida de Niterói, inclusive no que diz respeito aos seus serviços públicos, como veremos. A Lei Provincial nº 2947 de 7 de janeiro de 1883 autorizou a inovação do contrato de abastecimento de água potável com a Companhia Melhoramentos Urbanos de Niterói.
A Companhia de Melhoramentos Urbanos de Niterói foi organizada pelos engenheiros Vitor Francisco de Braga Melo e António Jose Pedro Monteiro que, em 1885, fizeram contrato com a Província do Rio de Janeiro para o abastecimento d'água da cidade.
A Companhia de Melhoramentos Urbanos de Niterói atravessou grandes dificuldades e passou esse contrato à Empresa de Obras Públicas no Brasil.
O serviço de esgotos provavelmente prosseguiu em andamento; em 28 de novembro de 1891 a Empresa de Obras Públicas terminava o assentamento da primeira linha adutora, pela qual traria água captada no Posto do Pena, na Serra de Friburgo, porém a água só chegou aos niteroienses em 6 de janeiro de 1892.
Em 1893, com a
Revolta da Armada, a empresa abandonou as obras complementares de abastecimento de água, paralisou o serviço de esgotos deixando acéfalo o respectivo pessoal, o que obrigou o Governo do Estado a tomar conta do serviço encarregando-se dele até a administração de Quintino Bocaiúva, quando o restituiu à empresa particular, entregando-o mediante reforma de contrato à
Companhia Cantareira e Viação Fluminense, na parte somente relativa ao abastecimento d'água.
Quanto ao serviço de esgotos, o Decreto nº 850, de 1904, rescindia o contrato com a Empresa de Obras Públicas no Brasil e a Lei Municipal nº 759, de 1906, autorizou a contratar o serviço de esgoto, contrato que pelo Decreto nº 997 de 31 de outubro de 1906, foi efetuado com a Companhia Cantareira e Viação Fluminense.
Sucede, porém, que Niterói, nessa éроca, possuía cerca de 5.000 prédios distribuídos por cerca de noventa quilômetros de ruas e isso fazia com que a construção do serviço de esgotos sanitários não constituísse bom negócio para uma empresa particular, não fosse um empreendimento bastante remunerador do capital empregado, tanto assim que a CCVF não deu cumprimento ao contrato de nº 997 de outubro de 1906.
Como se vê, no tempo do Governador Portela o reflexo negativo das lutas políticas recaiu no serviço de esgotos, porque o serviço de abastecimento de água já estava concluído desde 6 de janeiro de 1892; faltavam apenas as obras complementares, algumas das quais só foram executadas muitos anos depois, ao passo que o serviço de esgotos estava feito pela metade.
Já a interrupção do serviço de esgotos em 1893 foi motivada por uma razão de força maior, que também deve ter influído no serviço de abastecimento d'água a Niterói, tanto assim que pararam as obras complementares ainda em exесução, não ocorreu nesses casos o objetivo de arma política para desprestigiar essa ou aquela administração.
Embora o Dr. Porciúncula houvesse chefiado a oposição que levou o Dr. Francisco Portela a renunciar à Presidência do Estado do Rio e talvez tivesse algum interesse nesse sentido, penso que prevaleceram os motivos de ordem econômica e financeira para que não tivessem continuação as obras dos esgotos sanitários.
Na primeira década deste século, por um capricho do destino, era fiscal do Governo do Estado do Rio de Janeiro junto à Companhia Cantareira e Viação Fluminense, nessa ероса sob a direção do Visconde de Morais, o Dr. Francisco Portela.
A CCVF era concessionária dos serviços dos serviços: de transpоrtе terrestre e marítimo, de abastecimento de água e esgotos sanitários da cidade de Niterói.
Assim sendo, o Dr. Francisco Portela ainda estava ligado ao abastecimento de água da cidade, ao qual dera o melhor dos que dependiam dos dispositivos estabelecidos no contrato celebrado, de acordo com o Decreto nº 997 de 31 de outubro de 1906 e das inconveniências de não representarem negócio lucrativo para empresa particular.
Contudo, o fato de um indivíduo que fora Presidente do Estado, ex-fazendeiro em Campos, estar exercendo um cargo de menor importância (embora isso ateste sua honestidade no desempenho dessas atividades) não lhe dava grande autoridade para exigir qualquer coisa em benefício dos esgotos.
Por isso, penso que a saída do Dr. Francisco Portela da governança do Estado do Rio de Janeiro foi a causa principal do fracasso da tentativa de se libertar a cidade dos incômodos do
Tigre, porque a continuação de uma obra iniciada pelo antecessor, na maioria das vezes, não é bem compreendida pelos administradores, que preferem exaltar suas iniciativas, se bem que existam raras e honrosas exceções, como o Secretário de Obras da Guanabara que disse haver dado prioridade às obras inacabadas, segundo o "Jornal do Brasil" de 2-3-1975, do qual transcrevo trecho seguinte:
"Entre executar novas obras, que seriam "inteiramente suas", ou dar prosseguimento às já iniciadas, que encontrou mal equacionadas, a Secretaria de Obras, na administração que ora se despede, escolheu a última opção. E através dessa decisão, orientou toda a atuação dos seus diversos órgãos, autarquias e empresas de economia mista. O resultado mais expressivo dessa orientação, entre falhas e acertos, críticas severas e elogios fáceis, foi a solução para os problemas que emperravam diversas grandes obras da cidade, consideradas pela população como verdadeiros "monumentos ao inacabado".
Graças a essa orientação, o setor do abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro foi beneficiado com mais de um bilhão de litros por segundo, embora para entrar no gozo desse benefício tenha sido preciso sofrer uma incômoda falta d'água por poucos dias.
Também no campo do esgotamento sanitário, a conclusão do emissário de Ipanema já é quase uma realidade, caso os seus sucessores não mudem de orientação.
Publicado originalmente em O Fluminense, em 26 de março de 1975
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto
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