Capítulo 35 da Série "A Niterói que eu vi e a que viram meus avós", de Romeu de Seixas Mattos
Algumas ocorrências ultimamente noticiadas pela imprensa, rádio e televisão fizeram-me recordar as enchentes que vi na minha infância e, posteriormente, na minha vida profissional.
Na minha infância, porque eu morava em Petrópolis, numa casa da Avenida Ipiranga, quando caía uma chuva mais forte, a rua ficava alagada e de um bueiro, que havia em frente, a água, ao invés de entrar, saia em grande repuxo contribuindo para inundar mais a rua.
Isto para mim era um divertimento, pois, da janela alta da nossa casa, aproveitava para jogar à correnteza canoas de papel de jornal, simples ou de uma ou duas cobertas, caprichando cada vez mais na variedade dos tamanhos, em disputa com meus primos, residentes, como eu, na casa de meu avô materno, numa competição que dava cabo dos jornais, latas, enfim tudo que pudesse ser transformado em barco ou coisa semelhante, desde que flutuasse.
Em 1903 voltei a residir em Niterói e, então, tive um novo campo de observação.
Aqui, a Niterói que eu vi e a que viram meus avós, nos seus aspectos físicos, esteve sempre em constantes transformações.
Assim é que o conjunto de ilhas que, ligadas entre si e ao continente, fizeram desaparecer as "águas escondidas", a busca incessante de acrescidos de marinhas, fizeram surgir e evoluir a Ponta d'Areia, modificando o litoral que existiu em 1568, fazendo desaparecer a verdadeira "Praia Grande" da banda do "além", assim como, também em outros pontos, os aterros e a sedimentação do solo eliminaram a outra Praia Grande em frente à "laje" de que falam documentos antigos, disso resultando uma extensa superfície com pequenas elevações, por onde se expandiu a cidade, em alguns pontos apresentando dificuldades para o escoamento das águas pluviais e criando, assim, facilidades para as enchentes.
Através da leitura de relatórios do Governo da Província e outros documentos antigos, verifiquei a existência de vários terrenos alagadiços, pântanos que pouco a pouco foram sendo saneados por seus proprietários, mercê de incentivos do governo, tais como isenção de impostos etc., alguns dos quais já foram citados em outros trabalhos.
Sendo assim, a Niterói que eu vi em 1903 quando retornei de Petrópolis, em alguns pontos já estava adaptada, pelo "processo da roda quadrada", às novas circunstâncias; por isso em certos locais não havia mais problemas com enchentes.
O calçamento de Niterói, onde havia, isto é, no centro da cidade, em toda a Rua da Praia (atual Visconde do Rio Branco) e em grande parte de São Domingos, era de alvenaria bruta, chamado pelo povo de "pé de moleque".
Os passeios eram estreitos (mais ou menos 1,50m) de grandes lajedos de pedra, sem meios-fios, de modo que eram arredondados nas extremidades, para fazer a concordância das sarjetas com o calçamento de alvenaria bruta.
Não havendo esgotos de espécie alguma, escoavam-se para as sarjetas das ruas as águas servidas, enchendo as sarjetas de detritos, sendo que na Rua da Conceição, entre a Praça Santo Alexandre e Praça Martim Afonso, trecho que chamavam de Rua Direita, por ser muito estreita e ter só uma sarjeta pelo centro da rua, aí se acumulavam maiores imundicies.
Acostumado em Petrópolis, onde os passeios tinham meio-fio e não eram arredondados nas extremidades, nos primeiros tempos em que voltei a residir em Niterói, quando inadvertidamente andava pela beira das calçadas, pisando na ponta arredondada, escorregava para dentro da sarjeta suja, motivo por que nunca me esqueci dessa inconveniência do calçamento.
Em outro pontos da cidade, onde ainda não havia o tal calçamento de "pé de moleque", aí então as águas das chuvas, não tendo escoamento superficial disciplinado, escorriam através da infiltração no solo, conforme o grau de permeabilidade de cada ponto, havendo ainda casos de estagnação e formação de pântanos que, pouco a pouco, também foram sendo saneados.
Nestas condições, o advento de uma enxurrada era algo providencial porque fazia uma completa lavagem das sarjetas.
Lembro-me ainda do aroma que senti na minha infância em Petrópolis, quando, passeando a cavalo atravessei campos de capim melado, explicando-me meu pai e meu avô que tal acontecia porque o ar estava saturado de ozone.
Esse mesmo odor voltei a sentir em Niterói, após o advento das grandes trovoadas.
Infelizmente, porém, não sei se meu olfato perdeu a sensibilidade, em contato prolongado com outros olores ou em razão da velhice, o certo é que nunca mais senti aquele cheiro de capim melado, por maiores que sejam as trovoadas de hoje.
Penso que estando o ar atmosférico pobre de oxigênio em virtude da poluição proveniente das chaminés de fábricas e descargas dos ônibus, as faíscas electrostáticas, por mais fortes que sejam as trovoadas de hoje, não conseguem saturá-lo de ozone em condições de ser notado pelo nosso olfato.
Minha volta para Niterói em 1903 foi motivada pela mudança da capital e, também, por motivos enquadrados na Lei nº 624 A, de 18 de janeiro de 1903, o Decreto nº 833 criou o cargo de Prefeito do Município em 4 de janeiro de 1904, sendo nomeado para exercê-lo o Engenheiro Civil
Paulo Ferreira Alves.
A mudança da capital e o advento da Prefeitura deram novo impulso ao progresso de Niterói; começaram a acabar com as barracas e os quiosques e mudaram a iluminação a gás pela eletricidade etc.
Na administração do Prefeito Dr.
João Pereira Ferraz (1º de janeiro de 1909 a 31 de dezembro de 1910) ocorreram algumas novas transformações no aspecto da cidade.
O caminho sinuoso do Fonseca foi retificado e transformado na
Alameda São Boaventura, sendo feito um canal triangular de cimento para escoar com grande rapidez o vale do Rio da Vicência e grande parte da bacia hidrográfica do Fonseca, sobrecarregando o trecho final do talvegue, que foi mantido nas mesmas condições anteriores.
Na restinga repleta de pitangueiras na
praia de Icaraí foi construído um cais e feitos calçamentos que não eram do tipo "pé-de-moleque", aí surgindo uma via de comunicação na cidade que aspirava a uma rápida evolução e melhorando uma praia de banhos que, na época, apresentava um mínimo de poluição.
Digo um índice mínimo de poluição em vez de dizer isento, baseado no conhecimento que possuo sobre o estado das águas da Baía de Guanabara no século passado, quando os engenheiros que projetaram os esgotos do sistema misto para Niterói recusaram-se a satisfazer uma exigência do Edital de 4-2-1890, sobre a lavagem dos esgotos com água do mar, porque, segundo estudos feitos por um bacteriologista de nome Havelburg, as águas da Baía de Guanabara, naquele tempo, em alguns pontos, já continham um número mais elevado de germes do que as águas da City Improuvements, depois de tratadas.
Noutra restinga de pitangueiras e num terreno que em certas ocasiões se tornava alagadiço, onde o Plano de Arruamento de 1842 traçara várias ruas e uma praça que teria o nome do Visconde de Abaeté, que o nosso historiador Matoso Maia Forte chamou de Tabuleiro de Icaraí", foram realizados melhoramentos; ainda na administração do Prefeito Ferraz foi ajardinado o atual
Campo de São Bento, sendo também canalizados vários trechos do Rio Icaraí.
Outras obras de real utilidade para Niterói foram feitas durante a administração do Dr. Ferraz e na primeira década do século XX, porém deixo de mencioná-las aqui porque não se relacionam com os assuntos que serão abordados neste trabalho.
Como se vê, a primeira década do século XX foi assinalada por uma iniciativa de progresso em Niterói; todavia a cidade ainda teria de lutar muito contra os reflexos negativos dos embates políticos, pois a mecânica social não tem a mesma precisão das leis da mecânica propriamente dita.
Na mecânica, qualquer ação sofre uma reação igual e contrária, ao passo que na mecânica social a coisa é inteiramente diversa, porque uma ação às vezes não sofre qualquer reação e, outras vezes, os sentidos e a intensidade das reações são de efeitos inteiramente inesperados.
Digo isso, baseado nos fatos que observei nas décadas subsequentes deste século onde, pelos caprichos do destino, estive situado dentro do campo de atração dos acontecimentos, e, além disso, pelas pesquisas que fiz em relação ao passado.
Como todos sabem, durante esse lapso de tempo, o mundo, o país, o estado e a cidade atravessaram períodos de altos e baixos que fornecem para a nossa história elementos interessantes, a serem tratados em momentos oportunos.
Para atingir mais rapidamente os objetivos que tenho em vista, não falarei aqui nos reflexos negativos das lutas políticas que causaram enormes prejuízos a Niterói que eu vi e a que viram meu avós, direi apenas que penetrei nesse "Olimpo" e que evolui o meu espírito em contato com gente tão ilustre.
Na minha infância, aproveitava as enxurradas como divertimento para conduzir minhas canoas de papel de jornal, mais tarde volvi minha atenção para outros aspectos da natureza e levei mais adiante minhas observações e estudos sobre a água, tanto na sua origem como nas suas finalidades.
Satisfazendo os caprichos do destino, comecei a trabalhar na Prefeitura Municipal de Niterói em 16 de março de 1911.
Mais tarde, também por outra fatalidade ocasional, atravessei à frente de uma
cabeça d'água, conforme narrativa que fiz em trabalho publicado em "O Fluminense" de 28-6-1974.
Na gestão do Prefeito Dr. Manoel Ribeiro de Almeida (1927 a 1929) eu já havia dado baixa do serviço ativo do Exército, já havia atingido o Quadro de Engenheiros da Municipalidade e chefiava a Seção de Obras Públicas que enquadrava os Serviços de Águas, Esgotos, Calçamentos, Pedreira, Jardins a Arborização da cidade etc.
De volta de uma inspeção nas adutoras, em dia que não posso precisar agora, viajando em uma camionete que usava em meu serviço, fui surpreendido na Rua Benjamim Constant por um forte temporal.
Querendo observar os efeitos da enchente. apeei da Caminhonete e fiquei na "Ponte de Pedra" para ver chegar e passar a "cabeça d'água sob essa ponte.
Sucede, porém, que o volume da "cabeça d'água" era colossal, que invadia pelos fundos os prédios da Rua Carlos Maximiano e havia gente pedindo socorro.
Entrei de marcha-a-ré com a camionete e subi no passeio da Rua Carlos Maximiano, conseguindo trazer, em três viagens, todas as pessoas que necessitavam de ajuda, colocando-as em local seguro.
Havia, entretanto, uma velha que gritava por socorro em lugar onde a caminhonete não podia chegar, em vista da altura que a água atingira.
Saltei da caminhonete e fui buscar a velha, atravessando com água pela cintura e enfrentando grande correnteza.
Peguei a velha no colo e mandei que segurasse bem o meu pescoço, porém ela, conservando toda feminilidade e acanhamento que não esquecera em circunstâncias tão trágicas, não atendeu ao meu pedido e por isso quase a deixei cair e quase fomos arrastados pelas águas, conseguindo vencer os obstáculos com muito esforço e assim salvar a pudica senhora.
Pedi ao vigia da elevatória da Ponte de Pedra que usasse o telefone da elevatória para chamar o Dr. Ribeiro de Almeida, o qual chegou momentos depois e mandou hospedar na Pensão Almeida, por conta da PMN, todo aquele pessoal flagelado pela enchente.
Chegou também rapidamente o Corpo de Bombeiros que se encarregou de operações de maiores envergaduras, ficando assim dispensada a minha modesta colaboração, mesmo porque tive de seguir logo para os meus afazeres, dos quais me desviara fortuitamente, por circunstâncias inesperadas.
Percebi então que os efeitos desastrosos dessa enchente haviam sido agravados pelo desaparecimento da enseada de São Lourenço; era como se houvessem tapado a boca de um cano, dificultando a sua descarga.
Enquanto o litoral da antiga enseada tava muito próximo na Ponte de Pedra, os efeitos produzidos pelo desequilíbrio proveniente do canal triangular da Alameda São Boaventura sobrecarregando o trecho final do talvegue que fora mantido nas condições anteriores não se tornaram muito prejudiciais.
Com o desaparecimento da enseada de São Lourenço, tiveram de canalizar o rio por mais de um quilômetro além da ponte de pedra e não o fizeram em condições satisfatórias, tanto assim que os efeitos se manifestam ainda hoje de uma forma evidente e arrasadora.
Posteriormente, prolongaram o canal da Alameda, através da Alameda e Avenida Feliciano Sodré (canal subterrâneo) até o mar.
Penso, porém, que essa obra não obteve resultados inteiramente satisfatórios, embora houvesse melhorado um pouco a situação, pois "O Fluminense" de 11 de janeiro próximo findo anunciou o transbordamento do canal triangular da Alameda e a inundação do Ponto de Cem Réis de Sant'Ana, bem como do Centro Espírita da Vovó Cabinda.
Igualmente a parte denominada por Mattoso Maia de "Tabuleiro de Icaraí" apresenta sérias dificuldades para o regime de escoamento das águas pluviais. Verifiquei essa dificuldade ao tempo em que chefiava a Seção de Obras Públicas, na administração do Prefeito Dr. Villanova Machado, quando tive de estudar o assunto para fazer calçamentos e esgotos de águas pluviais; por isso foi pedida a desapropriação de um terreno pertencente ao Lili Queirós, no Canto do Rio, cujo processo não cheguei a acompanhar.
Assim, procedi porque o fundo do canal no Campo de São Bento tem cota zero (ilegível) à maré máxima e cotas muito baixas as adjacências dessa região.
Se houver uma enchente coincidindo com a hora da maré máxima, o escoamento dessa região tornar-se-á muito difícil e será preciso aproveitar ao máximo os recursos da técnica especializada, diminuindo o atrito nas paredes das canalizações, as variações do raio médio (raio hidráulico), aproveitamento máximo do desnível superficial e desvio e distribuição das águas para pontos mais convenientes, infiltração no solo etc.
Para isso havia sido pedida a desapropriação do terreno do Lili Queirós, visando a aumentar a saída do Rio Icaraí por um viaduto de inundação no Canto do Rio.
Deixo de apresentar aqui os elementos detalhados desse caso para não me alongar demasiado; direi apenas que, posteriormente, quando ainda me achava em atividade profissional e presidia a Comissão de Tombamento, tive notícia de um agitado movimento burocrático a fim de evitar que a Comissão de Tombamento fosse ouvida sobre a utilidade pública desse terreno do Lili Queirós, pois pretendiam desembaraçá-lo para nele ser construída a Igreja de São Judas Tadeu.
Em 1962, havendo atingido o limite de idade, fui aposentado compulsoriamente pela PMN e posteriormente foi iniciada a construção da Igreja de São Judas Tadeu, nesse terreno.
Em janeiro de 1968 houve uma enchente tão grande que as águas atingiram mais de um metro, na Rua Estácio de Sá, 0.50m na Rua Lemos Cunha e Avenida 7 de Setembro. Minha propriedade na Rua Lemos Cunha, foi danificada nessa enchente, obrigando-me a elevar os pisos e soalhos, de forma a não mais ser invadida pelas águas.
Em virtude dessa enchente, a Prefeitura aumentou as seções das galerias de águas pluviais dessa zona e alargou o canal em mais dois metros, perfazendo uma largura total de 5.40m, obra de custo elevado e de efeito pouco satisfatório porque mais tarde tiverem de alargar a ponte do Canto do Rio e aumentar as seções das galerias de águas pluviais da Avenida Sete de Setembro.
O alargamento de mais dois metros do canal do Rio Icaraí causou-me grande prejuízo porque meu terreno da Rua Lemos Cunha possuía uma saída de veículos pela Rua Gustavo Lira, que não mais pode ser utilizada, o mesmo ocorrendo com os meus vizinhos laterais, que haviam doado, como eu, a parte de terreno necessária a abertura da referida Rua Gustavo Lira.
Para compensar esse prejuízo, a PMΝ construiu uma ponte sobre o Rio Icaraí, de modo que um vizinho meu pudesse utilizar-se da sua saída de veículos atravessando a ponte e servir-se do outro lado da Rua Gustavo Lira, que conservou a mesma largura.
Requeri à PMN que me desse igual tratamento, mas não tive a felicidade de ser atendido. Estaria perfeitamente conformado com o prejuízo que tive se verificasse a necessidade do alargamento do Rio Icaraí, tendo em vista que o projeto anterior, de meu conhecimento e no qual tomei parte, era de custo mais barato porque aproveitava as obras já feitas em outras administrações e mais eficiente porque aproveitava o rendimento máximo de recursos teóricos da técnica especializada no assunto.
Como se vê, tudo isso tem acontecido porque não têm havido coordenação entre projetos, os serviços públicos têm servido como arma de compressão e de propaganda política, disso resultando prejuízos incalculáveis para a cidade e até para os particulares.
O Código de Posturas de 1842 fixava uma largura mínima de oitenta palmos, ou sejam 17.60m para as ruas e, no entanto, fizeram uma enorme campanha até que conseguiram reduzir para sessenta palmos ou sejam 13,20m; o resultado disso é que os arruamentos têm sido modificados de forma desordenada, de modo que edifícios recentemente construídos ficam fora do alinhamento, em virtude dessas constantes modificações.
Nas pesquisas que fiz encontrei sempre, em todas as épocas, traços da passagem de gente que tem estudado os assuntos com grande proficiência e longo alcance para o futuro, buscando as melhores soluções para os problemas; é pena que não tenham sido aproveitados convenientemente esses esforços tão salutares.
Os engenheiros que locaram em 1860 as duas canalizações de 0,16m de diâmetro que traziam para a cidade as águas dos reservatórios da Vicência e Bento Peixoto, através do caminho sinuoso do Fonseca, previram naquela época uma avenida com 33.00m de largura, de modo que aquelas canalizações foram colocadas em posição que as enquadraram perfeitamente dentro do gabarito da Alameda São Boaventura, construída em 1910.
Os engenheiros que estudaram os esgotos em 1890 tiveram a preocupação de verificar qual devia ser a direção que deviam adotar para esgotar a cidade de Niterói - se para fora da Barra se para dentro da Baía de Guanabara.
E concluíram, então, que para Niterói poderia ser adotada qualquer das duas soluções, mas que outras cidades, quando se desenvolvessem, teriam de recorrer ao tratamento dos seus esgotos e assim também por que não acreditar na ciência (diziam eles) e adotar para Niterói uma solução mais barata?
Como se vê, há 85 anos, sem se referir ao termo "Interceptor Oceânico" - porque isso é nomenclatura moderna de canalização de esgotos - havia quem cogitasse do mesmo assunto e estudasse, talvez com maior profundidade do que hoje, tais problemas.
Ultimamente, o Projeto Praia Grande afastou mais uma vez o litoral para ponto muito distante de onde se encontrava.
Se não fizerem as obras necessárias, teremos enchentes em vários pontos do centro da cidade.
Na última chuva, ocorrida na semana anterior ao Carnaval, estive observando da varanda de minha residência e vi na esquina da Rua Visconde de Itaboraí com Saldanha Marinho, a água alagar toda a rua e subir cerca de dez centímetros acima do passeio, durante o período da enxurrada.
Ora, a esquina da Rua Visconde de Itaboraí com a Rua Saldanha Marinho tem uma cota de 3,58m acima da maré máxima. O que terá acontecido em pontos mais baixos?
Num trabalho publicado com o título de
Largo da Memória, fazendo o histórico desse largo, tive ocasião de dizer que foi um passeio público pretendido por D. João VI em 1816, realizado por Feliciano Sodré em 1913, que mais tarde transformaram em Estação Rodoviária, transferiram para outras praças estátuas e obras de arte e até pretenderam retirar o monumento de D. João VI para ali colocarem uma vela de navio de folhas de Flandres, perpetuando o advento das atividades de uma firma comercial que estava atuando no Rio e em Niterói, que consideravam digna de uma consagração.
Como todos sabem, várias praças de Niterói têm desaparecido, algumas até sem deixar vestígios, como o
Largo do Chafariz (trabalho publicado em 1-9-1974).
Outras praças como o
Largo do Quartel (local onde Niterói se consagrou cidade invicta em 9-2-1894) que foi ocupado pela Estação Rodoviária intermunicipal; a Praça Dr. Azevedo Cruz, ocupada pelo Almoxarifado da PMN; têm sido sacrificadas, e entre elas destacaremos a
Praça da República, destruída para a construção do novo Palácio da Justiça, que ainda não está concluído e já perdeu a sua grande finalidade com a fusão Rio de Janeiro-Guanabara.
Contra este último atentado às nossas tradições e ao patrimônio histórico e artístico da cidade, escrevi diversas cartas às várias autoridades, pedindo providências a respeito e nem sequer obtive qualquer resposta às cartas respectivas, que estão relacionadas para futuramente fazerem parte de um trabalho com o título de: Cartas sem Respostas...
Entre mortos e feridos, ainda é possível salvar alguma coisa que escapou da sanha dos iconoclastas de todas as épocas.
A ameaça de demolição pesa sobre o antigo Edifício do Fórum, projetado pelo falecido Desenhista Inocêncio Nazário de Gouveia Júnior e construído na gestão do Prefeito Feliciano Sodré, para ali ser restaurada a Praça da República, de uma forma mirabolante, com estacionamento de automóveis subterrâneo, como se fossem os jardins suspensos da Babilônia. No entanto, nesse prédio que pretendiam demolir foi gasta uma vultosa verba para remodelar as instalações sanitárias, além de outras melhorias introduzidas, enquanto aguardavam a construção do novo edifício, já agora numa situação de "suspense" após a fusão RJ-GB.
Sendo assim, apresento a quem de direito as seguintes sugestões:
a) que se ponha um fim a esse processo de "roda quadrada", de deixar as coisas ficarem como estão para ver como é que ficam;
b) que os serviços públicos não sirvam de arma política contra os adversários de propaganda eleitoral, para a conquista de novas posições;
c) que se estabeleça coordenação entre projetos e seja implantado um Plano Diretor que não possa ser alterado por conveniências ocasionais;
d) que não seja demolido o antigo edifício do Fórum, que ele seja aproveitado para outros fins, tendo em vista a deficiência de prédios públicos:
e) que seja restaurada a Praça da República, sim, mas em outro ponto, sem precisar destruir as poucas coisas que possuímos ainda.
Publicado originalmente em O Fluminense, em 21 de fevereiro de 1975
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto
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