Capítulo 05 da Série "A Niterói que eu vi e a que viram meus avós", de Romeu de Seixas Mattos

Por motivos enquadrados na Lei nº 624A, de 18 de janeiro de 1903, o Decreto nº 833 criou, em 4 de janeiro de 1904, o cargo de Prefeito do Município, sendo nomeado para essa função o Engenheiro Civil Paulo Alves.

Embora a Lei Municipal nº 11, de 11 de agosto de 1900, proibisse a colocação de barracas e kiosques nas ruas e praças do município, somente após o advento da criação da Prefeitura e em cumprimento da Deliberação nº 22, de 9 de dezembro de 1904, que declarou não serem mais renovadas as licenças para funcionamento de barracas e kiosques existentes, houve forte campanha para banir completamente essa modalidade de comércio, assim mesmo através de forte reação de alguns interessados.

Como eram os kiosques

Lembro-me, perfeitamente, que em 1903 existia na rua da Praia (hoje Visconde do Rio Branco), junto ao meio-fio do cais, uma fileira contínua de kiosques, que iam da antiga ponte das barcas "Ferry", em frente a Rua das Chagas (atual Marquês de Caxias), até a esquina da Rua do Imperador, isto é, Marechal Deodoro.

Em frente à atual Rua Marechal Deodoro, o cais avançava para o mar através de um quadrado de cimento, onde estava situado um kiosque mais alto e de maiores dimensões, denominado "Gruta de Santo Antônio", fora, portanto, do alinhamento dos demais.

Esse kiosque tinha a forma octogonal inscrita num círculo de um metro e meio a dois metros de raio, mais ou menos, um pé direito de dois metros e meio mais ou menos e os outros anteriormente referidos, alinhados próximos ao meio-fio do cais, tinham a forma hexagonal inserida num circulo de mais ou menos um metro de raio e um pé direito mais baixo.

O gênero de comércio que exploravam era: café, refrescos, sorvetes, bebidas alcoólicas, sanduíches, pequenas refeições, angu à baiana, bilhetes de loterias, talvez o "jogo do bicho", etc, etc.

A construção era feita de madeira, alguns instalados sobre um embasamento de cimento de pequena altura; uns com vidraças simples e outros com vidros de fantasia e cobertura de zinco, em forma de pirâmide ou de cone, com ornatos que se aproximavam do estilo chinês ou japonês, embora essa estilização não fosse muito rigorosa.

O gênero de comércio que exploravam dividia-se segundo as especialidades de cada um, isto é, os que vendiam bilhetes e assuntos correlatos e os que se dedicavam às outras atividades relativas a refeições, bebidas etc.

Isso, porém, não acontecia com o kiosque "Gruta de Santo Antônio" que, talvez por sua localização e dimensões, tanto vendia bilhetes etc., como fornecia refeições e bebidas, o que lhe atraía uma turbulenta freguesia, tanto assim que junto dele ou próximo a ele foi assassinado um valentão, chamado "Cipriano", por outro de nome "João Bacalhau".

Na Rua Visconde do Uruguai (antiga D'El-Rei havia dois kiosques, que vendiam bilhetes, sendo um na esquina da Rua São João e outro na Rua de São Pedro.

Os donos dos kiosques

A propriedade desses kiosques já referidos era, segundo os dados ao alcance da minha memória, a seguinte:

Na Rua da Praia, um na esquina da Rua das Chagas e outro na esquina da rua do Imperador, pertenciam ao Sr. José Joaquim Bandeira, já falecido, pessoa possuidora de alguma instrução, grau 33 da Maçonaria, um dos fundadores da Loja "Liberdade e Fraternidade", filho legítimo de um português com uma africana, crente fervoroso da doutrina espírita, tanto assim que se tornou muito conhecido em Niterói, através de numerosas consultas mediúnicas, de tratamento homeopático que fornecia a quem o solicitasse.

Na Rua D'El-Rei, esquina de São João, embora sem grande certeza, penso que esse kiosque pertencia ao Sr. Joaquim Antônio de Souza, o famoso "Joaquim Nadador", pioneiro da travessia a nado da baía de Guanabara.

Na atual Rua Visconde do Uruguai, esquina da de São Pedro, o kiosque ali existente pertencia ao Sr. Guilherme Maria de Vasconcelos, elemento de certa projeção, integrante de família tradicional, proprietário de grande extensão de terrenos no Saco de São Francisco, acostumado a tomar parte em grande número de questões judiciais, tanto assim que não perdeu a oportunidade de reagir energicamente contra a campanha de extinção das barracas e kiosques, pois, segundo me contaram, o seu kiosque foi transportado para uma carroça juntamente com ele, no seu interior, fazendo discursos e reclamações em todo o trajeto.

Kiosques japoneses ou chineses

Algum ano mais tarde surgiu em Niterói, e também no Rio de Janeiro, um novo advento de kiosques, introduzidos, se não me falha a memória, por imigrantes japoneses ou chineses, que tiveram pouca expansão e pequena duração, os quais vendiam um doce chamado "Nougat".

Esses novos kiosques diferiam completamente dos antigos porque não eram fixos no solo, o material de sua construção era o bambu, esteiras e tecidos leves os guarneciam, permitindo facilmente o seu transporte e satisfazendo perfeitamente às características de um elemento destinado no comércio ambulante.

Hexagonal inscrito num círculo de mais ou menos sessenta centímetros de raio, o kiosque era levado, pelo seu condutor, suspenso aos ombros por duas correias à guisa de suspensórios, para mantê-lo fora do chão, arriando-as quando parava e apoiava o kiosque no solo, para fazer seu comércio.

Nos kiosques antigos, em sua maioria, imperavam a simplicidade e pouca estilização, um ou outro possuía vidraças com vidros de fantasia e coberturas com ornatos que se aproximavam do aspecto de kiosques chineses ou japoneses, ao passo que, nesses novos kiosques transportáveis, a estilização era rigorosa nas pinturas e até no aspecto do seu condutor, tanto assim que um nacional que se intrometera naquele meio, caracterizava-se de chinês ou japonês para o exercício das suas funções.

Objetivando uma expressão mais acentuada, usei até aqui a grafia antiga da palavra "Kiosque", vou, porém mudá-la agora porque, nessa nova etapa, os "Quiosques" se modificaram inteiramente.

Últimos quiosques de Niterói

Em 20 de junho de 1946, o Prefeito Municipal, Dr. José de Moura e Silva, fez algumas concessões para exploração de quiosques em alguns locais de Niterói, com o objetivo de construir abrigos para passageiros, sem ônus para a Prefeitura Municipal.

Em julho de 1946, foi dada a concessão aos Srs. Octacílio Fernandes Rodrigues e Caetano Fernandes da Costa para construírem, no abrigo do "Ponto de 100 Réis de Sant'Ana", uma plataforma de concreto armado contendo no seu interior dois ou três quiosques, que lá ainda (em 1974) se encontram.

Em setembro de 1946, o Sr. Ires Costa fez três construções mais ou menos idênticas do Ponto de 100 Réis de Sant'Ana, sendo uma no Barreto, na Praça Enéias de Castro, outra no Largo do Moura, no final da Alameda São Boaventura, e outra no Largo do Marrão, em Santa Rosa.

Infelizmente essas construções não atingiram de modo algum as finalidades contidas na ideia da concessão inicial do Sr. Prefeito Dr. Moura e Silva: algumas, dificultando a visão dos motoristas, deram causa a alguns acidentes de trânsito, outras perderam a sua razão de ser com o desaparecimento dos bondes etc.

Assim sendo, em 1962, na administração do Prefeito Dr. Dalmo Oberlaender, foi demolida a do Largo do Marrão, em Santa Rosa, e em 1965, no governo do Marechal Paulo Torres, foram demolidas a da Praça Enéias de Castro, em virtude da construção da Avenida do Contorno, e a do Largo do Moura, por ocasião da remodelação da Alameda São Boaventura.

O senhor Joaquim Antonio de Souza ficou célebre, na crônica da cidade, porque, no dia 4 de março de 1881, atravessou a nado a baía de Guanabara, da ponte de São Domingos ao Cais Pharoux, chegando na frente do alemão Theodor Johon, que também competia.

Alguns dias depois, o Sr. Joaquim Nadador repetiu a façanha, fazendo em 4 horas o trajeto a nado da Ponte de São Domingos ao Morro da Viúva.

Posteriormente, o alemão Theodor Johon nadou também da Ponta da Armação à Praia da Saudade. Popularizado pelo feito desportivo, o Sr. Joaquim Nadador recebeu da população de Niterói um relógio de ouro, no dia do seu aniversário, 23 de agosto daquele ano.

Durante a Revolta da Armada, o Sr. Joaquim Nadador era um padeiro dedicado que levava pão à sua freguesia até em pontos arriscados. No entanto, estando em sua padaria, na Rua de São João nº 83, canto da Rua da Rainha (atual Visconde de Itaboraí), numa porta do lado da Rua de São João, com a mão no ombro de um freguês com quem conversava, uma bala de canhão de grosso calibre arrancou-lhe o braço e a cabeça do freguês.

Contudo, viveu ainda Joaquim Nadador até maio ou junho de 1932 ou 1934, residindo em Niterói, como também seu filho, o Sr. Benedito Antônio de Souza, na Travessa Augusto Paulo n°25, ambos vendedores de bilhetes.


Nota da edição

A foto de capa é da estação de bondes no Largo do Marrão, citada pelo autor.

João Baptista Pereira, vulgo João Bacalhau, assassinou Cipriano de Moraes com dois tiros em dezembro de 1903, quando este se encontrava junto ao quiosque Gruta de Santo Antônio. Poucas semanas antes, João Bacalhau deu entrada no hospital São João Baptista por ser ferido no pescoço em luta que teve com Cipriano, num botequim do largo da Memória (hoje Praça do Rink), em razão de querelas financeiras.

A memória do autor não o traiu. O Kiosque Democrata, localizado na esquina de Visconde de Uruguai (antiga D'El Rei) com São João, e que vendia loterias, era de fato do sr. João Nadadador.

Publicado originalmente em O Fluminense, em 16 de janeiro de 1974
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto


Índice do Niterói que eu vi e que viram meus avós

O Monte D'Ouro
O morro que foi ilha
A Enseada de São Lourenço
Derivativos para a falta de divertimentos
Kiosques e Quiosques
O problema da localização da Vila Real da Praia Grande
O Campo de Dona Helena
Rio dos Passarinhos
Aproveitamento de uma antiga galeria de esgotos


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Publicado em 28/06/2024

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